19 de Setembro de 2024

Corte de Haia exige que Israel evite genocídio na Faixa de Gaza


Quinze dos 17 juízes que compõem a Corte Internacional de Justiça (CIJ) — a máxima instância judicial da Organização das Nações Unidas (ONU), em Haia — acataram o recurso de emergência apresentado pela África do Sul e exigiram que Israel tome todas as medidas ao seu alcance para impedir atos de genocídio na Faixa de Gaza, além de prevenir e punir a incitação a esse tipo de crime. O tribunal se baseou na Convenção para a Prevenção de Genocídios, assinada em 1948, depois do Holocausto. Apenas as magistradas Julia Sebutinde (Uganda) e Xue Hanqin (China) destoaram dos colegas e recusaram as disposições.

A CIJ também ordenou que Israel tome medidas imediatas e eficazes para permitir o fornecimento de serviços básicos e de ajuda humanitária, "urgentemente necessários para abordar as condições de vida adversas dos palestinos na Faixa de Gaza". A decisão do CIJ não reivindica, explicitamente, um cessar-fogo. Também evitou se pronunciar sobre a questão subjacente de enquadrar, ou não, as operações militares israelenses no enclave palestino no conceito jurídico de genocídio. 

Enquanto os palestinos celebravam um "momento histórico", o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, classificava a acusação sul-africana como "falsa e escandalosa". "Pessoas decentes de todos os lugares deveriam rejeitá-la. Estamos travando uma guerra injusta. Lutamos contra os monstros do Hamas, que assassinaram, estupraram e sequestraram nossos cidadãos. Continuaremos fazendo de tudo para proteger a nós mesmos e aos nossos cidadãos, respeitando, ao mesmo tempo, o direito internacional", declarou o chefe de governo. Ele acusou a Corte de Haia de privar o Estado judeu do direito básico à autodefesa. Israel Katz, ministro das Relações Exteriores de Netanyahu, sublinhou que o compromisso do país com o direito internacional é "inabalável". "Louvo nossa excelente equipe jurídica por seus excelentes esforços. Vocês representaram Israel e o povo judeu com honra. Vocês nos deixaram orgulhosos", disse.

Joan Donoghue, presidente da CIJ, fala antes do anúncio do veredicto: pressão sobre Netanyahu para acelerar ajuda humanitária
Joan Donoghue, presidente da CIJ, fala antes do anúncio do veredicto: pressão sobre Netanyahu para acelerar ajuda humanitária (foto: Remko de Waal/ANP/AFP)
 

Os Estados Unidos, aliados de Israel, desqualificaram as alegações. "Seguimos acreditando que as acusações de genocídio são infundadas e tomamos nota de que o tribunal não se pronunciou sobre o genocídio nem pediu um cessar-fogo em sua decisão", reagiu o Departamento de Estado americano.

Em nota, o movimento extremista palestino Hamas saudou a decisão e disse acreditar que a CIJ comprovou a acusação de genocídio contra Israel. "A decisão abre caminho para líderes inimigos serem responsabilizados por crimes ante um tribunal internacional, ao enfatizar os direitos do povo palestino de decidirem o seu destindo, estabelecerem um Estado independente e retornarem para sua terra e sua casa", afirma o texto. 

"Medidas marginais"

Na opinião do israelense Barak Medina, professor de direito na Universidade Hebraica de Jerusalém, as implicações práticas das medidas da Corte de Haia são "marginais". Ele destacou que o tribunal exige que Israel se certifique de que não comete o crime de genocídio. "É uma decisão praticamente sem sentido, uma vez que Israel não comete esse crime, independentemente da resolução da Corte", afirmou, por e-mail, ao Correio. O estudioso denunciou que o raciocínio dos 15 juízes foi tendencioso.

Medina explicou que, ao determinar que não pode excluir a possibilidade de genocídio, a CIJ baseia-se exclusivamente no "terrível efeito" da guerra sobre a população civil de Gaza e em algumas declarações de líderes de Israel. "Ela ignora por completo as evidências relativas às táticas de guerra do Hamas, que usa a população civil como escudos humanos, e das Forças de Defesa de Israel, que evita alvejar civis intencionalmente, além de materiais adicionais que rejeitam a alegação sobre a intenção de destruir o povo palestino." A CIJ, que dispõe sobre disputas entre nações, emite decisões vinculativas e inapeláveis, mas carece de meios que garantam sua aplicação. 

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas, disse ao Correio que, pela primeira vez na história, "depois de 75 anos de completa impunidade ante o direito internacional, Israel está despojado da impunidade e precisa enfrentar a Corte Internacional de Justiça". "Por meio de suas decisões, a CIJ deixou claro que há uma possibilidade de haver um caso de crime de guerra e de genocídio contra Israel. Isso é muito importante, pois mudará toda a atmosfera. É claro que teria sido melhor se a Corte chegasse ao ponto de ordenar a imediata interrupção da guerra. Na realidade, todas as exigências feitas a Israel não podem ocorrer sem um cessar-fogo permanente", disse.

Para Barghouti, a decisão de Haia coloca Israel, mas também os Estados Unidos e outros países aliados, como a Alemanha, em uma decisão "muito difícil". "Se eles não apressarem a implementação do cessar-fogo imediato e não pararem com as atrocidades contra o povo palestino, serão cúmplices."

"Dia histórico"

Embaixador da Palestina no Brasil, Ibrahim Alzeben também comemorou. "Este é um dia histórico, em que a voz da lei, a qual Israel se recusa a respeitar e a implementar, triunfou", afirmou à reportagem. O diplomata advertiu que todos aqueles que tentam apoiar o "comportamento agressivo" e a "ocupação ilegal" estarão do outro lado do consenso globlal, nos âmbitos político, diplomático e militar. "Solicitar que sejam tomadas medidas práticas para impedir o fim do genocídio é um reconhecimento implícito do genocídio."

Por meio do WhatsApp, Daniel Zonshine, embaixador de Israel no Brasil, sublinhou que o tribunal da ONU "deixou claro que sua decisão não determina se as reivindicações da África do Sul têm algum mérito". "Israel tem o direito de se defender contra o ataque terrorista que está em curso. Nossa guerra é contra o Hamas, não contra os civis palestinos", disse ao Correio

Qais Shqair, embaixador e chefe da Missão da Liga Árabe no Brasil, admitiu ao Correio que 26 de janeiro de 2024 "será lembrado não apenas pela Justiça, mas pela comunidade internacional, pela humanidade e pelo Estado de direito". Segundo ele, a decisão da CIJ deveria marcar um "genuíno ponto de partida para a ONU praticar suas obrigações na busca da paz e da estabilidade mundiais, por meio da adesão de todos os países a essa convenção". "Ninguém está acima da lei. O caminho correto que conduz à segurança, à estabilidade e à paz deve estar restrito à lei e ao mandato da legimitidade da ONU."

Shqair avaliou como "positivas" as reações da comunidade internacional quanto à decisão da CIJ, mas pontuou que o primeiro-ministro rejeitou a decisão. "Ele repete estereótipos de autodefesa sobre suas mentiras fabricadas de uma guerra contra aqueles que decapitaram bebês, estupraram mulheres e queimaram crianças. Se tais acusações feitas por autoridades israelenses de alto escalão ainda são válidas, por que elas não forneceram à CIJ um único documento que provasse suas alegações, a fim de ganhar o caso, e ganhar a simpatia e a compreensão de todos?", questionou.

Presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib), Claudio Lottenberg avaliou que a acusação de genocídio foi proposta dentro de uma estratégia política. "Na prática, a decisão da CIJ reforçará as responsabilidades de ambos os lados. Haverá pressão maior pela soltura dos reféns e a oportunidade de uma reflexão maior por parte dos países que aderiram ao processo de condenação", observou ao Correio.

 

ALON BEN-MEIR, PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA UNIVERSIDADE DE NOVA YORK

2020. Crédito: Arquivo Pessoal. Mundo. Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York.
Alon Ben-Meir, professor de relações internacionais da Universidade de Nova York. (foto: ArquivoPessoal)

Qual é a importância dessa decisão?

A decisão da Corte Internacional de Justiça é importante por dois motivos. Em primeiro lugar, a Corte ordenou a Israel que permita mais ajuda humanitária em Gaza, o que é extremamente importante e urgente. Em segundo, ordenou que Israel previna quaisquer atos que possam ser vistos como genocídio. O que é importante notar, no entanto, é que a Corte não apelou à Israel para que suspenda a operação militar em Gaza, amplamente por saber que seria totalmente impossível paralisar os combates sem qualquer caminho para o pós-guerra e também por saber que Israel não cumpriria com esse veredicto. Ainda que Israel tenha criticado a decisão da Corte, acredito que a sua crítica não se justifica, especialmente porque é necessário que a ajuda humanitária, que inclui alimentos, medicamentos, água e gás, entre no enclave.

Como vê o fato de a Corte Internacional de Justiça não ter exigido a suspensão da guerra?

O fato de o tribunal não ter exigido que Israel suspendesse imediatamente todas as hostilidades não é necessariamente frustrante. Na minha perspectiva, se há alguma dimensão prática na decisão, é que existe a possibilidade de que o fim abrupto da guerra, sem qualquer acordo entre os dois lados, possa precipitar, com o tempo, um conflito ainda maior e mais mortífero. (RC)

 

Daniel Zohar Zonshine, embaixador de Israel no Brasil.
Daniel Zohar Zonshine, embaixador de Israel no Brasil. (foto: Arquivo pessoal)

"Nós estamos comprometidos em agir de acordo com os direitos dos civis palestinos e as obrigações, sob o direito internacional, incluindo a lei humanitária. As acusações da África do Sul sobre genocídio são infundadas."

Daniel Zohar Zonshine, embaixador de Israel no Brasil

 

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil
Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil (foto: Evaristo Sá/AFP)

"O cessar-fogo é um dossiê urgente a ser abordado pelo Conselho de Segurança da ONU, que tem jurisdição, após a decisão da CIJ. Ninguém está acima da lei. Esta é a lição. A humanidade é mais forte do que a injustiça e a força bruta."

Ibrahim Alzeben, embaixador da Palestina no Brasil

Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein
Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) e do Conselho Deliberativo da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein (foto: Eliana Assumpção)

"Embora preliminar, a decisão legitima o direito à autodefesa do Estado de Israel, desclassifica o entendimento do genocídio e recomenda que Israel continue fazendo aquilo que vem fazendo, tomando os devidos cuidados com civis. Até o momento, vejo um desfecho positivo para Israel."

Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib) 

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas
Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas (foto: Jaafar Ashtiyeh/AFP)

"A resolução da Corte Internacional de Justiça escancara a porta para a possibilidade de reforçar um enorme boicote e sanções de desinvestimento contra crimes israelenses. Isso abre a possibilidade para um movimento muito mais amplo, mais sério e mais eficaz nesse sentido."

Mustafa Barghouti, secretário-geral da Iniciativa Nacional Palestina e potencial sucessor do presidente Mahmud Abbas

Fonte: correiobraziliense

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