Dois dias depois de soldados israelenses atirarem contra uma multidão faminta, os Estados Unidos começaram, ontem, a lançar alimentos por aviões à população da Faixa de Gaza. A Organização das Nações Unidas (ONU) afirma que, após quase cinco meses de guerra, o risco de fome é iminente na região. Sem ter como furar o cerco do Exército ao território palestino, esta foi a opção de ajuda humanitária norte-americana. França, Holanda, Reino Unido, Egito e Emirados Árabes também forneceram donativos via aérea.
O Comando Central dos EUA (CentCom) informou que três aviões militares de carga C-130 lançaram mais de 38 mil refeições ao longo da costa de Gaza. De acordo com a ONU, 2,2 milhões dos 2,4 milhões de habitantes do território estão ameaçados pela fome, desde o início do cerco, em 9 de outubro. Nos últimos dias, 13 crianças morreram de desnutrição e desidratação, segundo autoridades de saúde do Hamas.
A organização não governamental Comitê Internacional de Resgate, com sede em Nova York, alertou, porém, que a entrega de alimentos por aviões "não pode nem deve substituir o acesso humanitário" a Gaza. "Os lançamentos aéreos não são a solução para aliviar este sofrimento e desviam o tempo e o esforço de soluções comprovadas para uma ajuda em grande escala", afirmou a ONG em um comunicado. "Todo o foco diplomático deveria ser garantir que Israel levante o cerco a Gaza."
O porta-voz do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (OCHA), Jens Laerke, também afirmou que o método gera "inúmeros problemas". "A ajuda que chega desta forma só pode ser um último recurso", declarou. "A entrega terrestre é simplesmente melhor, mais eficaz e menos custosa. Se nada mudar, a fome será inevitável."
Investigação
Na quinta-feira, soldados atiraram em civis que tentavam conseguir alimentos do comboio israelense, deixando 116 mortos. O chefe da diplomacia da União Europeia, Josep Borrell, considerou inaceitável que soldados israelenses tenham atirado em civis que tentavam conseguir comida e pediu uma "investigação internacional imparcial" sobre a tragédia.
Uma equipe da ONU visitou o hospital Al-Shifa, em Gaza, onde foram internadas dezenas de pessoas feridas no ataque dos soldados. O local recebeu "um grande número de baleados", declarou Stéphane Dujarric, porta-voz do chefe das Nações Unidas, António Guterres.
Ontem, o Exército israelense continuou bombardeando a Faixa de Gaza, o que deixou ao menos 92 mortos nas últimas 24 horas, segundo o Ministério da Saúde do território palestino. O órgão informou que 11 pessoas morreram e outras 50 ficaram feridas em um bombardeio contra um acampamento de deslocados próximo ao Hospital Emirati, em Rafah, no sul do território.
O porta-voz do Ministério, Ashraf al Qudra, afirmou em um comunicado que, entre feridos, há crianças e um socorrista. O Exército israelense justificou o ataque, afirmando que a mira eram terroristas do grupo Jihad Islâmica. Na rede social X (ex-Twitter), o diretor-geral da Organização Mundial da Saúde (OMS), Tedros Adhanom Ghebreyesus, considerou o bombardeio "ultrajante e indescritível". "Os trabalhadores da área de saúde e civis não são alvos e devem ser protegidos a todo momento", acrescentou, pedindo a Israel um cessar-fogo.
No campo diplomático, Egito, Catar e Estados Unidos tentam chegar a um acordo entre o Hamas e Israel, que inclua uma trégua de seis semanas e a libertação de reféns, em troca de prisioneiros palestinos. Antes do ataque dos soldados à fila de entrega de alimentos, o presidente norte-americano, Joe Biden, afirmou que uma solução seria acertada até segunda-feira. Porém, na sexta, admitiu que o ocorrido poderia complicar as negociações. "Ainda estamos trabalhando muito nisso. Ainda não chegamos lá", disse.
Ontem, uma delegação do Hamas visitou o Cairo para participar das negociações. Segundo uma fonte da Agência France Presse (AFP) próxima do movimento palestino, a proposta é libertar um refém por dia em troca de 10 prisioneiros, durante 42 dias. Uma autoridade norte-americana que pediu o anonimato garantiu que um acordo de cessar-fogo está "sobre a mesa" e que "a bola está no campo do Hamas".
O conflito entre Israel e o Hamas eclodiu em 7 de outubro, quando o movimento palestino matou cerca de 1.160 pessoas, a maioria civis, e sequestrou 250 no sul de Israel, segundo uma contagem da AFP. Em resposta, o governo israelense lançou uma operação aérea e terrestre, que já matou mais de 30,3 mil em Gaza.
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