22 de Novembro de 2024

'Pede desculpas': a onda de vídeos humilhantes a críticos da guerra na Rússia


No fim de 2023, algumas das principais celebridades da Rússia publicaram uma série de vídeos pedindo desculpas por terem aparecido quase nuas em uma festa privada.

No atual clima de guerra na Ucrânia, essas pessoas foram condenadas por serem anti-patrióticas e os vídeos delas estavam cheios de remorso.

Essas imagens fazem parte de uma série de vídeos com pedidos de desculpas que se espalhava rapidamente e que se tornaram cada vez mais relevantes desde a invasão em grande escala, há quase dois anos.

Muitos desses vídeos são divulgados pela polícia e mostram pessoas que sofreram muito mais pressão do que famosos da cena pop russa.

Alguns dos pedidos de desculpas forçados foram feitos após supostas ofensas à ideologia oficial do Kremlin e não por qualquer outra coisa.

O objetivo desses vídeos é duplo, segundo o advogado de direitos humanos russo Dmitry Zakhvatov.

Humilhar os críticos da guerra com a Ucrânia e "intimidar aqueles que não apoiam a guerra, mas que até agora não tiveram coragem de dizer isso em público", disse ele ao site Kavkaz Realii.

Essa trend inicialmente ganhou destaque em 2015, quando vídeos de desculpas começaram a surgir nas redes sociais ou na TV estatal local na república russa da Chechênia, no norte do Cáucaso.

A maioria dos vídeos mostrava pessoas pedindo desculpas por criticar o líder da Chechênia, Ramzan Kadyrov.

Um deles mostrava um homem se desculpando por ser gay. Outro, um homem sem calças que criticava o líder checheno por cantar uma canção chamada O presidente Putin é meu melhor amigo.

Os vídeos rapidamente se espalharam por outras partes do norte do Cáucaso e alguns foram publicados pela polícia.

Num artigo do Ministério do Interior da República de Carachai-Circássia, um homem pediu desculpas por ter praticado snowboard numa encosta de montanha, usando apenas uma sunga, semelhante à usada pelo personagem Borat.

Mais recentemente, desde a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022, vários vídeos surgiram apresentando críticos do que o Kremlin chama de "operação militar especial".

Alguns foram publicados em contas oficiais da polícia nas redes sociais. Muitos outros foram publicados por ativistas pró-guerra ou pelos meios de comunicação estatais, mas também parecem ter tido algum envolvimento policial.

Eles foram filmados em salas vazias típicas de delegacias e usam linguagem característica de relatórios policiais.

Em junho de 2023, um cantor chamado Sharlot queimou seu passaporte, dizendo que não queria ser cidadão de "uma Rússia criminosa" e que queria mudar-se para Kiev num gesto de apoio ao povo ucraniano.

Ele foi preso e logo apareceu em um vídeo no qual pedia desculpas por "uma falha na compreensão do que está acontecendo".

Em outro exemplo, o Ministério do Interior da Chuváchia, uma região a cerca de 600 km a leste de Moscou, publicou um vídeo de um homem pedindo desculpas por ter manchado pichações pró-guerra. Ele pintou uma bandeira vermelha e a transformou na bandeira da oposição russa.

Outros vídeos publicados pela polícia russa mostram homens arrependidos de ofensas como tentar derrubar um monumento com a forma da letra Z, que passou a ser símbolo pró-Rússia na guerra da Ucrânia, e atear fogo à porta de um blogueiro pró-guerra.

Houve acusações de que tais vídeos de desculpas são frequentemente gravados sob coação.

Por exemplo, um blogueiro conhecido como Nekoglay disse que a polícia em Moscou o forçou a aparecer diante das câmeras depois de deixá-lo nu, espancá-lo e tentar estuprá-lo com uma garrafa de plástico.

O vídeo de desculpas, divulgado pela agência de notícias oficial Ria Novosti, foi publicado depois que ele gravou um vídeo parodiando um soldado russo se defendendo de um ataque de drone ucraniano.

Vídeos de desculpas também estão sendo usados ??para envergonhar os críticos da guerra nas partes da Ucrânia ocupadas pela Rússia.

Dois terços dos vídeos de desculpas monitorados pelo site russo de direitos humanos OVD-Info durante um período de quase 16 meses após o início da invasão vieram, na verdade, da região ocupada da Crimeia.

A antropóloga social russa Aleksandra Arkhipova descreve os vídeos como "rituais de culpa e vergonha" que equivalem a uma punição extrajudicial.

"Isso viola a liberdade interna. Isso se tornou a regra. É muito ruim. Se alguém faz algo errado, a primeira coisa que deve fazer é gravar um vídeo de desculpas", disse ela à BBC.

Uma mulher na Crimeia foi filmada pedindo desculpas por compartilhar músicas ucranianas em suas contas nas redes sociais e outra por postar fotos de vários objetos nas cores azul e amarelo, as mesmas da bandeira ucraniana.

Uma atriz de teatro de marionetes da ocupada Donetsk foi gravada pedindo desculpas por compartilhar músicas ucranianas no TikTok. Ela disse mais tarde que foi pressionada pela polícia a fazer isso.

"Ou você grava este vídeo ou... você vai para a cadeia e seu filho vai para um orfanato", disse ela, citando o que teria dito um policial.

Arkhipova afirma que os vídeos são produto de um presidente que trata os russos como um pai autoritário.

"Todos os outros são como crianças, que não têm autoridade legal própria. O pai está sempre certo. Portanto, se fizerem algo errado, terão que pedir desculpas ao pai."

Ela também foi pressionada por autoridades russas, que a designaram como "agente estrangeira".

Fonte: correiobraziliense

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