Lisboa — Depois de uma eleição acirrada, em que o grupo vencedor, a Aliança Democrática, não conseguiu fazer maioria na Assembleia da República, Portugal terá um novo governo a partir desta terça-feira (2/4). O novo primeiro-ministro, Luís Montenegro, do Partido Social Democrata (PSD), de centro-direita, anunciou o ministério, mas sabe que terá pouquíssimo tempo para mostrar serviço. Há um descontentamento claro da população quanto aos rumos do país, que enfrenta uma crise sem precedentes na habitação e vê a qualidade dos serviços públicos desabar. As insatisfações incluem, também, médicos, professores e policiais, que vêm fazendo consecutivas greves por melhores salários. Nesse contexto, a extrema-direita arreganha os dentes, pronta para criar embaraços ao governo que se aloja no Palácio de São Bento.
O primeiro teste de Montenegro antes de tomar posse foi dramático. Ele viu três de suas tentativas de fazer o presidente do Parlamento fracassarem, por total incapacidade de costurar o apoio necessário. A vitória do candidato dele, José Pedro Aguiar-Branco, só foi possível após um acordo inédito com o Partido Socialista (PS), que governou Portugal nos últimos oito anos. O acerto prevê que Aguiar-Branco chefie a Assembleia da República pelos próximos dois anos e os socialistas, nos dois anos seguintes. Foi a forma encontrada para evitar uma aliança entre Montenegro a o Chega, partido da ultradireita que elegeu 50 deputados, quadruplicando a bancada em relação a 2022. O novo primeiro-ministro sabe que qualquer proximidade com os radicais de direita pode implodir o partido dele.
O acordo com os socialistas, porém, é limitado. O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, deixou claro que a legenda será oposição ao novo governo. Ou seja, Montenegro terá de mostrar uma habilidade enorme para aprovar a revisão do Orçamento de 2024, que ele tanto defendeu durante a campanha. O remanejamento de receitas e despesas do governo é fundamental para que o primeiro-ministro empossado possa cumprir algumas de suas principais promessas: reajustes de salários para professores, médicos e forças de segurança, apoio às famílias para enfrentar a crise habitacional e corte de impostos. Sem um acerto com o PS, o líder da Aliança Democrática ficará refém da extrema-direita, o que provoca calafrios em sua base no Parlamento.
Do ponto de vista econômico, o novo primeiro-ministro não tem do que reclamar. Há tempos não se vê as finanças públicas tão arrumadas. O Tesouro Nacional está com superavit em caixa, e a dívida federal caiu, pela primeira vez desde 2009, abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB). Mais: a inflação acumulada nos 12 meses terminados em março ficou em 2,3%, depois de superar os 10%, e a atividade cresce acima de 2%, superando a média dos países da União Europeia. Contudo, esse quadro positivo não é percebido pela maioria da população, que reclama dos baixos salários, da perda de poder aquisitivo e da incapacidade de comprar ou mesmo alugar um imóvel. Nunca tantos portugueses se amontoaram em uma mesma casa.
Na marca do pênalti
Os pessimistas dizem que o governo de Montenegro não vai durar sequer um ano, o que é rebatido pelo secretário-geral do PSD, Hugo Soares. Ele garante que a Aliança Democrática fará as mudanças necessárias, e na velocidade desejada pelos portugueses, para "colocar Portugal novamente nos rumos". Há, no entender dele, plena consciência de que é preciso ampliar a oferta de moradias, seja para compra, seja para aluguel, reduzir as filas no Sistema Nacional de Saúde (SNS), recompor os salários de médicos, professores e policiais e dar maior dinamismo à economia. Tudo isso, porém, passa pela construção de um apoio sólido no Parlamento.
Economista e professor do Instituto Universitário de Lisboa (Iscte), Ricardo Arroja tem destacado, por meio de artigos, que, se Montenegro conseguir resolver dois ou três dos principais problemas enfrentados por Portugal, o governo da Aliança Democrática terá valido a pena. Arroja defende, como prioridade, a redução da carga de impostos em relação ao PIB, além de parcerias entre os setores público e privado nas áreas da saúde e da habitação.
O corte de tributos, na avaliação dele, deve beneficiar, sobretudo, os mais jovens, que foram cooptados, em boa parte, pela ultradireita. Já as melhorias no sistema de saúde atingiriam, em cheio, a população mais envelhecida, que reclama da falta de médicos e do sucateamento de hospitais públicos. Essa mesma parcela cobra mais segurança, o que passa pela revisão dos salários de policiais, que também engrossam as fileiras dos defensores do radical Chega. No caso dos professores, o ponto crucial é a tabela de remuneração e de promoções.
Brasileiros à deriva
Os especialistas chamam, ainda, a atenção para a questão migratória, que abrange os brasileiros que vivem em Portugal. Em outubro do ano passado, o governo socialista extinguiu o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), substituído pela Agência para a Integração, Migrações e Asilo (Aima), com a promessa de que os serviços aos imigrantes seriam aprimorados e agilizados. Seis meses se passaram e a situação só piorou, com mais de 340 mil processos pendentes. À época da discussão no Parlamento sobre o fim do SEF, o PSD, de Montenegro, foi contra. Mas, durante a campanha, ele fugiu o quanto pode do assunto.
O certo é que, em meio à confusão criada pelo governo passado, mais de 170 mil brasileiros estão correndo o risco de voltar para a ilegalidade. Esses cidadãos foram regularizados por meio de um acordo firmado entre Portugal e a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP). As autorizações de residência concedidas pelo governo, com validade de um ano, estão vencendo e, até agora, ninguém sabe o que fazer. Havia a promessa de que as renovações dos documentos seriam automáticas, o que não está ocorrendo.
Segundo a advogada Priscila Nazareth Corrêa, são vários os casos de brasileiros que estão perdendo o emprego por causa da autorização de residência vencida. "Conversei pessoalmente com a Coordenadora da Aima no Porto, Isabel Silva, e ela foi enfática ao dizer que o governo não tem uma solução à vista para esses casos", relata. "Estamos falando de pessoas que pagam todos os impostos em Portugal, que escolheram o país para viver e, agora, sem veem em um limbo jurídico", acrescenta. Para piorar, a União Europeia questiona a validade do acordo entre Portugal e a CPLP.
Todo esse problema ocorre em um ambiente perigoso, de aumento da xenofobia em Portugal, estimulada pela extrema-direita. Os empresários já avisaram Montenegro que, sem a mão de obra estrangeira, o país para, sobretudo, nos setores de turismo, que presenta 18% do PIB, e da construção civil. Aliados do novo primeiro-ministro pedem paciência, mas sabem que o relógio já começou a correr contra o governo a ser empossado. Detalhe: por lei, caso a atual administração fracasse, dentro de seis meses, o presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, pode dissolver o Parlamento e convocar novas eleições.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.