Em 19 de fevereiro passado, Paruyr Hovhannisyan — vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Armênia — esteve em Brasília, onde se reuniu com a embaixadora Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty. Após retornar a Yerevan, ele concedeu uma entrevista ao Correio. O número dois da chancelaria armênia elogiou as relações diplomáticas, culturais e comerciais com o Brasil e destacou que ambos países partilham valores e princípios fundamentais, além de possuírem sociedades civis "vibrantes". Hovhannisyan também falou sobre as consequências da operação militar lançada pelo vizinho Azerbaijão contra o enclave de Nagorno-Karabakh, forçando a expulsão de 100 mil armênios para outras cidades, e denunciou a destruição de patrimônio histórico e cultural na região por parte dos soldados azerbaijanos (ou azeris). O vice-chanceler assegurou a disposição de seu país de firmar uma paz permanente com o Azerbaijão, com base no direito internacional e nas normas jurídicas. Ele também revelou que a Armênia e a Turquia estão engajadas em um processo de negociação para normalizar as relações, sem condições prévias. Entre 1915 e 1923, o Império Otomano matou mais de 1,5 milhão de armênios.
Como o senhor avalia as relações bilaterais entre Armênia e Brasil?
As relações diplomáticas entre Armênia e Brasil foram estabelecidas há mais de 30 anos, apesar de os laços entre nossos dois povos terem sido firmados muito antes. Os armênios começaram a se estabelecer no Brasil na segunda metade do século 19. Hoje, a comunidade armênia do Brasil é uma das mais bem-sucedidas e prósperas da diáspora armênia. Durante minha visita, testemunhei, com orgulho, o alto nível de integração da etnia armênia na sociedade brasileira, sua contribuição significativa em todo o campo. Seria seguro dizer que a recentemente falecida grande atriz Aracy Balabanian, que era igualmente admirada tanto na Armênia quanto no Brasil, simboliza a presença armênia no Brasil. É particularmente gratificante que os armênios tenham um envolvimento substancial no serviço diplomático brasileiro. Existem vários embaixadores brasileiros de origem armênia. Olhando para o futuro, espero que a comunidade armênia no Brasil continue a promover o desenvolvimento das nossas relações bilaterais, servindo como uma ponte sólida que liga a Armênia e o Brasil. Como nações democráticas, Armênia e Brasil partilham valores e princípios fundamentais, e têm sociedades civis vibrantes. Isto promove um diálogo político dinâmico e uma interação multifacetada. Tive o privilégio de conduzir consultas políticas entre nossos ministérios das Relações Exteriores, em Brasília, em fevereiro. Este é um mecanismo visto por nós como altamente eficaz e valioso para a nossa agenda bilateral. Ao longo dos últimos 32 anos, tivemos muitas visitas recíprocas, incluindo os presidentes e chanceleres dos dois países. Vários acordos foram assinados, e mais estão em andamento.
E em relação às areas do comércio e da cultura?
Embora o nosso volume de negócios anual seja modesto, observamos uma dinâmica positiva e procuramos ativamente oportunidades de negócios em ambos os países. O Brasil se mantém como uma das maiores economias do mundo, enquanto a Armênia demonstrou um crescimento econômico notável após a Revolução de Veludo de 2018, ostentando um crescimento real do PIB de 12,6% em 2022. Com as reformas econômicas e democráticas em curso, existe grande potencial e mútuo interesse em expandir nosso comércio bilateral. Em termos de cooperação cultural, temos o prazer de observar a promoção ativa de intercâmbios culturais — tanto por parte da Embaixada do Brasil em Yerevan quanto de nossa Embaixada em Brasília. Nesse contexto, eu gostaria de destacar o concerto organizado pela Embaixada da Armênia no Brasil, dedicado ao 120º aniversário do renomado compositor armênio Aram Kachaturian. O evento, realizado no Teatro Plinio Marcos, em novembro passado, e interpretado pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, comemorou os laços estreitos que existiram entre Aram Khachaturian e Claudio Santoro, revelando mais um vínculo entre nossos povos antes mesmo do renascimento da independência Armênia.
Os dois países mantêm contribuição em organizações internacionais?
Sim, nossa cooperação não se limita apenas às relações bilaterais – mantemos uma cooperação muito boa e frutífera em organizações internacionais, particularmente na ONU e nas suas agências especializadas, mas também na OEA. O Brasil é um importante parceiro e uma voz nos assuntos internacionais. Até recentemente o Brasil era um membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. Em muitas ocasiões, Armênia e Brasil apoiaram-se mutuamente nas candidaturas um do outro para serem eleitos para diferentes organismos internacionais.
Qual é a situação atual em Nagorno-Karabakh?
Em 19 de setembro de 2023, depois de mais de 100 mil armênios nativos de Nagorno-Karabakh serem submetidos a nove meses de um bloqueio desumano, o Azerbaijão lançou uma operação militar. Como resultado, a população indefesa da região foi forçada a fugir. Os armênios deixaram para trás suas casas, igrejas, mosteiros, cemitérios e todos os locais culturais, religiosos e históricos. A existência física dos armênios que abandonaram Nagorno-Karabakh esteve sob grave ameaça. Eles foram alvos da retórica oficial anti-arménia e do discurso de ódio e, eventualmente, sujeitos a limpeza étnica. Não há dúvida de que os armênios têm todo o direito de retornar à sua pátria ancestral. No entanto, isso pode ocorrer somente se existirem medidas de segurança internacionalmente garantidas.
Que tipo de danos o patrimônio histórico armênio sofreu durante a operação militar lançada pelo Azerbaijão?
O tema da proteção do milenar patrimônio cultural armênio em Nagorno-Karabakh tornou-se ainda mais premente depois de setembro de 2023, quando sua população inteira foi submetida ao deslocamento forçado. Depois da guerra de 2020, temos testemunhado numerosos casos de destruição física e de políticas lideradas pelo Estado de distorção da identidade do patrimônio armênio, por meio da eliminação das inscrições armênias dos monumentos culturais. Altos funcionários do Azerbaijão declararam abertamente a criação de um chamado "grupo de trabalho" para alterar e apropriar-se ilegalmente do patrimônio religioso e cultural armênio. A Armênia tem alertado consistentemente a comunidade internacional sobre a política de destruição do Azerbaijão, a profanação e a apropriação do vasto patrimônio religioso e cultural, dentro e ao redor de Nagorno-Karabakh, para eliminar totalmente qualquer vestígio da presença civilizacional da população nativa armênia.
A ameaça iminente imposta aos nossos sítios patrimoniais foi bem documentada por organizações internacionais, instituições conceituadas de direitos humanos e especialistas independentes. As ações do Azerbaijão violam totalmente a ordem juridicamente vinculativa sobre as Medidas Provisórias emitidas pela Corte Internacional de Justiça, em 7 de dezembro de 2021, a qual determina ao Azerbaijão "tomar todas as medidas necessárias para prevenir e punir atos de vandalismo e de profanação que afetem o patrimônio cultural armênio, como pré-requisito chave para prevenir a destruição e a distorção da identidade de igrejas e outros locais de culto, monumentos, marcos históricos, cemitérios e artefatos". Infelizmente, o Azerbaijão se recusa a cooperar na área da preservação cultural e nega acesso a uma missão independente de investigação da Unesco para conduzir o inventário do vasto património cultural e religioso da região. É um sinal detectável de que a herança armênia de Nagorno-Karabakh poderia cumprir o destino da de Nakhijevan — completamente aniquilada pelo Azerbaijão entre 1997-2006.
O processo de paz com o Azerbaijão deverá ser retomado logo?
Apesar dos riscos e ameaças que a Armênia tem enfrentado nos últimos anos, estamos determinados a alcançar a paz e a estabilidade na região, baseados no direito internacional e nas normas jurídicas. Para esse efeito, a Arménia tem realizado grandes esforços e estado envolvida, de forma construtiva, nas negociações com o Azerbaijão. Em outubro de 2023, havia uma chance real de fazermos um avanço no processo de paz. No entanto, o presidente do Azerbaijão (Ilham Aliyev) recusou-se a participar da reunião com a Comunidade Política Europeia, em Granada, e a aderir à declaração assinada pelo primeiro-ministro da Armênia (Nikol Pashinyan), o presidente da França (Emmanuel Macron), o chanceler alemão (Olaf Scholz) e o presidente do Conselho Europeu (Charles Michel), que descreve os princípios da paz entre a Armênia e o Azerbaijão. A retórica do lado azerbaijano tornou-se ainda mais beligerante. Em entrevista recente, o presidente do Azerbaijão questionou os princípios e termos previamente acordados sobre a delimitação das fronteiras com a Armênia e as reivindicações territoriais articuladas, referindo-se ao nosso país como "Azerbaijão Ocidental", o que é um absurdo histórico.
No contexto do desbloqueio das infraestruturas regionais, o governo armênio introduziu o projeto "Encruzilhada da Paz". Baseia-se nos princípios de soberania, jurisdição, igualdade e reciprocidade. Se utilizado, poderá tornar-se parte crucial do processo de paz e contribuir para o reforço dos laços comerciais e econômicos, trazendo à região a tão esperada estabilidade e prosperidade. Embora o Azerbaijão não rejeite formalmente os princípios acima mencionados, continua a promover as ideias que os contradizem os princípios — como, por exemplo, o envio de uma força externa ao longo da infra-estrutura no território soberano arménio, contornando a fronteira da Armênia.
O que é necessário para que Armênia e Turquia normalizem as relações?
A Armênia e a Turquia estão atualmente envolvidas em um processo de negociação destinado a normalizar as relações sem quaisquer condições prévias. No âmbito deste processo, ambos países nomearam representantes especiais para trabalharem na normalização das relações bilaterais. Também houve conversas e vários encontros a nível ministerial, bem como trocas ocasionais entre o primeiro-ministro Pashinyan e o presidente Recep Tayyip Erdogan. Além disso, depois das eleições presidenciais da Turquia, em maio, Pashinyan visitou Ancara e participou da posse do presidente reeleito da Turquia. Alcançamos um acordo sobre a abertura da fronteira terrestre entre Armênia e Turquia para cidadãos de outros países e titulares de passaportes diplomáticos. É importante mencionar que a Armênia concluiu as obras de construção e modernização do posto fronteiriço Margara-Alijan. Estamos totalmente preparados para abrir a fronteira e antecipamos a vontade mútua do lado turco para implementar este acordo. Após o devastador terramoto na Turquia, em fevereiro de 2023, a Armênia enviou uma equipe de busca e salvamento para a Turquia, além de ajuda humanitária. Embora nunca liguemos a nossa resposta à catástrofe humanitária ao processo político, penso que este gesto contribuiu para aumentar a confiança e criar uma atmosfera positiva para as nossas futuras interações.
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