23 de Novembro de 2024

Como o pulmão de ferro abriu caminho para a UTI moderna


Muito antes da vacina contra a pólio, havia o pulmão de ferro. Aquele aparelho de grandes proporções – que, para alguns, parecia um "caixão com pernas" – representou uma enorme inovação na sua época.

O aparelho permitiu que centenas de pessoas sobrevivessem à poliomielite, uma infecção viral que ataca o corpo e pode gerar paralisia e morte em questão de horas, imobilizando os músculos respiratórios.

O pulmão de ferro, uma máquina enorme que envolve os pacientes e fornece ar sob pressão para ajudar os pulmões paralisados do indivíduo infectado e fazê-los funcionar, permitiu prolongar a vida de muitos pacientes por anos a fio.

Foi o caso do norte-americano Paul Alexander, conhecido mundialmente como "O Homem do Pulmão de Ferro", que morreu em 12 de março, aos 78 anos de idade.

Alexander contraiu poliomielite em 1952, com apenas seis anos de idade. Ele ficou paralisado do pescoço para baixo.

Apesar dos seus imensos progressos para aprender a respirar sozinho por curtos períodos de tempo, Alexander passou o resto da vida dependendo do pulmão de ferro para sobreviver. Mas ele estudou e trabalhou como advogado.

Desenvolvido em 1927 pelo higienista industrial Philip Drinker (1894-1972), membro da Faculdade de Saúde Pública T. H. Chan da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, o pulmão de ferro foi usado pela primeira vez para salvar a vida de uma criança em 1928.

O aparelho logo se tornou comum nas alas hospitalares durante os surtos de poliomielite das décadas seguintes, particularmente a partir de 1948, até o desenvolvimento da vacina contra a doença, em 1955. A criação do pulmão de ferro abriu o caminho para diversas inovações médicas que viriam a seguir.

Ao longo do século 20, ocorreram surtos de pólio em todo o mundo, transmitidos pela água e por alimentos contaminados. E, até o surgimento da vacina, o pulmão de ferro era a última palavra da tecnologia e a principal forma de tratamento de casos graves da doença.

O pulmão de ferro é um cilindro metálico hermético gigante conectado a um fole. Ele chegava a pesar até 295 kg.

O paciente precisava deslizar para dentro do aparelho até o pescoço. O fole era ligado a uma bomba, que enviava ciclos de ar contínuos para dentro e para fora da caixa, ajudando o paciente a continuar respirando, levando o ar até os pulmões.

Esta forma de respiração artificial é conhecida como Ventilação com Pressão Negativa Externa (ENPV, na sigla em inglês).

"A invenção do pulmão de ferro mudou para sempre a relação entre o ser humano e as máquinas", segundo a médica de tratamento intensivo Hannah Wunsch, do Centro Médico de Anestesiologia Weill Cornell, nos Estados Unidos. Ela é autora do livro The Autumn Ghost (O fantasma do outono, em tradução livre), que conta como as unidades de terapia intensiva e a ventilação mecânica formaram a base da assistência médica moderna.

"Pela primeira vez, um indivíduo em dificuldades de respiração por longo período de tempo podia receber ajuda, com a máquina fazendo todo o trabalho de respirar, ou uma parte dele", explica Wunsch.

Alguns pacientes passavam apenas um curto período no pulmão de ferro – talvez semanas ou meses, até que conseguissem recuperar a força dos pulmões e respirar de forma independente outra vez. Mas, para os pacientes cujos músculos dos pulmões estavam permanentemente paralisados, o pulmão de ferro permanecia sendo fundamental para a sua sobrevivência.

O pulmão de ferro salvava vidas, mas também tinha muitas limitações, tanto para os pacientes quanto para os profissionais da medicina.

Muitas pessoas se sentiam presas dentro do aparelho. Os médicos também tinham dificuldade para ter acesso e fornecer tratamento para o paciente encerrado dentro do pulmão de ferro. Mas a invenção serviu de base para muitos outros avanços no campo da medicina.

"Este conceito de estimular um órgão – no caso, os pulmões – passou a ser o elemento central da terapia intensiva moderna", afirma Wunsch.

O pulmão de ferro costuma ser indicado como um marco no desenvolvimento dos ventiladores mecânicos, que não eram muito utilizados antes do surgimento da poliomielite.

"A ciência da ventilação ganhou maior destaque graças aos pulmões de ferro", segundo o pneumologista, especialista em medicina do sono e em terapia intensiva Peter Gay, da Clínica Mayo, nos Estados Unidos. "Passamos a entender melhor a fisiologia da troca de gases depois que eles mecanizaram o movimento do ar para dentro e para fora do corpo."

Um dos primeiros ventiladores pulmonares foi desenvolvido pelo médico dinamarquês Bjørn Aage Ibsen (1915-2007). Em 1953, ele começou a desenvolver o que chamava de "ventilador de pressão positiva".

Ao contrário do pulmão de ferro, que dependia da ventilação com pressão negativa, sugando o ar para dentro dos pulmões do paciente, o ventilador de pressão positiva conseguia empurrar o ar para o interior dos pulmões ao ser conectado a um tubo de respiração.

O aparelho de Ibsen também era mais portátil e muito menos incômodo e invasivo do que o pulmão de ferro.

Este tipo de pressão positiva seria utilizado rotineiramente pelos anestesiologistas nas salas de cirurgia. Da mesma forma que o pulmão de ferro, a máquina soprava o ar para os pulmões, mantendo a respiração do paciente.

A tecnologia dos ventiladores se expandiu e evoluiu vertiginosamente ao longo dos anos, mas seu conceito permanece muito similar ao desenvolvido por Ibsen.

A história dos ventiladores modernos que ficam ao lado do leito do paciente, fornecendo pressão positiva nas unidades de terapia intensiva, pode ser rastreada até a epidemia de pólio do século passado.

O desenvolvimento da tecnologia do pulmão de ferro "criou o conceito de que você pode colocar um grupo inteiro de pessoas em um mesmo ambiente e ajudá-las com essa troca de gases de que elas precisam para salvar suas vidas", acrescenta Peter Gay. Daí nasceu a ideia das Unidades de Terapia Intensiva (UTIs).

Segundo a publicação Respiratory Care Journal, "as primeiras UTIs foram criadas para cuidar, em alguns casos, de dezenas de pacientes, de todas as idades, que precisavam de ventilação com pressão negativa devido à poliomielite".

"Você tinha essas unidades com todos esses pacientes de pólio usando o pulmão de ferro e foi ali que realmente decolou a ideia das unidades de terapia intensiva", afirma Gay. "É por isso que os anestesiologistas foram os primeiros especialistas em terapia intensiva. Os anestesiologistas foram basicamente os primeiros a administrar esse tipo de terapia intensiva."

Wunsch concorda. Ela indica que "a criação de centros respiratórios para o tratamento de pacientes de pólio sustentados por pulmões de ferro ajudou a estabelecer a ideia de que a assistência complexa dos pacientes exigia um espaço específico, com atendentes altamente especializados. Este conceito também está presente no centro das UTIs modernas."

Da mesma forma, a capacidade de auxiliar o sistema respiratório do paciente com mais eficiência permitiu melhorar o tratamento de muitas outras doenças graves.

"Muitas vezes, quando as pessoas sofrem de doenças graves, a enfermidade é acompanhada por paradas respiratórias – no caso de pacientes sépticos, com pneumonia ou infecções", segundo Gay, "e o sistema respiratório precisa de apoio para que eventuais falhas em outros órgãos sejam recuperadas."

A poliomielite causou medo em todo o mundo no pico da epidemia. A doença deixava centenas de milhares de crianças paralisadas todos os anos.

Mas o pulmão de ferro ajudou a salvar muitas delas. Somente nos Estados Unidos, 1,2 mil pessoas usaram o aparelho em 1959.

É possível traçar um paralelo entre aquela época e o final de 2019 e início de 2020, quando o mundo se encontrou novamente lutando contra uma doença assustadora.

Durante o pico da pandemia de covid-19, a ventilação surgiu novamente na primeira linha de tratamento. E, mais recentemente, uma equipe de médicos e engenheiros inventou a versão moderna do pulmão de ferro, uma tecnologia que serve de auxílio à respiração em pacientes com covid-19.

O novo aparelho está em desenvolvimento e ainda não chegou ao mercado. Seu nome é Exovent NPV.

Ele também é um ventilador de pressão negativa e trabalha reduzindo "a pressão fora do corpo para permitir que os tecidos pulmonares se expandam e funcionem de forma que relembre a respiração normal", segundo o Instituto de Engenheiros Mecânicos do Reino Unido.

Existe também a esperança de que o aparelho possa ser empregado em condições como a pneumonia.

O Exovent é apenas o exemplo mais recente de uma inovação médica que tem suas origens na invenção do pulmão de ferro.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

Fonte: correiobraziliense

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