Lisboa — Em um claro aceno à ala mais conservadora da sociedade lusitana, o novo primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, de centro-direita, deixou claro, nesta terça-feira (2/4), em seu discurso de posse, que o governo vai restringir a entrada de imigrantes no país. Segundo ele, o fluxo de estrangeiros para o território luso deve ser regulado, posição muito parecida com a que vem pregando a extrema-direita, responsável por insuflar uma onda de xenofobia. "Queremos um país humanista e acolhedor, que não está nem de portas fechadas nem de portas escancaradas para a imigração", afirmou.
Para Montenegro, as políticas migratórias devem priorizar profissionais qualificados, serem pró-ativas para estudantes e capazes de reunir famílias, melhorando a sua integração à comunidade local. Com isso, acredita ele, será possível garantir a segurança dos cidadãos do país e de seus bens. Há uma parcela da população portuguesa que atribui o aumento da insegurança à presença de imigrantes em terras lusitanas, sobretudo, aqueles de origem asiática, como os indianos, os paquistaneses, os nepaleses e os de Bangladesh. Mas o preconceito também atinge os brasileiros, em especial, as mulheres oriundas do Brasil.
As estatísticas oficiais mostram que os brasileiros formam a maior comunidade de estrangeiros em Portugal. Dados mais recentes apontam que esse grupo soma mais de 400 mil cidadãos vivendo legalmente no país europeu, ou seja, 40% de todos imigrantes. Outros 150 mil aguardam o sistema de imigração para ter acesso à documentação. Há ainda pelo menos 200 mil brasileiros com dupla nacionalidade, que não entram nesta contabilidade. Em 2022, os brasileiros contribuíram com 669 milhões de euros à Segurança Social, a Previdência lusitana, apesar de a ultradireita, representada pelo partido Chega, alardear que os estrangeiros estão sugando os cofres públicos, empobrecendo os portugueses.
O novo primeiro-ministro reforçou, no entanto, a importância de estreitar os laços com os países da Comunidade de Língua Portuguesa (CPLP). A grande pergunta que vem sendo feita pelos especialistas em imigração é como o governo vai lidar com o acordo de mobilidade fechado entre Portugal e esse grupo de nações. Desde o ano passado, pelo menos 200 mil cidadãos da CPLP conseguiram autorização de residência em território luso de forma facilitada. O problema é que esses títulos estão vencendo e não há perspectiva de renovação.
No caso específico dos brasileiros, mais de 170 mil estão ameaçados de retornarem à ilegalidade se nada for feito rapidamente para facilitar as autorizações de residência pela CPLP. Já há vários casos de cidadãos que estão com os documentos vencidos e que vêm sendo dispensados de seus empregos. Até agora, ninguém da administração pública sabe dizer o que será feito com esses títulos, que são contestados pela União Europeia, uma vez que não estão alinhados às diretrizes do bloco. Tanto, que valem apenas em Portugal.
Cobrança à oposição
Enquanto não define claramente a direção que seguirá na questão migratória, Montenegro, que foi eleito por uma pequena margem de votos, sem maioria na Assembleia da República, tenta arrancar apoios da oposição para garantir a sustentação de seu governo. O alvo principal dele é o Partido Socialista (PS), que comandou Portugal nos últimos oito anos. "O PS deve ser claro e autêntico na atitude que vai tomar. Se será uma oposição democrática ou um bloqueio democrático", afirmou. Com esse chamado, além de jogar responsabilidades no colo dos socialistas, o líder da Aliança Democrática demarcou território e se afastou da extrema-direita, que vem se oferecendo, desavergonhadamente, para participar da nova administração.
O primeiro-ministro sabe que não terá vida fácil no Parlamento e que muitas de suas promessas, como a redução do Imposto de Renda para pessoas físicas e para as empresas, os incentivos à habitação e a correção de salários de médicos, professores e policiais só poderão se tornar realidade com o apoio do PS. "Não se está pedindo um cheque em branco nem adesão ao governo, mas se espera que as oposições nos deixem trabalhar", assinalou. Ele disse que está certo de que cumprirá os quatro anos e meio de mandato, ao contrário do que ocorreu nas duas últimas administrações, que foram interrompidas pela metade, ampliando a insatisfação dos portugueses com a política.
Ao listar as prioridades de seu governo, Montenegro tratou logo de puxar para si um tema caro para o país: o combate à corrupção. Foram as suspeitas de irregularidades que derrubaram o último governo, sob o comando de António Costa. Segundo o novo primeiro-ministro, a ideia é reunir propostas de todos os partidos relacionadas a esse assunto e fechar um projeto de consenso para que seja transformado em lei. "O combate à corrupção deve ser nacional. E é preciso reconhecer que há propostas apresentadas por outros partidos que merecem igualmente ser estudadas, discutidas e consideradas. Ninguém tem o monopólio das melhores soluções. O contributo de todos é essencial", frisou.
O objetivo, acrescentou o primeiro-ministro, é abrir o diálogo dentro do Parlamento para que seja fixada uma agenda ambiciosa, eficaz e consensual. "Nossa ideia é que, no prazo de dois meses, tenhamos uma síntese das propostas, das medidas e das iniciativas possíveis de acordar e consensualizar para depois serem devidamente testadas em termos de consistência, credibilidade e exequibilidade. A partir daí, podemos focar na aprovação das respectivas leis, seja por proposta do governo, seja por iniciativa do Parlamento."
Lisboa — Ao dar posse ao novo governo, o presidente de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa, fez questão de enviar uma série de recados ao novo premiê, Luís Montenegro. O mais contundente deles foi o de que o tempo para que as promessas de campanha sejam cumpridas é muito curto. Há, no entender do presidente, boas condições internas para que se possa avançar nas soluções para a habitação, a saúde, a educação e a segurança pública. Para isso, basta que a nova administração não crie problemas onde não existe.
"Onde não temos problemas, não devemos criá-los, como no consenso sobre mais crescimento, investimento e exportações, no equilíbrio das contas públicas, na atenção à dívida externa, pública e privada, e no aproveitamento das vantagens da segurança", afirmou Rebelo de Sousa. Esse alerta, acrescentou, é extremamente importante diante das más condições externas. "Temos um mundo pior agora do que em 2023 e que pode piorar, dependendo da influência das eleições norte-americanas nas guerras, e das guerras na economia, no crescimento, na inflação e nos juros", frisou.
Para ele, quando foram àsurnas, em 10 de março último, os portugueses optaram por dar um mandato a um grupo moderado, representado pela Aliança Democrática. "Os eleitores não escolheram nem o partido que governou nos últimos anos, inclusive com maioria absoluta, nem aquele mais radical", assinalou. Ele destacou ainda o fato de os eleitores terem saído de casa para exercer o direito do voto, em especial, os mais jovens, que ajudaram a reduzir em mais de 10 pontos percentuais os índices de abstenção. "Foi um voto de fé na democracia. Ao inverter a abstenção, que parecia imparável, o eleitor quis dizer que o voto, a liberdade e a democracia valem sempre a pena", ressaltou.
Na opinião do presidente, o diálogo será fundamental para o sucesso do governo agora empossado, sobretudo, porque não conseguiu fazer maioria na Assembleia da República. Será preciso uma ampla negociação para que o país avance nas reformas estruturais, reorganize o modelo do Sistema Nacional de Saúde (SNS), de forma a preservá-lo, melhore a educação e se alie ao setor público para equacionar os gravíssimos problemas na área de habitação, sem esquecer o papel do Estado nesse contexto, de proteger os mais vulneráveis. Outro ponto crucial alertado por Rebelo de Sousa e reconhecido por Montenegro é reter os jovens no país. Um terço dos portugueses que se formam nas faculdades deixam o país todos os anos em busca de melhores oportunidades de trabalho na União Europeia. (VN)
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