23 de Novembro de 2024

'Liberdade garantida para aborto': por que França se tornou 1º país a colocar direito de interromper gravidez na Constituição


A França se tornou o primeiro país do mundo a incluir o direito da mulher ao aborto na Constituição.

A decisão ocorreu na segunda (4/3) durante uma sessão especial no Palácio de Versalhes, convocada pelo presidente Emmanuel Macron, com os parlamentares das Câmaras alta e baixa.

A aprovação alcançou a necessária maioria de pelo menos três quintos dos votos e a Constituição do país de 1958 será revista para consagrar o direito da mulher ao aborto.

"A lei determina as condições de que a mulher tenha a liberdade garantida de recorrer ao aborto" e será inscrita no artigo 34 da Constituição francesa.

Esta é a 25ª alteração ao documento fundador da Quinta República e a primeira desde 2008.

As pesquisas mostram que cerca de 85% dos franceses são favoráveis à emenda constitucional. A resistência da direita no Parlamento não se concretizou.

O aborto é legal na França desde 1975, mas o presidente Macron comprometeu-se a consagrá-lo na Constituição após a Suprema Corte dos Estados Unidos ter revertido a decisão Roe contra Wade, em 2022.

Com isso, a Suprema Corte, na prática, anulou o direito ao aborto nos EUA, permitindo que Estados americanos, de maneira individual, o proibissem ou restringissem — e levou ativistas a pressionarem a França a tornar-se o primeiro país a proteger claramente o direito em sua legislação fundamental.

"Esse direito (ao aborto) caiu nos Estados Unidos. E por isso nada nos autoriza a pensar que a França estava isenta desse risco", disse Laura Slimani, do grupo de direitos humanos Fondation des Femmes (Fundação das Mulheres, em tradução livre).

"Sabemos que será uma grande celebração", disse Anne-Cécile Mailfert, ativista do mesmo grupo, durante uma coletiva de imprensa antes da votação.

"No momento da votação, a Torre Eiffel deverá piscar e enviará uma mensagem importante também ao mundo."

Na França, o direito ao aborto está consagrado na lei — e não, como aconteceu nos Estados Unidos, numa única decisão do Judiciário — desde 1975.

Desde então, a lei na França foi atualizada nove vezes — e, em todas elas, com o objetivo de ampliar o acesso.

O Conselho Constitucional da França — o órgão que decide sobre a constitucionalidade das leis — nunca levantou qualquer questão.

Dessa maneira, segundo muitos juristas, o aborto já é um direito constitucional.

Em 1971, à medida que a campanha para legalizar o aborto na França ganhava força, uma petição foi assinada por 343 mulheres em todo o país.

No documento, conhecido como o "Manifesto das 343", essas mulheres admitiram ter interrompido ilegalmente uma gravidez numa altura em que cerca de 700 a 800 mil mulheres faziam abortos todos os anos.

"O comportamento da Suprema Corte dos EUA fez um favor às mulheres de todo o mundo porque nos acordou", disse Claudine Monteil, chefe da associação Femmes Monde (Mulheres no Mundo), à AFP. Ela foi a mais jovem signatária do manifesto.

Os defensores da reforma francesa dizem que é necessário prevenir-se contra uma nova onda de mudança social "reacionária" na Europa, que poderá levar ao poder aqueles que querem restringir o direito ao aborto.

Eles apontam para países como Malta, Hungria e Polônia, onde já existem limites ou são objeto de muito debate.

"Nos direitos das mulheres, os símbolos são importantes", disse a advogada feminista Rachel-Flore Pardo sobre a mudança constitucional.

"Esperar até que o aborto esteja realmente sob ameaça seria esperar tempo demais."

Leah Hoctor, do Centro para os Direitos Reprodutivos, disse que a França poderia oferecer "a primeira disposição constitucional ampla e explícita desse tipo, não apenas na Europa, mas também a nível mundial".

Hoje, o aborto é permitido por lei no Brasil, em casos de gravidez decorrente de estupro, risco à vida da gestante ou anencefalia do feto. Nessas situações, o procedimento deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

O Chile incluiu o direito ao aborto eletivo num projeto de nova Constituição em 2022, mas os eleitores rejeitaram o texto num referendo.

Alguns países mencionam o direito. A Constituição de Cuba garante os "direitos reprodutivos e sexuais" das mulheres.

Vários Estados dos Bálcãs herdaram versões da Constituição da antiga Iugoslávia de 1974, que afirma ser um direito humano "decidir sobre o nascimento dos filhos".

Outros Estados mencionam explicitamente o aborto na sua Constituição, mas apenas o permitem em circunstâncias específicas.

O presidente francês, Emmanuel Macron, não tem maioria na Assembleia Nacional e enfrenta uma tarefa árdua para transformar qualquer projeto em lei.

Entretanto, a remodelação do seu governo em janeiro inclinou-o para a direita.

A sequência de leis controversas de 2023 sobre a reforma das pensões e a imigração causou nervosismo aos componentes de tendência esquerdista do partido dele, Renascimento — para quem a revisão do aborto é agora um reequilíbrio bem-vindo.

"É um grande alívio poder proclamar novamente a nossa unidade numa questão sobre a qual todo o partido pode concordar. Tem havido muitas tensões dentro do Renascimento, mas agora podemos nos lembrar dos valores que partilhamos", disse um membro de esquerda do partido que pediu para não ser identificado.

Ao encampar uma iniciativa parlamentar da esquerda, o presidente francês estava fazendo mais do que apenas reforçar o seu apoio à esquerda. Ele também estava construindo uma armadilha.

Com a aproximação das eleições europeias em junho, o presidente esperava que a revisão constitucional sobre o aborto pudesse abrir uma linha de divisão clara entre o partido dele e os seus principais oponentes, a direita radical de Marine Le Pen.

Se um número suficiente de parlamentares da direita e dos radicais se opusesse à reforma, eles poderiam facilmente ser considerados reacionários.

Infelizmente para ele, nem o Rally Nacional (RN) de Le Pen nem os Republicanos conservadores (KLR) morderam a isca. Dada a liberdade de voto nos debates da Assembleia e do Senado, a maioria dos parlamentares de direita votou a favor do projeto.

A maior parte do público francês apoia a medida para dar proteção extra ao direito ao aborto.

Uma pesquisa de novembro de 2022 realizada pelo grupo francês IFOP descobriu que 86% dos franceses apoiavam a inclusão do texto na Constituição.

Políticos de esquerda e de centro acolheram favoravelmente a mudança, enquanto senadores de direita disseram em privado que se sentiam pressionados a aprovar, conforme noticiado pela AFP.

Uma delas disse que suas filhas "não apareceriam mais para o Natal" se ela se opusesse à mudança.

Os opositores ao aborto fizeram um protesto contra a decisão na cidade de Versalhes, na França.

"É uma derrota para as mulheres", disse Pascale Moriniere, presidente da Associação das Famílias Católicas.

"E, claro, para todas as crianças que não conseguem nascer."

Fonte: correiobraziliense

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