A proposta de regulamentação dos trabalhadores de aplicativo deixou de fora os entregadores de delivery. A falta de consenso entre o governo e as plataformas é alvo de polêmica. De um lado, o Executivo diz que as empresas se recusaram a negociar e, de outro, as plataformas apontam inconsistências na proposta apresentada. Ao Correio, o vice-presidente de políticas públicas do iFood, Lucas Pittioni, afirmou que, ao
contrário do que disse o governo, a companhia aceitou a proposta de regulação e está disposta a negociar.
Negociações
As plataformas de transporte conseguiram chegar num acordo com as lideranças dos motoristas, muito porque elas estavam organizadas e centralizadas. Do lado dos entregadores, a gente fez essa proposta do valor mínimo por hora trabalhada, e o governo reagiu dizendo que o valor de cerca de R$ 12 por hora trabalhada não funcionaria e não seria bem recebida. O governo, então, afirmou que se chegássemos no valor de R$ 17 por hora trabalhada, a gente teria um acordo. Nós concordamos com o valor, essa fala de que a gente se recusou a negociar não é correta, a gente sensibilizou a nossa proposta e subiu o piso
a pedido do Ministério. Acontece que a bancada dos trabalhadores no setor de entrega, diferentemente da bancada dos trabalhadores no setor de transportes, é muito mais complexa. Tem diferentes lideranças, uma parte dos entregadores é representada por sindicatos, outra parte por associações, outra parte por lideranças independentes, e o governo na hora de defender essa proposta de R$ 17 para essa bancada, não conseguiu chegar a um consenso nessas diferentes lideranças.
Previdência
A previdência foi o principal entrave nas negociações que o iFood teve com o Ministério do Trabalho ao longo do ano passado. Enquanto, no lado trabalhista, o governo optou a criar algo novo porque reconheceu as características próprias desse novo modelo de trabalho, na previdência está sendo usado o regime geral para incluir esse trabalhador. Acontece que essa fórmula não funciona para o entregador de delivery, que tem menos horas trabalhadas. Cerca de 90% dos entregadores que trabalham com iFood têm menos de 90 horas trabalhadas por mês. Esse entregador, por ter o número de horas trabalhadas mais baixo, tem um rendimento proporcional a essas horas, o que é insuficiente para que ele, entregador, atinja o piso de contribuição do regime geral.
Particularidades
O número de horas trabalhadas pelos entregadores é mais baixo porque temos uma característica muito própria no delivery, que é a sazonalidade da operação, muito concentrado com uma prevalência no jantar durante a semana e nos fins de semana. Os entregadores trabalham com a plataforma em intervalos de tempo muito pré-determinados. O delivery ainda é, no Brasil, um hábito de indulgência. Não adianta o
entregador ficar mais horas on-line na plataforma porque ele não vai receber mais pedidos por conta disso. As nossas pesquisas também indicam um caráter muito forte de complementação de renda desse trabalhador.
Baixa seguridade social
O regime geral diz que não basta trabalhador contribuir, ele precisa contribuir acima de um determinado valor para ser incluído. Esse valor é o resultado da multiplicação da alíquota do trabalhador pelo salário mínimo mensal. O que a gente tem apontado para o governo é que a gente tem um trabalhador aqui com menos horas trabalhadas, ou a gente flexibiliza esse piso e cria regras diferentes ou a gente não vai incluir. E se a gente não fizer nenhuma flexibilização aqui, os dados do iFood mostram que no máximo 7% dos entregadores teriam acesso à seguridade social. Os outros 93% teriam de desembolsar valores para alcançar o mínimo de R$ 105 exigido como piso do recolhimento mensal para ter cobertura.
Contribuição proporcional
Diferentemente do setor de transportes, no setor de delivery nem todas as entregas são realizadas por entregadores conectados na plataforma, existem entregadores que trabalham diretamente com os restaurantes. Se o governo criar essa regulação sem fazer esses ajustes, ele vai empurrar esse entregador para outro mercado, sem resolver o problema. O que a gente defendeu foi tentar transformar a contribuição da plataforma em um complemento na contribuição do trabalhador para atingir o piso da previdência, ou passar a exigir um piso de contribuição proporcional às horas trabalhadas. É essa a mensagem que queremos passar, e nós estamos dispostos a negociar.
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