Com a explosão de casos de dengue no Brasil e o cenário de epidemia, algumas medidas de prevenção da doença são recomendadas, como usar repelentes e eliminar focos de acúmulo de água que podem contribuir para a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Mas o uso da ciência biológica também tem sido explorado como uma possibilidade de enfrentamento da doença. Um exemplo são os mosquitos transgênicos, que são modificados geneticamente em laboratório.
O Correio conversou com o professor Rodrigo Gurgel Gonçalves, do Núcleo de Medicina Tropical da Universidade de Brasília (UnB) para entender como funciona essa técnica, a viabilidade de aplicação e os riscos. Segundo o especialista, o método funciona da seguinte maneira: os machos de Aedes aegypti produzidos em laboratório recebem material genético letal e são liberados nas ruas, fertilizando as fêmeas já presentes no ambiente. Dessa forma, há transferência de material genético letal para os mosquitos descendentes, os quais morrem na fase larval, controlando, assim, a população do mosquito.
No entanto, existem diversas discussões e questionamentos a respeito da técnica. Um dos riscos é que existe a possibilidade de soltar fêmeas (que são as transmissoras da dengue) em vez de machos na natureza. Além disso, o impacto da extinção de Aedes aegypti é outra discussão, pois essa espécie poderia ser substituída por outra similar como Aedes albopictus, que também transmite dengue e outras arboviroses. Existem também as questões práticas para uso em larga escala, que envolvem custos e complexidade para produção de tantos mosquitos.
"Em cidades com 50 mil habitantes seria necessário soltar 10 milhões de mosquitos por semana, exigindo criação de várias fábricas de mosquitos transgênicos, com uma estimativa de custos de até 5 milhões de reais no primeiro ano de controle. Considerando essas discussões e a existência de novas tecnologias de controle de alta eficácia e com melhor custo-benefício. Um gestor em saúde pública dificilmente escolheria a estratégia de mosquitos transgênicos para combate a dengue", explica o professor Rodrigo.
A empresa de biotecnologia Oxitec desenvolveu uma iniciativa chamada "Aedes do bem". O projeto é baseado na venda de caixas com ovos de mosquitos da dengue geneticamente modificados. "'A caixa do Bem' contém ovos e uma fonte de alimento para o desenvolvimento até a fase adulta. Ao ativá-la com água potável, os mosquitos do Bem se desenvolverão até a fase adulta. Em cerca de 10 a 14 dias, 'Aedes do bem' adultos voarão da caixa para o ambiente urbano para se acasalar com as fêmeas do Aedes aegypti. Deste cruzamento, apenas os descendentes machos chegam à fase adulta e herdam dos pais a característica autolimitante", explica a empresa.
"O resultado é a queda do número de fêmeas que picam e transmitem doenças, e, consequentemente, o controle populacional direcionado do Aedes aegypti. Não causam danos ou desequilíbrio ao meio ambiente, não interferem em outros insetos benéficos e não oferecem riscos a pessoas e animais de estimação. É o mosquito combatendo o mosquito", acrescenta a Oxitec.
O projeto foi testado em Indaiatuba (SP) e teve aprovação para uso comercial pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), em 2020. Porém, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) decidiu que os mosquitos geneticamente modificados, utilizados para controle de vetores em saúde pública, são objeto de regulação sanitária no que diz respeito à segurança sanitária do uso e em relação à eficácia.
"Como se trata de uma tecnologia inovadora e distinta de todos os demais produtos regulados até o momento, a Anvisa vai estabelecer um instrumento análogo ao Registro Especial Temporário (RET) para regularizar a utilização desse mosquito em pesquisas no território nacional que produzam as evidências científicas necessárias sobre sua segurança e eficácia. A tecnologia consiste em produzir machos transgênicos que, quando liberados em locais de elevada incidência de populações selvagens do mosquito, copulem com as fêmeas selvagens e não produzam descendentes que cheguem à idade adulta", destaca a Anvisa.
Embora seja inovadora, a técnica com os mosquitos transgênicos não é vista por especialistas como uma estratégia viável de saúde pública a longo prazo. "Uma evidência disso é que essa estratégia não foi recomendada pelo Ministério da Saúde na nota informativa 37/2023 da Coordenação-Geral de Vigilância de Arboviroses. Entre as tecnologias recomendadas nessa nota para o controle de Aedes aegypti estão o uso de estações disseminadoras de larvicidas e o método Wolbachia", pontua o professor Rodrigo.
O método Wolbachia é baseado na soltura de mosquitos Aedes aegypti com a bactéria Wolbachia para que os insetos se reproduzam com as populações urbanas de Aedes aegypti, a fim de desenvolver ao longo do tempo uma população de mosquitos com essa bactéria que impede que os vírus da dengue, zika, chikungunya e febre amarela urbana se desenvolvam dentro dele, contribuindo para redução destas doenças. Diferentemente dos mosquitos transgênicos, não há modificação genética no método Wolbachia.
"Quando as fêmeas sem Wolbachia se acasalam com machos com a Wolbachia, os óvulos fertilizados morrem. Após sucessivas gerações, o número de mosquitos machos e fêmeas com Wolbachia tende a aumentar até que a população inteira de mosquitos tenha esta característica. Por isso, esse método é considerado autossustentável para inibir a transmissão de arboviroses", frisa Rodrigo.
De acordo com a organização internacional World Mosquito Program (WMP), a Wolbachia é uma bactéria presente em cerca de 50% dos insetos, inclusive em alguns mosquitos. Porém, ela não é encontrada naturalmente no Aedes aegypti. No Brasil, essa técnica é conduzida pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
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