20 de Setembro de 2024

Oriente Médio: quais os riscos de um novo conflito regional?


Enquanto milhares de libaneses participavam do funeral de Saleh Al-Aruri — vice-líder do movimento fundamentalista palestino Hamas morto por seis mísseis de 100kg, disparados de um caça, na terça-feira (2/1) —, o Estado Islâmico (EI) reivindicava a autoria de um atentado que matou 84 pessoas, no dia seguinte, em Kerman (sul do Irã). Também nesta quinta-feira (4/1), em Bagdá, dois membros da facção pró Irã Forças de Mobilização Popular (Hashd Al-Shaabi) morreram em um ataque com drone supostamente realizado pelos Estados Unidos. O governo de Joe Biden classificou o bombardeio de "ato de legítima defesa", que eliminou Mushtaq Talib Al Saidi, vice-comandante de Operações de Bagdá. "Dois membros (do Hashd Al-Shaabi) foram mortos, e outros sete ficaram feridos", acrescentou.

No Irã, o Estado Islâmico anunciou, por meio do Telegram, que dois de seus militantes "ativaram o cinturão de explosivos" em meio a "a uma grande multidão de apóstatas, perto do túmulo de seu líder, Qasem Soleimani" — general da Guarda Revolucionária Iraniana. As detonações ocorreram em intervalo de 15 minutos. Foi o ataque mais mortífero desde a Revolução Iraniana de 1979. As operações de assassinato seletivo desta semana, no Líbano, no Irã e no Iraque, acirraram os temores de espalhamento do conflito na Faixa de Gaza para países do Oriente Médio. O Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) condenou "energicamente o ataque terrorista covarde" em Kerman.

"O terrorismo, em todas suas formas e manifestações, constitui uma das ameaças mais perigosas à paz e à segurança internacionais", reafirmou o Conselho, ao sublinhar "a necessidade de responsabilizar os autores, organizadores, financiadores e partidários destes atos reprováveis de terrorismo, e de levá-los à Justiça". Em uma tentativa de evitar a escalada, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, iniciou um giro por cinco países árabes —  Egito, Jordânia, Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos —, além de Cisjordânia, Turquia, Grécia e Israel. Blinken e a chanceler francesa, Catherine Colonna, acordaram trabalhar para prevenir o tensionamento no Líbano e no Irã. 

Membros das Forças de Mobilização Populares do Iraque carregam foto de colega morto em ataque dos EUA, em Bagdá
Membros das Forças de Mobilização Populares do Iraque carregam foto de colega morto em ataque dos EUA, em Bagdá (foto: Ahmad Al-Rubaye/AFP)

Professor aposentado de história da Universidade Libanesa Americana, Habib Malik advertiu à reportagem que nem o Hezbollah, nem o Irã, nem o Hashd Al-Shaabi (no Iraque) são imunes às violações de inteligência. "O atentado de hoje (ontem) no Iraque foi, obviamente, uma retaliação americana pelos repetidos ataques de aliados do Irã contra bases norte-americanas no país. A menos que as coisas saiam do controle, de forma decisiva, tais operações militares não empurrarão o Irã a uma guerra total. Isso porque os iranianos são muito fracos para tal eventualidade", avaliou. 

Sobre a execução de Al-Aruri, Malik considera que a dinâmica da fronteira entre Líbano e Israel será moldada pelo Irã. "Parece cada vez mais claro que o Irã, que dá a palavra final sobre ataques do Hezbollah, permanece relutante em escalar a situação na fronteira até uma guerra mais ampla. Em vez disso, o Irã prefere chegar a algum tipo de acordo abrangente com os EUA", comentou. 

Para o estudioso libanês, o temor é de que o domínio de facto de Teerã sobre o Hezbollah se torne em domínio "de jure" ("pela lei" ou "pelo direito") após um eventual pacto. "Isso representaria um enorme erro por parte dos EUA e de Israel, uma vez que o Irã retornará, mais tarde, como uma ameaça muito maior e, provavelmente, com armas nucleares", disse. Malik defendeu que os ataques de 7 de outubro sejam um ponto de mutação no que diz respeito ao tratamento dispensado ao Irã. "Deveria ser dada zero concessão ao Irã e à sua pirataria regional no Líbano."

Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York, explicou ao Correio que o assassinato de Al-Aruri, acusado pelo governo de Benjamin Netanyahu de planejar os atentados de 7 de outubro, não foge do "comum" em relação ao modus operandi de Israel. "De fato, Netanyahu deixou claro que não parará de caçar todo o líder do Hamas que puder encontrar. Israel não está preocupado com repercussões que possam surgir de assassinatos seletivos. Em relação ao ataque terrorista perto do túmulo de Soleimani, o objetivo foi semear problemas internos para o regime dos aiatolás. O Estado Islâmico é veemente opositor ao reinado brutal de Ali Khamenei. O atentado não é consistente com as operações antiterrorismo israelenses", afirmou. 

Ben-Meir lembra que o regime no Irã é extremamente impopular e, provavelmente, tem mais inimigos internos do que no exterior. "A dupla explosão em Kerman pode — ou não — instigar um conflito violento e entre xiitas e sunitas no Irã. Independentemente de como for, ela contribui para a instabilidade dentro do Irã, e prevejo que isso se intensificará em 2024", disse o professor. De acordo com ele, Teerã tem sido notório por ativar o chamado "eixo da resistência", que inclui o Hezbollah, os separatistas iemenitas huthis e os grupos extremistas Hamas e Jihad Islâmica, para fazer seu "trabalho sujo" de desestabilizar o Oriente Médio e vingar-se dos inimigos. "Acho que o Irã tem evitado e continuará a evitar um envolvimento direto em uma guerra com a qual perderia muito."

Huthis

Também nesta quinta-feira, os rebeldes huthis — separatistas xiitas do Iêmen — lançaram um drone carregado de explosivos detonado sobre águas marítimas internacionais, em um ação considerada bastante rara. Segundo a agência de notícias France-Presse, os huthis dispararam contra embarcações supostamente ligadas a Israel que navegavam pelo Mar Vermelho. Os rebeldes controlam a capital iemenita, Sana, e a maior parte do litoral. "Um drone naval de superfície de ataque unidirecional explodiu em vias marítimas internacionais. Felizmente, não houve baixas e não atingiu nenhuma embarcação", afirmou o vice-almirante Brad Cooper, comandante das forças navais americanas no Oriente Médio.

 

Hezbollah

Militante do Hezbollah fotografa delegação de jornalistas brasileiros a partir do lado libanês da fronteira
Militante do Hezbollah fotografa jornalistas do Brasil a partir do Líbano, na fronteira com Israel (foto: Rodrigo Craveiro/Especial/D.A Press )

Movimento xiita libanês liderado pelo xeque Hassan Nasrallah e de forte influência na política libanesa. O grupo concentra, a partir do Líbano e Alta Galileia (norte de Israel), cerca de 200 mil mísseis e foguetes Katyusha prontos para serem usados contra o território israelense. Muitos desses artefatos são mantidos dentro de casas de civis e mesquitas. Em 2006, Israel e Hezbollah travaram uma guerra sangrenta, que matou pelo menos 121 soldados israelenses e 250 militantes do grupo xiita. Do outro lado do muro que separa os dois países, é comum ver "soldados" do Hezbollah à espreita, monitorando a movimentação com binóculos. O Hezbollah também construiu túneis na área para sequestrar soldados de Israel e realizar ataques rápidos.

Irã

Aiatolá Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã
Aiatolá Ali Khamenei, Líder Supremo do Irã (foto: khamenei.ir)

Considerado pelo Ocidente como o principal patrocinador do Hezbollah e de outros grupos xiitas no Oriente Médio, também é suspeito de desenvolver um programa de enriquecimento de urânio com a finalidade de produzir armas nucleares. Arquiinimigo declarado de Israel e dos Estados Unidos, simpatiza-se com a causa palestina e estaria entre os atores externos envolvidos no contrabando de foguetes para o grupo extremista Hamas, na Faixa de Gaza, por meio de uma complexa rede de túneis. Com forte influência regional, a política externa iraniana e praticamente todos os assuntos internos têm que passar pelo crivo do aiatolá Ali Khamenei, o Líder Supremo do Irã desde 1989.

Hamas

O grupo extremista palestino Hamas surgiu, na década de 1980, como ramificação de um ramo da Irmandade Muçulmana. Em 2006, assumiu o controle da Faixa de Gaza, depois de derrotar o Fatah, partido do histórico líder palestino Yasser Arafat, morto dois anos antes. O "Movimento de Resistência Islâmica" foi fundado pelo xeque Ahmed Yassin e, em 1988, publicou estatuto no qual prega a destruição do Estado de Israel e o estabelecimento de uma sociedade baseada no islã na Palestina. Ao longo de quase quatro décadas, envolveu-se em ataques suicidas e em disparos de foguetes contra Israel. Em 7 de outubro passado, cerca de 2 mil integrantes invadiram 20 kibbutzim no sul de Israel, mataram 1.200 pessoas e sequestraram centenas.

Israel traça futuro pós-guerra

O ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, apresentou um plano sobre o futuro de Gaza para o seu gabinete de guerra. Segundo o jornal The Jerusalem Post, o projeto inclui a integração da liderança civil palestina a um governo local mais substancial. "O Hamas não governará Gaza. E Israel não manterá uma governança civil sobre Gaza", declarou a jornalistas. A ideia será entregar o poder sobre o enclave para clãs de Gaza que não sejam leais ao movimento fundamentalista palestino. Ontem, as Forças de Defesa de Israel (IDF) informaram que três cidadãos desaparecidos desde os atentados de 7 de outubroforam sequestrados pelo Hamas.

Fonte: correiobraziliense

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