22 de Novembro de 2024

Griselda: o que é fato ou ficção na série da Netflix sobre a 'madrinha da cocaína'


Uma semana depois de estrear, Griselda é a série mais vista na Netflix Estados Unidos e "Griselda Blanco", a personagem principal, é um dos nomes mais procurados no Google.

A série de seis capítulos estrelada por Sofia Vergara, uma das atrizes latinas mais famosas de Hollywood, conta parte da história da traficante colombiana que chegou a comandar o império da droga em Miami durante os anos 80.

Mas como aconteceu com outras produções audiovisuais que retratam as guerras do narcotráfico colombiano, Griselda é uma "dramatização fictícia baseada em fatos reais", e não é tão fácil identificar o que é fato e o que é ficção à medida que a trama se desenvolve.

A série mostra uma mãe de quatro filhos que construiu seu próprio exército, enfrentou os chefes de Medellín, contratou prostitutas para serem servirem de mulas e ordenou assassinatos de homens, mulheres e até de crianças para defender seu território.

Mas quanto da imagem de mulher implacável que assassinou seus maridos e temida por Pablo Escobar é real?

Para responder a pergunta, conversamos com o jornalista colombiano José Guarnizo, que há 12 anos investiga a história de Griselda Blanco e está prestes a publicar um segundo livro sobre ela pela editora Planeta.

Guarnizo compartilhou com a BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC, o manuscrito do livro de 150 páginas, que leva o mesmo nome da série da Netflix e que permite analisar até que ponto a ficção de Griselda se parece com a realidade de Blanco.

Aviso: Este texto contém spoilers da série "Griselda" da Netflix.

Na série, Griselda tem dois maridos, mas na realidade teve três. Todos estão mortos.

O primeiro foi José Darío Trujillo, conhecido como Pestañas. Eles se casaram quando ela tinha 14 anos e tiveram três filhos.

Foi com ele que Griselda começou no negócio da droga e, de acordo com alguns depoimentos, este foi o casamento mais importante para ela.

Sobre a morte de Trujillo, no entanto, existem diferentes versões.

"Em vários livros dizem que ela mandou matá-lo, mas isso não é verdade. Pude confirmar que ele morreu em Nova York, que tinha cirrose e que tiveram que repatriar o corpo", explica Guarnizo.

O segundo marido foi Alberto Bravo, que aparece brevemente na série com seu verdadeiro nome.

Com ele, Griselda montou uma casa de câmbio em Medellín, consolidou o envio de drogas para Nova York e juntos conseguiram sair do Barrio Antioquia, a área popular e marginal em que Griselda cresceu, para um bairro de classe média alta.

Bravo foi padrasto de seus três primeiros filhos, que começaram a estudar em uma escola particular e a ter maiores confortos nos anos 70.

Na ficção, a própria Griselda mata Bravo por forçá-la a ter relações sexuais com o irmão dele para saldar uma dívida, mas na realidade não há indícios de que isso realmente tenha acontecido.

“Há muitos testemunhos e documentos que indicam que Alberto Bravo foi morto em Bogotá e por uma ala do cartel de Medellín em que estavam vários dos traficantes que aparecem na série”, diz Guarnizo.

Tempo depois e já radicada em Miami, Griselda conhece seu terceiro marido, Darío Sepúlveda, um personagem central na série.

Foi com ele que ela teve seu quarto filho, Michael Corleone Sepúlveda Bravo, batizado em homenagem ao personagem fictício do romance "O Poderoso Chefão", escrito por Mario Puzo e levado ao cinema por Francis Ford Coppola.

Ao que tudo indica, Sepúlveda morreu assassinado por um questões pessoais, como recria a ficção.

"Há vários indícios de que Griselda teve a ver com o assassinato de Sepúlveda porque ele levou o filho deles para a Colômbia. Inclusive ela, em uma entrevista a um produtor norte-americano, que eu transcrevo no livro, aceita que ele levou o menino".

No fim, é provável que Griselda tenha matado um de seus três maridos, mas não todos como se acreditava graças em consequência de uma construção mítica do personagem, que lhe rendeu o apelido de viúva negra.

Os filhos de Griselda são personagens secundários na série e aparecem com seus nomes reais.

Uber, Dixon e Oswaldo (Ozzie na série) são os filhos que ela teve com o primeiro marido, e o mais novo, Michael Corleone, com o último.

Um dos momentos mais dramáticos da série é quando ela foge com seus quatro filhos para a Califórnia, depois que a guerra com o cartel de Medellín a forçou a sair de Miami. O que de fato aconteceu.

O que não aconteceu foi ela se entregar às autoridades como estratégia para fugir de seus inimigos.

"Eu entrevistei Palomo, o agente da DEA que estava por trás da captura de Griselda. Ele confirmou que encontrou a cidade em que ela se escondia na Califórnia e que para isso seguiu as pistas dos carros de luxo, porque sabia que os filhos eram aficcionados", lembra o jornalista.

E a prisão parece ter sido mais cinematográfica na vida real do que na série."O agente da DEA tinha prometido dar um beijo nela se conseguisse capturá-la e foi o que fez quando a encontrou lendo a bíblia".

Na ficção, a prisão é liderada pelo personagem de June Hawkins, uma detetive da polícia de Miami que sofre discriminação por parte de seus colegas homens.

Hawkins é um personagem real que ajudou a prender Griselda. Em um episódio de 2017 do podcast Law Enforcement Talk, a própria Hawkins falou sobre a carreira em um universo masculino e sobre a perseguição da madrinha da cocaína.

Sabe-se, também, que Hawkins encontrou-se com a atriz que a interpreta na série.

Mas e o que aconteceu com os filhos de Griselda quando ela foi presa?

Na ficção, os três mais velhos morrem antes dela, mas na realidade há indícios de que Dixon tenha sobrevivido.

"Uber é assassinado em Medellín em um negócio de drogas e Oswaldo tem sua morte encomendada por Pablo Escobar, da prisão La catedral. O do meio, Dixon, sobreviveu e até viveu com Griselda quando ela voltou para a Colômbia, mas era viciado em várias drogas e tinha uma vida muito dependente,” conta Guarnizo.

E, por fim, Michael Corleone é o filho mais conhecido de Griselda. Sabe-se que hoje tem 43 anos e que recentemente processou a Netflix e Sofia Vergara, que também é produtora executiva da série, por contar a história de sua mãe sem oferecer compensação financeira ou participação.

"O único homem de quem já tive medo é uma mulher chamada Griselda Blanco, Pablo Escobar", com essa frase começa o primeiro capítulo da série.

Não é fácil verificar se Escobar de fato chegou a pensar ou dizer algo assim, ou se faz parte dos mitos que foram criados entorno do universo narco que continua a conquistar telas ao redor do mundo.

O que se sabe é que Griselda e Escobar se conheceram, mas, ao contrário do que foi dito sobre uma suposta amizade entre eles, eram inimigos.

"Eu entrevistei Popeye, o famoso assassino que sobreviveu a Escobar, porque ninguém tinha perguntado a ele sobre Griselda. Ele se lembrava no meio de sua sociopatia de alguns detalhes concretos, como que Pablo Escobar tinha orgulho de que seu primeiro grande inimigo no mundo da máfia tivesse sido ela", observa Guarnizo.

"Isso aconteceu quando Escobar estava tentando conseguir seu primeiro quilo de coca para vender e Griselda já estava no negócio e tinha dinheiro".

Essa tensão entre eles levou à primeira guerra em Medellín no final dos anos 70 e acabou tirando Griselda da Colômbia, que é quando ela vai tentar a sorte em Miami.

Já na nova cidade, a Griselda teve que enfrentar uma família muito influente conhecida como os irmãos Ochoa, que era parte do cartel de Medellín, liderada por Fabio Ochoa e que tinha muito poder no mundo da máfia.

"Houve uma guerra dupla entre os Ochoa e Griselda, de muita tensão, até que eles acabam virando parceiros. Além disso, ela começa a ter uma relação de amizade com Marta Ochoa Saldarriaga, como mostra a série", acrescenta.

Marta era prima dos Ochoa, emprestou mercadoria a Griselda e acabou assassinada por ela.

"O corpo de Marta, torturado e abandonado em um encanamento de Miami, marcou uma quebra na evolução de Griselda no negócio. A essa altura (fevereiro, março e abril de 1984), a Chefona não tinha mais sócios, ou porque lhes devia dinheiro, ou porque os tinha mandado matar, ou porque não confiavam nela", escreve Guarnizo em seu texto.

Quanto aos personagens de Rafael e Papo, ambos existiram na verdade e esses são seus verdadeiros nomes.

Rafael Salazar, mais conhecido como Rafico, foi um traficante famoso de Medellín.

Quanto a Papo Mejía, Guarnizo confirma que a cena em que ele é atacado por um cubano enviado por Griselda em um aeroporto de fato aconteceu.

Mejía sobreviveu e passou a colaborar com a justiça.

Na série, Griselda se posiciona em Miami graças aos seus matadores e a uma rede de mulheres prostitutas que conhecia de Medellín e que treina para viajar periodicamente com a droga escondida nas roupas.

Mas ela pertenceu ao mundo da prostituição?

"Eu acho que não. Há muitos depoimentos do Barrio Antioquia que indicam que a mãe dela foi. O Barrio Antioquia formou-se, digamos, como a zona de tolerância de Medellín por um decreto e aí começaram a se surgir todos os prostíbulos", explica o jornalista.

“Os pais de Griselda viviam lá e ela cresceu naquele ambiente de cabaré. Alguns depoimentos dizem que ela chegou a dançar lá para ganhar umas notas”.

Isso explicaria a relação de Blanco com as mulheres que exerciam a prostituição e que transportavam a droga em suas perucas, sapatos e roupas.

A estratégia funcionou porque naquela época não havia raios-x nos aeroportos. Com o tempo, porém, os traficantes tiveram que encontrar novas maneiras de contornar os controles.

Quanto aos assassinos, a série desenvolve dois personagens-chave que de fato fizeram parte da vida de Griselda: Chucho e Rivi.

A história de Chucho Castro é a mais dramática. Griselda o conheceu em Medellín quando eram jovens e não de forma casual em um café de Miami, como mostra a série, conta Guarnizo.

O que é verdade é que Griselda é responsável pela morte de Jonny, o filho de 3 anos de Chucho. Isso foi confirmado pelo próprio Chucho a Guarnizo.

"Me contou que atiraram de um carro naquele que estava Rivi. Eles o perseguem e matam a criança. O que não está na série é que Chucho coloca o cadáver de seu filho em uma banheira com gelo, passa a noite toda chorando com sua esposa e acaba entregando o menino na mesquita".

Chucho sobreviveu, quase milagrosamente, e viveu muitos anos até morrer de covid em 2019; sua esposa, Janeth, está viva.

Quanto a Jorge Rivera, Rivi, é um personagem que esteve realmente envolvido em muitos dos fatos que a série recria.

Para Guarnizo, Rivi "é o grande assassino de Griselda em Miami, até mesmo o ator da série se parece com o verdadeiro Rivi. Era mais robusto, mas o rosto é muito parecido".

O declínio de Griselda ocorre quando ela vai para a prisão.

Na ficção, eles mostram a frustração dos investigadores ao ver que só podem acusar Griselda de tráfico de drogas e não por todos os homicídios que supostamente foram de sua responsabilidade.

Eles conseguiram associá-la a três homicídios, o mais documentado sendo o menino de 3 anos, embora, na realidade, diz Guarnizo, "Griselda estava envolvida em mais ou menos 100 homicídios ocorridos em Miami no início dos anos 80, um sinal da guerra que se desencadeou. Essa era a tese da DEA e do Ministério Público".

A principal testemunha do caso contra Griselda foi Rivi que, como mostra a série, acaba envolvido em um escândalo por algumas chamadas de conteúdo sexual com uma funcionária, o que acabou afetando o plano das autoridades.

Griselda não foi condenada a prisão perpétua nem pena de morte, mas passou 19 anos presa nos Estados Unidos e não sete ou 13, como indica a série.

Cumprida a pena, Griselda voltou para Medellín, onde viveu até ser assassinada em 2012, aos 69 anos.

"Griselda foi a única traficante daquela época que ficou velha estando livre", um feito no mundo da máfia, observa Guarnizo.

Fonte: correiobraziliense

Participe do nosso grupo no whatsapp clicando nesse link

Participe do nosso canal no telegram clicando nesse link

Assine nossa newsletter
Publicidade - OTZAds
Whats

Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.