O barão britânico John Ehmerich Dalberg-Acton (1834-1902), ou Lorde Acton, disse, certa vez: "O poder corrompe; o poder absoluto corrompe absolutamente". No controle de El Salvador desde 1º de junho de 2019 e, recentemente, eleito para o segundo mandato de cinco anos, com 82,66% dos votos, Nayib Bukele desperta ódio e amor. Para especialistas, o presidente conduz os 6,6 milhões de salvadorenhos rumo ao poder absoluto, em um Estado que transita do autoritarismo para uma ditadura.
Desde que ascendeu ao principal cargo do Palácio Nacional de El Salvador, Bukele declarou guerra total à Mara Salvatrucha (MS-13), a gangue que semeou o terror no país centro-americano e assassinou 29.416 pessoas somente entre 2012 e 2022. A Justiça ordenou que 403 líderes da facção sigam presos até 2025. Em 2022, Bukele impôs estado de exceção — o que fez com que 75 mil suspeitos fossem presos sem ordem judicial.
E a vitória sobre o crime organizado não é a única de Bukele. Na última semana, o Tribunal Supremo Eleitoral (TSE) de El Salvador declarou improcedente um pedido dos partidos VAMOS, Aliança Republicana Nacionalista (Arena) e Nosso Tempo, de oposição, para anular as eleições legislativas do país, realizadas em 4 de fevereiro.
As três legendas alegavam irregularidades nas eleições legislativas dominadas pelo partido Novas Ideias (NI), de Bukele, que conquistou 54 das 60 cadeiras no Congresso. Na próxima legislatura, o NI terá a chamada supermaioria qualificada ou especial (45 votos), suficiente para aprovar decisões como a manutenção do regime de exceção.
Eduardo Escobar, diretor executivo da Asociación Acción Ciudadana (em San Salvador), entidade sem fins lucrativos que se dedica à investigação sobre transparência e democracia, desqualifica o termo "bukelismo". A palavra foi cunhada para se referir à popularização de Bukele. "Não existe esse tal 'bukelismo'. É uma ficção criada por Bukele e seu partido. O que temos é um autoritarismo rançoso, de estilo antigo, revestido de desinformação e de espetacularidade. Trata-se de algo similar ao que temos na Venezuela e na Nicarágua", explicou ao Correio.
Segundo ele, a autocracia de Bukele se difere de outras ditaduras por não utilizar o aparato de segurança pública para repressão. "De fato, não há protestos. Mas o presidente controla as instituições de Estado, ataca a imprensa e as organizações, viola os direitos humanos e distorce a Constituição. No lugar das leis, está a vontade do presidente."
Para Escobar, o apoio popular ao regime salvadorenho decorre, supostamente, do enfrentamento da crise de segurança pública. "Eles têm utilizado uma poderosa narrativa e se aproveitado do fato de a população não estar informada adequadamente sobre o funcionamento do sistema político e dos direitos humanos, a fim de ganhar adeptos", disse. O diretor do Acción Ciudadana explica que existe um manual não escrito do autoritarismo na América Latina seguido por Venezuela, Bolívia, Equador e Nicarágua. "Bukele o segue ao pé da letra. Em primeiro lugar, se traveste de um discurso populista, atacando as instituições democráticas, para ganhar o apoio das massas. Ele ganhou as eleições sempre com esse discurso de confronto e contra o establishment", afirmou.
Escobar salienta que Bukele não presta contas dos atos do governo, um convite à corrupção. Como exemplo, cita o fato de o regime ter aprovado um empréstimo de US$ 100 milhões rejeitado pela Assembleia Nacional. Em troca, Bukele militarizou o Congresso. "Ele entrou, sentou-se na cadeira do presidente do Legislativo e anunciou que destituiria os deputados. Durante a pandemia da covid-19, suspendeu os direitos fundamentais sem observar o devido processo constitucional. Também utilizou recursos estatais sem nenhum controle."
Criminologista e especialista em segurança em El Salvador, Ricardo Sosa admitiu ao Correio que o Plano Controle Territorial converteu-se na política mais exitosa do governo e na estratégia de segurança mais eficiente em 202 anos de República. "Bukele conseguiu desmontar, desarticular e desmantelar toda a capacidade operacional das organizações Mara Salvatrucha e Barrio 18, enquanto outras gangues não tiveram a capacidade de se adaptar e de superá-las."
Segundo Sosa, as bases do Plano Controle Territorial se sustentam graças à estreita articulação e coordenação entre as instituições do gabinete de segurança e da Procuradoria-Geral da República. "A estratégia de Bukele também se beneficiou das reformas do Código Penal, do Código Processual Penal e de leis especiais. Mas, sobretudo, destaco a ampla vontade política do presidente de combater as entidades criminosas, impactando sua organização e suas finanças."
Por sua vez, o economista Carlos Acevedo, 64, ex-presidente do Banco Central de El Salvador, reconhece que Bukele conseguiu desmantelar o "Estado paralelo" erguido pelas gangues. "Como consequência, ele reduziu a taxa de homicídios, em 2023, para somente três mortos por 100 mil habitantes, a mais baixa da América Latina. El Salvador tinha se convertido, praticamente, na 'capital mundial' dos homicídios. Muitos acreditavam que ninguém poderia desarticular as gangues", disse ao Correio.
O sucesso de Bukele, segundo Acevedo, instou a população a confiar que o governo resolverá os principais problemas econômicos de El Salvador. "É preciso gerar emprego, melhorar os salários, reduzir a pobreza e oferecer oportunidades aos jovens", defendeu. O economista reforça que Bukele conseguiu se reeleger com mais do que o dobro dos votos que obteve no pleito de 2019. A organização de pesquisas chilena Latinobarómetro concluiu que Bukele conseguiu a votação mais expressiva alcançada por qualquer líder eleito democraticamente na América Latina desde 1995, entre mais de 100 presidentes.
O "ditador mais legal do mundo", como Bukele se intitula, construiu a enorme popularidade principalmente devido ao sucesso na estratégia de segurança. "Ele devolveu a tranquilidade para o povo", assegurou Acevedo. O problema é a qual preço para a estabilidade democrática e para as liberdades individuais.
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