As alterações no microbioma intestinal têm sido associadas a várias condições, como diabetes tipo 2, obesidade e doença inflamatória intestinal. Agora, uma equipe de pesquisadores do Broad Institute do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e de Harvard, nos Estados Unidos, em colaboração com o Massachusetts General Hospital, descobriu que os microrganismos presentes no intestino também podem desempenhar um papel em problemas cardiovasculares. Publicado, ontem, na revista Cell, o estudo identificou bactérias específicas que consomem colesterol e ajudam a reduzir os níveis de gordura e o risco de patologias no coração.
Os pesquisadores analisaram metabólitos e genomas microbianos de mais de 1.400 participantes do Framingham Heart Study, um projeto focado nos fatores de risco para doenças cardiovasculares. O grupo descobriu que uma bactéria chamada Oscillibacter é capaz de absorver e metabolizar o colesterol do ambiente intestinal, e indivíduos com níveis mais elevados desse microrganismo tendem a apresentar quantidades mais baixas de gordura.
Os estudiosos identificaram o mecanismo pelo qual essas bactérias quebram o colesterol, indicando que intervenções direcionadas ao microbioma poderiam potencialmente reduzir a gordura. Conforme o artigo, essas descobertas também estabelecem bases para investigações mais aprofundadas sobre como as mudanças no microbioma afetam a saúde.
"Nossa pesquisa integra descobertas clínicas com validação experimental para garantir que obtenhamos insights mecanicistas acionáveis que possam servir como ponto de partida para melhorar a saúde cardiovascular", afirmou, em nota, de Ramnik Xavier, líder do ensaio e professor na Harvard Medical School.
Na última década, outros pesquisadores descobriram conexões entre a composição do microbioma intestinal e elementos das doenças cardiovasculares, como triglicerídeos e níveis de açúcar no sangue após uma refeição. No entanto, a compreensão dessas ligações tem sido limitada pela falta de conhecimento completo das vias metabólicas intestinais.
Fernando Faglioni Ribas, cardiologista da Beneficência Portuguesa, de São Paulo, ressalta que o tipo de flora intestinal promove também maior ou menor metabolização de glicose. "Há um potencial enorme em aumentar a disponibilidade de bactérias que façam o metabolismo de colesterol ruim ou que até reduzam a disponibilidade, por exemplo, de glicose em pacientes que tenham um excesso de glicemia, isso tudo pode favorecer muito o paciente no controle do risco cardiovascular."
"É um desafio. Para fazer análise da microbiota muita estrutura é necessária, é preciso estudar a fundo tudo que o paciente tem na sua microbiota intestinal. É difícil saber a proporção exata para modificar cada microrganismo naquela pessoa. Saber quais os efeitos colaterais relacionados a expor um paciente ao excesso de algum dos germes da microbiota intestinal, também é importante. Essas pesquisas estão muito no começo, eu acho que tem um grande caminho para a frente", ponderou o especialista.
O novo ensaio conseguiu uma visão mais detalhada do impacto dos micróbios intestinais no metabolismo. Combinando o sequenciamento de DNA com a metabolômica — estudo dos metabólitos —, amostras de fezes do Framingham Heart Study foram avaliadas meticulosamente. A abordagem revelou mais de 16 mil associações entre microrganismos e características metabólicas, destacando o papel das bactérias do gênero Oscillibacter na redução dos níveis de colesterol.
Os pesquisadores também identificaram outra espécie bacteriana, Eubacterium coprostanoligenes, que contribui para a diminuição dos níveis de colesterol. "Nosso trabalho destaca a necessidade de uma compreensão mais aprofundada da ecologia intestinal e das interações microbianas para desenvolver estratégias terapêuticas mais eficazes", explicou o pesquisador de pós-doutorado Chenhao Li, coautor do trabalho. "Há muitas novas descobertas a serem feitas que nos aproximam de uma compreensão mecanicista de como os micróbios interagem com o hospedeiro."
Ricardo Cals, cardiologista do hospital Santa Lúcia, em Brasília, sublinha que a descoberta abre caminhos para novos tratamentos. "Novas moléculas têm sido criadas para influenciar no metabolismo do colesterol. Quanto mais opções de medicações a gente tiver para baixar o colesterol, melhor. No entanto, há desafios em manipular a microbiota, tirar esse equilíbrio que tem naturalmente, que é uma bactéria que não causa doença no ser humano, mas que talvez com um número muito maior dos seus integrantes comece a ser patogênica."
Para Ricardo Teixeira Leal, cardiologista do Hospital do Coração do Brasil, da Rede D'Or, também em Brasília, tão importante quanto os resultados do ensaio, é descobrir como estimular determinadas enzimas bacterianas e suprimir outras sem desequilibrar o organismo. Segundo ele, além do colesterol, outras substâncias inflamatórias são liberadas e metabolizadas no intestino.
"Esse ambiente pró-inflamatório piora doenças como hipertensão, diabetes, fibromialgia, doenças reumatológicas, entre outras. A redução da inflamação por meio da modulação dos mediadores teria benefícios inimagináveis no tratamento de todas essas questões."
Esse tema tem sido muito relevante hoje em dia e a modulação intestinal tem se mostrado uma abordagem promissora no tratamento de doenças inflamatórias intestinais, diabetes, hipertensão, obesidade, dislipidemia, doenças autoimunes e doenças neuropsiquiátricas. A escolha de pacientes deve ser individualizada, por meio de avaliação pelo médico gastroenterologista e uma boa história clínica. É conhecido que a doença inflamatória intestinal (DII) tem múltiplos fatores desencadeantes, sendo a microbiota intestinal um desses gatilhos. Além disso, há comprovação científica que doenças com inflamação crônica aumentam o risco cardiovascular dos pacientes. Mais estudos com foco nas alterações da microbiota intestinal proporcionariam alternativas de tratamentos, levando pacientes à remissão da DII e diminuição do risco associado.
Daniela Carvalho, gastroenterologista da clínica Gastrocentro, em Brasília
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