Em 1995, a princesa Diana de Gales deu "a entrevista do século" à BBC. Foi a primeira vez que uma pessoa da realeza britânica falou abertamente sobre a intimidade da família real.
Mas foi também um episódio pelo qual a BBC teve de pedir desculpas em 2021, na sequência de uma investigação que concluiu que o jornalista que a entrevistou, Martin Bashir, agiu de forma "enganosa" para chegar a Diana.
A BBC publicou recentemente cerca de 3.000 e-mails vinculados à entrevista, na sequência de um pedido de liberdade de informação — um direito por meio do qual pode ser solicitada uma documentação registrada e mantida pelas autoridades públicas.
Os e-mails mostram que Bashir culpou um suposto ciúme profissional pela polêmica em torno da entrevista.
Além disso, o jornalista pensava que a sua classe e origem influenciaram o escândalo.
Esses comentários foram escritos em 2020, antes da exibição de vários documentários sobre a entrevista.
A investigação da BBC em 2021 chegou à conclusão de que Bashir obteve a entrevista por meio de uma fraude e uso de documentos falsos.
A Justiça ordenou a publicação dos últimos e-mails depois que o jornalista investigativo Andy Webb pediu os documentos.
Webb alega que os gestores da BBC tentaram, em 2020, encobrir as ações de Bashir em 1995.
A BBC respondeu que qualquer insinuação de que agiu de má-fé era "simplesmente errada".
Num e-mail datado de 20 de julho de 2020, Bashir disse ao seu superior da BBC, Robert Seatter, que documentos falsos não tiveram qualquer relação com a obtenção da entrevista e teriam causado menos controvérsia se um jornalista "dinástico" como um dos Dimblebys estivesse envolvido.
Os Dimblebys são uma família britânica e vários dos seus membros foram jornalistas de meios de comunicação renomados, como a própria BBC ou o jornal The Sunday Telegraph.
Bashir escreveu o seguinte:
Lamento saber que esta história chamada 'falsificação' ressurgiu. Ela não teve nenhum papel na entrevista, mas permitiu que o ciúme profissional, especialmente dentro da empresa (referindo-se à BBC), o atribuísse a supostas irregularidades.
Naquele momento, era também evidente que havia alguma irritação pelo fato de um imigrante de segunda geração, de raízes não-brancas da classe trabalhadora, ter a ousadia de entrar num palácio real e fazer uma entrevista.
Teria sido muito mais fácil se uma das famílias dinásticas (Dimbleby e companhia) tivesse feito isso!
Bashir também disse a Seatter a equipe do então príncipe de Gales – hoje rei Charles 3º – agradeceu a ele por não dar entrevistas sobre o programa Panorama, da BBC, no qual a conversa foi transmitida.
A respeito disso, Bashir escreveu:
Desde que voltei ao Reino Unido em 2015 e à BBC em 2016, funcionários seniores do gabinete do Príncipe de Gales expressaram (para minha surpresa) a sua gratidão por recusar todos os pedidos para debater sobre a entrevista.
Como tenho certeza de que você entende, as palavras da falecida princesa foram utilizadas para atacar membros vivos da família real, especialmente o príncipe de Gales, algo que nunca quis fazer.
Bashir pediu demissão do cargo de editor de religião da BBC pouco antes da publicação do relatório condenatório do inquérito, que também criticou a BBC pela forma como lidou com as acusações sobre as suas táticas.
Webb diz que os e-mails da BBC mostram que a empresa estava retendo evidências internas importantes sobre a investigação da entrevista.
Num dos e-mails, datado de 19 de outubro de 2019, um advogado disse ao antigo editor do Panorama que a BBC "não estava divulgando todos os documentos internos sobre a investigação neste momento".
Depois que os e-mails foram publicados, Webb disse: "A BBC admite claramente que os documentos estavam sendo retidos. Na minha opinião, isso é um acobertamento."
"E é óbvio, mesmo à primeira vista, que este material é altamente relevante, embora a BBC tenha garantido ao juiz que era completamente irrelevante."
Webb disse que os e-mails são tão claros que seria preciso haver outra contestação judicial.
"Ao longo desse processo, levamos muito a sério a nossa responsabilidade de cumprir as instruções do Tribunal”, afirmou a BBC.
"Suprimimos trechos, sempre que necessário, de acordo com a Lei de Liberdade de Informação. Não há nada que justifique acusações de que a BBC agiu de má-fé em 2020 e sustentamos que esta inferência é simplesmente incorreta", acrescentou a empresa.
"Como já foi dito muitas vezes, longe de tentar ocultar ou encobrir os assuntos, a BBC encarregou o lorde Dyson de realizar uma investigação independente e forneceu toda a documentação relevante em sua posse", continuou a BBC.
"Outras pessoas envolvidas nesses acontecimentos também forneceram ao lorde Dyson materiais escritos, que detalham no relatório. Isso foi publicado em 2021 e as conclusões foram aceitas na íntegra pela BBC."
Em 2021, Webb pediu e-mails internos da BBC sobre Bashir trocados durante um período de dois meses em 2020.
A BBC apresentou várias mensagens, mas mais tarde foi revelado que havia um total de 3.288 e-mails.
A empresa disse que eles continham informações "irrelevantes" ou "legalmente privilegiadas".
No entanto, em dezembro, o juiz Brian Kennedy ordenou à BBC que publicasse os e-mails, dizendo que a empresa tinha sido "inconsistente, errônea e pouco fiel" na forma como respondeu ao pedido inicial.
Kennedy acrescentou que a resposta da BBC "causou graves preocupações".
Num comunicado, a BBC aceitou então os seus erros, acrescentando que também pediu desculpas a Webb e ao tribunal.
De acordo com um pedido separado de liberdade de informação, a BBC gastou £126.525 (R$ 794 mil), sem incluir impostos sobre valor agregado, em custos externos para contestar a publicação dos e-mails.
Webb disse acreditar que sua publicação era de interesse público e mostraria evidências de que líderes seniores da BBC tentaram "elaborar uma estratégia para encobrir completamente o que podemos chamar de escândalo Bashir".
Era "absurdo" que a BBC tivesse gasto tanto tempo e dinheiro tentando impedir a sua publicação, disse ele.
"E as pessoas que aprovaram os pagamentos dos advogados precisam responder sobre isso."
O irmão da princesa Diana, o conde Charles Spencer, que apoiou a investigação de Webb, disse que a integridade das pessoas dentro da emissora estava em jogo.
"As pessoas da BBC responsáveis ??por isso esconderam-se atrás de advogados caros, num momento em que a BBC, esta grande instituição nacional e internacional, está fazendo cortes. Isso é obsceno", disse ele à BBC Radio 4 em dezembro de 2023.
Spencer também disse que entrou em contato com a administração da BBC em 2020 e foi informado de que não poderia falar com Bashir porque ele estava muito doente.
"Minha suspeita é que eles estavam criando uma história para não tê-lo disponível durante um período de interesse sobre a entrevista de Diana", disse Spencer.
A saída de Bashir da BBC ocorreu depois de questionamentos sobre como ele conseguiu a entrevista com Diana, que foi vista por mais de 20 milhões de pessoas e foi considerada um grande furo da BBC na época.
O documentário de Webb examinando os métodos de Bashir foi transmitido em outubro de 2020. No dia seguinte, descobriu-se que Bashir estava doente, com complicações da covid-19.
Um mês depois, o ex-juiz John Dyson foi nomeado para liderar uma investigação independente sobre a entrevista e como ela foi obtida.
A investigação foi publicada em maio de 2021 e descobriu que Bashir usou uma fraude para garantir a entrevista e depois mentiu para os gestores da BBC.
Dyson descobriu que Bashir enganou o irmão de Diana ao mostrar extratos bancários falsificados para ele, insinuando que a princesa estava sendo vigiada por pessoas contratadas.
A investigação aponta que Bashir mentiu quando disse aos funcionários da BBC que não havia mostrado os documentos falsos a ninguém.
O relatório diz que Bashir "mentiu e manteve a mentira até perceber que já não era sustentável. Esse foi um comportamento altamente repreensível que lança dúvidas consideráveis ??sobre a sua credibilidade em geral".
Bashir já havia se desculpado por falsificar os documentos, mas disse que continuava "imensamente orgulhoso" da entrevista.
"Os extratos bancários não tiveram qualquer influência na decisão pessoal da princesa Diana de participar da entrevista", alegou.
O serviço de notícias da BBC tem independência editorial ao fazer reportagens sobre a BBC como uma empresa.
Fonte: correiobraziliense
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