Pela primeira vez, o aumento da temperatura global ultrapassou 1,5 ºC ao longo de um ano inteiro, de acordo com o serviço climático da União Europeia.
Os líderes mundiais prometeram em 2015 tentar limitar o aumento da temperatura a longo prazo a 1,5 ºC em comparação com os níveis pré-industriais, o que é visto como fundamental para evitar os impactos mais nocivos do aquecimento global no planeta.
Esta violação do primeiro ano não rompe o que foi alinhado no "Acordo de Paris", mas aproxima o mundo dessa marca no longo prazo.
Ações urgentes para reduzir as emissões de carbono ainda podem retardar o aquecimento global, dizem os cientistas.
"Superar [1,5 ºC de aquecimento] em uma média anual é significativo", diz a professora Liz Bentley, executiva-chefe da Royal Meteorological Society do Reino Unido.
"É mais um passo na direção errada. Mas sabemos o que temos que fazer."
Limitar o aquecimento a longo prazo a 1,5 ºC acima dos níveis "pré-industriais" — antes que os seres humanos começaram a queimar grandes quantidades de combustíveis fósseis — virou um símbolo fundamental dos esforços internacionais para combater as mudanças climáticas.
Um relatório da ONU de 2018 afirmou que os riscos das mudanças climáticas — como ondas de calor intensas, subida do nível do mar e morte da vida selvagem — eram muito mais elevados com um aquecimento de 2 ºC do que com 1,5 ºC.
Mas as temperaturas continuaram crescendo em um ritmo preocupante, como mostram os dados do Serviço de Alterações Climáticas Copernicus da União Europeia do ano passado, ilustrados no gráfico abaixo. O período de fevereiro de 2023 a janeiro de 2024 teve aquecimento de 1,52 ºC.
Esta violação de um ano não é uma grande surpresa. Janeiro foi o oitavo mês consecutivo com recorde de calor.
Um grupo científico, o Berkeley Earth, afirma que o ano de 2023 ficou com temperatura de mais de 1,5 ºC acima dos níveis pré-industriais. Outras entidades científicas, como a Nasa, estimam os últimos 12 meses ligeiramente abaixo dos 1,5 ºC de aquecimento.
Estas pequenas diferenças devem-se principalmente à forma como as temperaturas globais são estimadas para o final do século 19, quando as medições eram mais esparsas.
Mas todos os principais conjuntos de dados concordam com a trajetória recente do aquecimento, e indicam que o mundo está, de longe, no período mais quente desde o início dos registos modernos — e provavelmente durante muito mais tempo na história.
A superfície do mar também atingiu a temperatura média mais elevada já registada — mais um sinal alarmante dos registros climáticos. Como mostra o gráfico abaixo, isso é particularmente notável, dado que as temperaturas do oceano normalmente não atingem o pico antes de mais ou menos um mês.
A tendência de aquecimento a longo prazo é inquestionavelmente provocada pelas atividades humanas — principalmente pela queima de combustíveis fósseis, que liberta gases que aquecem o planeta, como o dióxido de carbono. Isso também é responsável pela maior parte do calor do ano passado.
Nos últimos meses, um fenômeno natural de aquecimento climático conhecido como El Niño também deu um impulso extra à temperatura do ar, embora sua contribuição seja de cerca de 0,2 ºC.
As temperaturas médias globais do ar começaram a exceder 1,5 °C de aquecimento quase diariamente no segundo semestre de 2023, quando o El Niño começou a fazer efeito, e isso continuou em 2024. Isto é mostrado onde a linha vermelha está acima da linha tracejada no gráfico abaixo.
O fim das condições do El Niño é esperado dentro de alguns meses, o que poderá permitir que as temperaturas globais se estabilizem temporariamente e depois caiam ligeiramente, provavelmente novamente abaixo do limite de 1,5 ºC.
Mas as atividades humanas significam que as temperaturas continuarão crescendo nas próximas décadas, a menos que sejam tomadas medidas urgentes.
"As reduções rápidas nas emissões de gases com efeito de estufa são a única forma de travar o aumento das temperaturas globais", diz Samantha Burgess, diretora adjunta do Copernicus.
No atual ritmo de emissões, o objetivo do Acordo de Paris de limitar o aquecimento a 1,5 ºC como uma média de longo prazo — em vez de um único ano — poderia ser ultrapassado já na próxima década.
Este seria um marco extremamente simbólico, mas os pesquisadores dizem que isso não representa uma catástrofe climática.
"Não é um limite além do qual as alterações climáticas ficarão fora de controle", afirma o professor Myles Allen, da Universidade de Oxford e do Gresham College, e principal autor do relatório da ONU de 2018.
Contudo, os impactos das alterações climáticas continuariam se acelerando — como mostram as ondas de calor extremas, as secas, os incêndios florestais e as inundações ao longo dos últimos 12 meses.
"Cada décimo de grau de aquecimento causa mais danos do que o anterior", diz Allen.
Meio grau a mais — a diferença entre 1,5 ºC e 2 ºC de aquecimento global — também aumenta enormemente os riscos de se ultrapassar os chamados "pontos de inflexão".
Estes são os limites dentro do sistema climático que, se ultrapassados, poderão levar a mudanças rápidas e potencialmente irreversíveis.
Por exemplo, se as camadas de gelo da Groenlândia e da Antártida Ocidental ultrapassassem um ponto de inflexão, o seu colapso potencialmente descontrolado causaria aumentos "catastróficos" do nível global do mar ao longo dos séculos que se seguiram, diz Bentley.
Mas os pesquisadores fazem questão de ressaltar que os humanos ainda podem mudar a trajetória de aquecimento do mundo.
O mundo registou alguns progressos, com tecnologias verdes, como as energias renováveis e os veículos elétricos.
Isto significa que alguns dos piores cenários de um aquecimento de 4 ºC ou mais neste século — considerados possíveis há uma década — são agora considerados muito menos prováveis, com base nas políticas e nos compromissos atuais.
E talvez o mais encorajador de tudo é que ainda se pensa que o mundo irá mais ou menos parar de aquecer quando forem alcançadas emissões líquidas zero de carbono. Reduzir eficazmente as emissões para metade nesta década é visto como algo particularmente fundamental.
"Isso significa que podemos, em última análise, controlar o nível de aquecimento que o mundo experimenta, com base nas nossas escolhas como sociedade e como planeta", diz Zeke Hausfather, cientista climático do grupo norte-americano Berkeley Earth.
"A tragédia não é inevitável."
Gráficos de Erwan Rivault.
Fonte: correiobraziliense
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