09 de Novembro de 2024

Cientistas testam tinta inseticida que pretende eliminar o Aedes aegypti


No Brasil de 2024, a dengue já matou mais de 240 pessoas e o número de casos ultrapassou 1 milhão, sendo que a maior concentração está no Centro-Oeste e o Distrito Federal no epicentro. Essa e outras patologias, transmitidas por vetores, são responsáveis por cerca de 17% de todas as condições infecciosas no mundo. Na tentativa de atenuar os impactos da contaminação, pesquisadores de Cabo Verde, na África, e da Espanha testaram a eficácia de tintas inseticidas, capazes de matar o Aedes aegypti, em cerca de 30 minutos.

Os resultados do trabalho, liderado pela Universidade de Cabo Verde, foram detalhados, hoje, na revista Frontiers in Tropical Diseases. Os cientistas comemoraram o fato de o inseticida ser eficiente por até 12 meses e ter sido bem aceito pelos moradores, que testaram a tinta. 

"Demonstramos que a tinta inseticida Vesta é eficaz na erradicação do Aedes aegypti, o mosquito transmissor da febre amarela (...), por pelo menos um ano", frisou Lara Ferrero Gómez, líder do trabalho e coordenadora de um grupo de pesquisa sobre doenças tropicais na Universidade Jean Piaget de Cabo Verde. "Também constatamos que ela é bem aceita pela população, com 98% relatando a redução do mosquito em suas residências após a aplicação da tinta."

Em segurança

Para o trabalho em campo, voluntários treinados pintaram 228 casas em dois bairros da cidade Praia — capital de Cabo Verde com cerca de 160 mil habitantes. Nos bairros, estão os moradores apontados como mais vulneráveis a doenças transmitidas por mosquitos devido à drenagem inadequada, sofrendo com  inundações na estação chuvosa, e a gestão deficiente de águas residuais.

Agregados aos "fatores naturais", em Cabo Verde, em muitas residências é comum o armazenamento de água em decorrência da falta e de interrupções do abastecimento. Há queixas constantes sobre a insegurança no sistema de armazenamento, daí a cultura local de acumular água. 

Por intermédio de quatro testagens — um, três, seis e 12 meses —, bioensaios da Organização Mundial da Saúde (OMS) foram realizados em duas casas selecionadas aleatoriamente em cada bairro. Os resultados mostraram a eficiência do inseticida em forma de tinta. "Os bioensaios registram a mortalidade dos mosquitos Aedes aegypti após uma exposição de meia hora à tinta inseticida. Isso nos permite avaliar diretamente a eficácia", explicou Gómez.

Resultados

As fórmulas de tintas inseticidas resultaram em mortalidade completa dos mosquitos Aedes aegypti um mês após a pintura das casas. Três meses após a pintura, todas as formulações ainda ultrapassavam o limite de eficácia da OMS, que é de 80%. No sexto mês, duas formulações ficaram abaixo desse parâmetro. No entanto, a tintura nomeada Vesta também atendeu aos requisitos da OMS aos meses seis e 12. "A tinta funciona liberando quantidades muito pequenas de inseticida ao longo de um período, tornando-a mais sustentável e ecologicamente correta", destacou a pesquisadora principal.

Werciley Vieira Júnior, infectologista do Hospital Santa Lúcia, frisou que o mosquito da dengue pode propagar uma série de doenças, como zika, chikungunya, febre do oropouche e a febre amarela. "Em relação à tinta, tem uma vantagem que é ela ter já sido usada contra a febre amarela e contra a malária, com uma boa resposta."

Para o especialista, a invenção é um bom fator para diminuir a proliferação. "Não vai ser a única solução, mas é importante a gente investir em diversas facetas, atuar diminuindo o criatório, usando inseto modificado, ou inseto com bactérias que diminuem a evolução da ADM, diminuição de uso de mais inseticida, são medidas que vão complementar e trazer um benefício maior.

André Bon, infectologista do Hospital Brasília Águas Claras, da rede Dasa no DF, reforça que a principal forma de prevenção continua sendo o combate ao mosquito. "Eliminar focos de água parada é bastante importante, mas outras formas de prevenção, como a utilização de repelentes, são importantes", disse ele.

Segundo o médico, é importante adotar alguns hábitos no cotidiano também. "Usar tela nas janelas, para evitar os mosquitos dentro de casa, também é interessante. Colocar o aparelho de ar-condicionado em temperaturas baixas, reduzindo a atividade do mosquito dentro de casa, é uma estratégia a ser considerada", sugeriu o infectologista.

Para o especialista, é fundamentar manter o alerta em relação aos riscos da doença. "É esperado que 2024 seja um dos piores anos, se não o pior, em termos de número de casos de dengue na história do Brasil. São diversos fatores, tanto mudanças climáticas, mudanças de regime de chuva quanto imunidade populacional, todos eles contribuem para esse aumento."

Conforme o artigo, os cientistas não registraram efeitos graves da tinta na saúde dos moradores. Os efeitos adversos relatados por alguns residentes incluíram irritação leve nos olhos ou no nariz (10%) e dor de cabeça (4%).

Futuro 

No início do ano, Cabo Verde foi o terceiro país africano a ser declarado livre da malária pela OMS. Todavia, manter esse selo é um desafio. Os autores do estudo afirmam que a tinta inseticida também é uma estratégia promissora para reforçar a prevenção e o controle de casos de malária ao nível doméstico.

Para os cientistas, apesar de algumas limitações, como a necessidade de aplicar meticulosamente a tinta em duas camadas para garantir a eficácia, a esperança é fr que o projeto Tintaedes seja expandido para mais áreas da Praia, que é um ponto crítico para doenças transmitidas por vetores, e em todo Cabo Verde.

"O desenvolvimento de uma tinta com propriedade inseticida é de grande interesse para o controle da população do mosquito, diminuindo também os casos da dengue. Sabemos que o mosquito é urbano e intradomiciliar e tem o hábito de pousar e repousar nas paredes após alimentar-se. Não há uma droga que combata o vírus da dengue. O tratamento é feito com o uso de medicamentos sintomáticos e a hidratação vigorosa, tanto pela via oral como pela via venosa. O suporte clínico é muito importante, principalmente nos grupos de risco e na prevenção de complicações graves."

Hemerson Luz, chefe da clínica de infectologiado Hospital Naval Marcílio Dias, no Rio de Janeiro

Fonte: correiobraziliense

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