Uma operação da polícia do Equador para prender o ex-vice-presidente Jorge Glas na Embaixada do México, em Quito, levou o governo mexicano a cortar relações diplomáticas com o Equador, deflagrou uma onda de condenação por toda a América Latina e motivou a convocação de uma reunião por parte da Organização dos Estados Americanos (OEA). O Brasil alertou sobre um "grave precedente". Em solidariedade ao México, a Nicarágua anunciou a ruptura de todas as relações com o Equador, após chamar a ação de "inusitada" e "condenável".
Glas, que foi vice de Rafael Correa e de Lenín Moreno, estava refugiado na embaixada desde 17 de dezembro passado. Em 2017, foi condenado a seis anos de prisão por associação ilícita no âmbito do caso Odebrecht — a empreiteira brasileira teria pago cerca de US$ 33,5 milhões de propina a funcionários do Equador entre 2007 e 2016. Em 2020, recebeu pena extra de oito anos por suborno agravado. Cumpriu quatro anos e meio de prisão e foi beneficiado com a liberdade provisória.
Por volta das 21h de sexta-feira (23h em Brasília), a chanceler mexicana, Alicia Bárcena, anunciou a concessão de asilo a Glas. "Confio que o governo do Equador lhe dará salvoconduto o quanto antes." Às 22h20 (0h20 deste sábado, em Brasília), os policiais de Quito invadiram a embaixada, capturaram Glas e imobilizaram Roberto Canseco, chefe de Chancelaria e Assuntos Políticos da representação mexicana.
Bárcena avisou a López Obrador sobre a invasão, e, pouco depois das 23h30 (hora local), anunciou a ruptura de relações. A chanceler denunciará Quito à Corte Internacional de Justiça, à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Organização dos Estados Americanos (OEA).
A Presidência do Equador justificou a prisão de Glas e ressaltou que "toda embaixada tem apenas uma finalidade: servir de espaço diplomático para estreitar as relações entre países". "Nenhum delinquente pode ser considerado um perseguido político. Glas foi condenado (...) e contava com mandado de captura."
O governo de Daniel Noboa insistiu que Glas abusou das imunidades e dos privilégios concedidos pela missão diplomática mexicana. Também sublinhou que o Equador é um país soberano e não permitirá a impunidade para um "delinquente". Às 10h15 deste sábado (12h15 em Brasília), Glas deu entrada no Centro de Privação de Liberdade (CPL) Guayas, mais conhecido como La Roca ("A Rocha"), em Guayaquil.
A Secretaria Geral da OEA repudiou qualquer ação que viole ou coloque em risco a involabilidade dos locais das missões diplomáticas e reiterou a obrigação de todos os Estados de não invocarem normas de direito interno para justificar o descumprimento de suas obrigações internacionais. Além de chamar a um diálogo entre as partes, o órgão destacou a necessidade de uma reunião de seu Consejo Permanente para abordar a crise.
"Clara violação"
O Brasil divulgou nota em que "condena, nos mais firmes termos, a ação empreendida por forças policiais equatorianas na Embaixada mexicana, em Quito". "A ação constitui clara violação à Convenção Americana sobre Asilo Diplomático e à Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas que, em seu artigo 22, dispõe que os locais de uma Missão diplomática são invioláveis, podendo ser acessados por agentes do Estado receptor somente com o consentimento do Chefe da Missão", afirma o comunicado do Itamaraty.
De acordo com a chancelaria, a medida "constitui grave precedente, cabendo ser objeto de enérgico repúdio, qualquer que seja a justificativa para sua realização". O presidente Luiz Inácio Lula da Silva retuitou a nota e escreveu: "Toda minha solidariedade ao presidente amigo Andrés Manuel López Obrador".
Coordenador do Seminário de Segurança Nacional da Universidade Nacional do México (Unam), Javier Posada afirmou que o governo de Daniel Noboa violou todo o protocolo internacional da Convenção de Viena em relação à inviolabilidade das instituições diplomáticas. "O Equador abriu um precedente muito negativo, no contexto da América Latina. Sabemos que há muitas diferenças políticas entre os presidentes Javier Milei (Argentina), Gustavo Petro (Colômbia) e López Obrador (México). Esse tipo de violação produziu uma consequência lógica e natural: a ruptura das relações diplomáticas entre México e Equador", disse ao Correio. De acordo com Posada, López Obrador tem se equilibrado em uma política externa errática. "Há pouco tempo, pediu o fim da OEA. Ele terá que recorrer aos fóruns internacionais."
Carlos Estarellas Velásquez, ex-subsecretário de Relações Exteriores do Equador, explicou ao Correio que a crise entre Quito e México está relacionada a uma série de erros. "Tudo começou com López Obrador, ao insinuar sobre a política equatoriana, violando o princípio de não intervenção, básico no direito internacional." O segundo erro foi a outorga de asilo a Glas. Outro equívoco foi a invasão à embaixada."
Evasão da Justiça
Mario Pazmiño — ex-chefe de Inteligência do Exército equatoriano — ressaltou que Glas tinha sentença executória e tentou escapar da ação penal refugiando-se na embaixada. "A representação o tratava como hóspede e não lhe deu o status de asilado. Sabia que, se o fizesse, violaria o Acordo de Caracas, segundo o qual nenhuma embaixada pode receber como asilado uma pessoa condenada", disse à reportagem. "Glas era uma procurado pela Justiça equatoriana, a qual deseja o cumprimento da pena de oito anos e que seja submetido mais dois julgamentos."
A crise entre Equador e México ocorre dez dias depois de outro imbróglio diplomático, desta vez entre Bogotá e Buenos Aires. A Colômbia expulsou diplomatas da Argentina após uma série de insultos do presidente argentino, Javier Milei, que chamou seu contraparte colombiano, Gustavo Petro, de "assassino" e "terrorista".
Argentina
O Ministério das Relações Exteriores, Comércio Internacional e Culto divulgou nota em que afirma se unir aos países da região na condenação à invasão da embaixada. O govermo Milei também convocou o Equador à plena observância das disposições da Convenção sobre Asilo Diplomático de 1954.
Chile
Gabriel Boric, presidente do Chile, expressou "toda a solidariedade com o México ante a inaceitável violação de sua soberania mediante a invasão da polícia equatoriana na Embaixada do México em Quito". "Um abraço fraterno, Andrés Manuel López Obrador", escreveu na rede social X, o antigo Twitter.
Colômbia
"A Convenção de Viena foi quebrada, assim como a soberania do México no Equador", escreveu o presidente Gustavo Petro. "Volto a insistir que a América Latima e o Caribe, quaisquer que sejam as construções sociais e políticas em cada país, deve manter vivos os preceitos do direito internacional em meio à barbárie que avança no mundo e o pacto democrático dentro do continente. AColômbia respeita o direito universal ao asilo político."
Cuba
O presidente Miguel Díaz-Canel Bermúdez também demonstrou "toda a solidariedade" ao México e classificou a invasão como "inaceitável". "Todos devem respeitar a Convenção de Viena sobre Relações Diplomáticas, que é um componente essencial do direito internacional", defendeu.
Nicarágua
O governo do presidente Daniel Ortega informou, em nota, que, "diante da ação inusitada e condenável (...), expressa nossa rejeição contundente, enfática e irrevogável, que convertemos em nossa Decisão Soberana de romper todas as relações diplomáticas com o governo equatoriano".
Venezuela
O presidente Nicolás Maduro denunciou "um ato de barbárie nunca visto na América Latina" e culpou o "governo de direita pró-ianque do Equador". "A Venezuela levanta sua voz, de forma contundente, para rechaçar esse ato fascista contra o Direto Internacional e expressa sua plena e absoluta solidaridade ao presidente Andrés Manuel López Obrador e ao povo do México".
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