Quatro meses. De angústia, de medo e de incertezas. Cento e vinte dias sem ter notícias, sem poder abraçá-los e perguntar como estão. Para familiares de 136 israelenses sequestrados pelo movimento extremista islâmico Hamas, o tempo parou. Virou eternidade. Em entrevista ao Correio, três deles falaram sobre aquele 7 de outubro de 2023, quando 2 mil terroristas invadiram cerca de 20 kibbutzim no sul de Israel, assassinaram com requintes de crueldade 1.163 pessoas e sequestraram 250 — mais de 100 foram libertados em troca de presos palestinos. Os três também relataram como a vida mudou desde então em suas famílias e de que modo lidam com a dor.
"Se não fizerem todo o possível para trazer todos para casa, nós os receberemos mortos", desabafou a enfermeira Mary Shohat, 66 anos, irmã do brasileiro Michel Nisembaum, 59. Por duas semanas, depois do 7 de outubro, o morador de Sderot foi considerado desaparecido. "Encontraram o laptop dele na Faixa de Gaza. Não sabemos se ele está vivo ou ferido. Os dias têm sido muito compridos e difíceis. A nossa mãe tem 87 anos e está destroçada, como se fosse um pedaço de pano de chão", desabafou Mary.
Naquela manhã, a filha de Michel pediu que ele fosse buscar a neta em uma base militar, onde o marido trabalha. "O meu irmão sumiu perto do kibbutz de Mefalsim, no sul de Israel. O carro dele foi achado incendiado, mas não havia pistas. Do lado do automóvel, o telefone dele estava jogado", disse Mary, que mora em Beer Sheva. "As autoridades nos disseram que 'parece' que ele está em Gaza. Ao vistoriarem as mensagens no celular, escutaram tiroteios e viram que ele tentou avisar a polícia sobre terroristas." Segundo a irmã, Michel é diabético e tem a doença de Crohn — condição inflamatória do trato gastrointestinal que exige a aplicação diária de injeções.
O argentino Marcelo Ariel Garzon vive em Israel desde 1977, onde conheceu a mulher, a paulista Débora Finger. No kibbutz de Gvulot, a 14km de Gaza, o casal construiu sua família: três filhas e oito netas. Um dos genros, Dolev Yehoud, de 35 anos, foi sequestrado do kibbutz Nir Oz, às 6h30 de 7 de outubro passado. Dos 400 moradores, 20 foram assassinados e 79, capturados e levados para Gaza.
"Naquela manhã, ao escutarmos as sirenes antiaéreas, telefonamos imediatamente para a nossa filha, Sigal, esposa de Dolev. Fomos acordados por explosões fora do normal. Sigal, grávida de 38 semanas, e os três filhos — de 7, de 6 e 3 anos — estavam no quarto seguro da casa, sem água, sem luz e sem comida. Durante mais de nove horas, ela ficou com medo de sentir contrações. Por todo o momento, escutaram os terroristas invadirem e destruírem a casa", contou.
Parto sem o marido
Dolev, enfermeiro da Magen David Adom (ONG similar à Cruz Vermelha), prestou o primeiro auxílio aos moradores que defendiam Nir Oz. "Desde então, não temos nenhuma informação sobre ele. Sua irmã, Arbel, também foi sequestrada. Dolev é um pai exemplar, que chegava em casa e ajudava Sigal a cuidar das crianças. Ele salvou muitas pessoas do kibbutz que sofreram enfarte e acidentes", relatou. Em 16 de outubro, nasceu a quarta filha de Dolev, que não pôde assistir ao parto nem dar o primeiro beijo na criança.
De acordo com Garzon, a filha e os quatro netos se mudaram para Kiryat Gat, onde têm a companhia de Débora. "As crianças sofreram muito, não têm paciência e demonstram-se violentas", desabafou. Ele acredita que o governo de Israel faz todo o possível para recuperar os sequestrados. "Estamos tratando com desumanos, que não têm valor nenhum pela vida. Isso torna tudo muito difícil. Israel sofreu um impressionante massacre, com gente incinerada dentro de casa."
A última vez que Moshe Emilio Lavi teve notícias do cunhado Omri Miran, 46, foi em novembro. "Alguns dos reféns que foram libertados pelo Hamas nos contaram que o viram, vivo, em um dos túneis de Gaza", lembrou, por meio do WhatsApp. "Infelizmente, passara-se oito semanas. Ante os testemunhos de ex-sequestrados, que falaram de violência, abuso, tortura, violação sexual, privação de comida e de água, estamos muito preocupados", disse o israelense, que morou em Sderot e hoje vive em Nova York.
Lavi crê que Israel faz de tudo para libertar os 136 reféns. "Mas é nosso dever, como familiares e cidadãos de um país democrático, pressionar o governo para que a libertação seja o objetivo da operação militar. As negociações parecem ser o caminho viável para recuperarmos, vivos, a maioria dos reféns."
Rafael Rozenszajn, major e porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), disse ao Correio que os reféns, entre eles crianças e 15 idosos, são mantidos dentro de túneis de até 60m de profundidade. "Eles estão em lugares que mais se parecem com jaulas. Israelenses que voltaram do cativeiro contaram que os terroristas do Hamas passavam e olhavam para os israelenses como se fossem animais", afirmou. Na noite deste sábado (3/2), em Tel Aviv, dezenas de milhares de pessoas protestaram para exigir a libertação dos sequestrados e marcar os 120 dias de pesadelo.
Às 7h40 de sábado (hora de Brasília), o ativista palestino Khalil Abu Shammala, 53 anos, respondeu à mensagem do Correio, quase 12 horas depois. "É difícil permanecer on-line. Estou em uma área de desabrigados. Temos internet duas ou três horas por dia", contou o morador de Khan Yunis, que tem percorrido os 7km até a cidade de Rafah a cada dois ou três dias, para ajudar os desabrigados. Apesar do trecho curto, a viagem dura uma hora.
"A situação na região é a pior possível. Há mais de 1,9 milhão de cidadãos de Gaza retirados de suas casas. A Faixa de Gaza sofre uma destruição massiva. Parece que uma das metas da guerra é destruir tudo o que eles puderem", disse à reportagem, enquanto visitava um quartel-general da ONU, em Rafah.
"A maior parte das pessoas que estão aqui em Rafah são moradores retirados do norte de Gaza e de Khan Yunis, que fica no centro do território. As pessoas sofrem muito, pois estamos no inverno. Várias se acomodam em tendas impróprias. Ante a falta de água e de comida, muitas morrem", relatou Abu Shammala. De acordo com ele, a maioria dos cidadãos de Gaza não fazem refeições regulares pelos últimos três meses. "Em Rafah, nós esperamos que a invasão ocorra logo. Eles (israelenses) têm atacado alvos na cidade. Na sexta-feira, 26 foram mortas pelos bombardeios. A ofensiva virá assim que eles acabarem com Khan Yunis", disse.
Antes da guerra contra o movimento extremista islâmico Hamas, Rafah tinha 200 mil habitantes. Hoje, mais de 1,3 milhão tentam se proteger dos ataques.
Elevador em túnel
Ao ser questionado sobre uma iminente invasão a Rafah, Rafael Rozenszajn, major e porta-voz das Forças de Defesa de Israel (IDF), respondeu que as tropas "operam de acordo com o plano operativo, para atingirem os objetivos da guerra". Por telefone, ele afirmou que os soldados encontraram um elevador, dentro de um túnel, que levava até um esconderijo usado pelo Hamas para esconder armas com visão noturna, equipamentos de observação, documentos de inteligência e lança-foguetes. A equipe de combate da 5ª Brigada fez a descoberta na área de Al-Shati, no norte da Faixa de Gaza.
"O Hamas usa túneis para suas atrocidades. Eles passam por diversas instituições civis na Faixa de Gaza, inclusive mesquitas, escolas, hospitais e parques de diversão. Eles são usados para ocultar armas, para a locomoção de terroristas, para atacar os soldados e manter os sequestrados." (RC)
Fonte: correiobraziliense
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