23 de Novembro de 2024

Morre Ziraldo, o pai do Menino Maluquinho e um dos maiores cartunistas do país


Morreu neste sábado (6/4), aos 91 anos, Ziraldo, criador do Menino Maluquinho (1980), autor do clássico Flicts (1969) e de centenas de outras histórias e personagens que povoam o imaginário infantil há gerações.

Formado em direito, ele foi cartunista, chargista, escritor, pintor, dramaturgo, cronista, apresentador e humorista, entre outras atividades ao longo de mais de seis décadas de carreira. Sua saúde debilitou-se após três acidentes vasculares cerebrais sofridos a partir de 2018, quando passou a não dar mais entrevistas por recomendação médica.

Em um vídeo gravado em 2019 para divulgação de uma exposição dedicada a ele, Ziraldo comentou que não estava triste, ao se desculpar pela voz um tanto abatida. Era a idade que havia chegado.

"Vocês podem achar que eu estou um pouco triste, falando devagar, porque não é meu estilo. Acontece que eu de repente fiquei velho. Foi outro dia. Eu acordei de manhã e estava velho", disse ele, vestindo um de seus indefectíveis coletes. "Mas eu estou alegre, estou feliz da vida."

No mesmo ano, negou ele mesmo um boato de que teria morrido ao publicar uma foto em sua conta no Instagram, dizendo estar “firme e forte”. Ao ser procurado por jornais para comentar o boato, disse estar “ocupado demais celebrando a vida”.

Ziraldo Alves Pinto nasceu em 24 de outubro de 1932 em Caratinga, Minas Gerais. Mais velho de sete irmãos, seu nome é a combinação dos nomes da mãe, Zizinha, com o do pai, Geraldo, como é comum no interior do Brasil.

O cartunista passou a infância em Caratinga, onde cedo revelou sua paixão pelo desenho e pela leitura, principalmente de revistas em quadrinhos. O menino Ziraldo, diz sua página oficial, desenhava em todos os lugares: na calçada, nas paredes, na sala de aula. Em 1939, com apenas 6 anos, viu seu primeiro desenho ser publicado no jornal Folha de Minas.

Adolescente, mudou-se com o avô para o Rio de Janeiro, onde viveu por dois anos. Retornou a Minas para terminar o curso científico (atual ensino médio) e, em 1957, formou-se em direito em Belo Horizonte. Nessa época, no entanto, sua carreira já estava totalmente voltada para o desenho.

Ziraldo começou a colaborar mensalmente com a revista Era uma Vez. Em 1954, passou a publicar uma página de humor na Folha de Minas, o mesmo jornal que havia veiculado seu primeiro desenho ainda criança. Ao terminar a faculdade, começou a publicar suas criações em revistas nacionais como O Cruzeiro, publicação dos Diários Associados, e no Jornal do Brasil, veículos que ficavam no Rio de Janeiro, onde voltou a morar.

Se 1968 ficou conhecido como “o ano que não acabou”, nas palavras do contemporâneo Zuenir Ventura, o de 1969 marcaria para sempre a carreira de Ziraldo. Em meio a prisões e perseguições, o artista foi contemplado com o principal prêmio do 32º Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, considerado o Oscar do humor, depois de ter trabalhos publicados em revistas na Europa e Estados Unidos.

Foi também em 1969 que recebeu o Merghantealler, prêmio que homenageia o trabalho pela imprensa livre na América Latina dado pela Associação Internacional de Imprensa. Ziraldo ainda se tornaria o primeiro artista latino convidado a desenhar o cartaz da campanha anual do Unicef.

Antes do fim daquele ano, publicaria ainda seu primeiro livro infantil, Flicts. A história de uma cor que não encontrava seu lugar no mundo, contada como um poema gráfico, com o mínimo de palavras, encantou crianças e adultos. Dado de presente pela Embaixada dos Estados Unidos no Brasil aos astronautas americanos que fizeram parte da primeira expedição à lua na sua visita ao país, o livro comoveu Neil Armstrong, que escreveu ao autor: “A lua é Flicts”.

Nas décadas seguintes, Ziraldo passaria a se dedicar mais a sua outra grande paixão, as histórias para crianças, que devorava desde menino em Caratinga. Em 1980, lançou O Menino Maluquinho, sucesso de vendas e ganhador do prêmio Jabuti, o principal das nossas letras.

O menino com uma panela na cabeça e sua capa e espada improvisadas se converteu num dos maiores fenômenos editoriais da literatura infantil, com mais de 4 milhões de exemplares vendidos até hoje e adaptações para o teatro, cinema, série de TV e até ópera.

Desde então, foram mais de 100 livros publicados como autor, colaborador ou ilustrador, e muitos outros best-sellers. Uma Professora Muito Maluquinha, de 1995, já vendeu mais de meio milhão de exemplares. O Bichinho da Maçã, de 1982, mais de 300 mil. As histórias de Ziraldo também chegaram a crianças do mundo todo, traduzidas em espanhol, italiano, inglês, alemão e francês, entre outras línguas.

Figura sempre ligada à esquerda, o artista foi membro do Partido Comunista Brasileiro. Em 2005, se filiou ao recém-criado Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), para o qual desenhou o logo. Nas eleições, declarou apoio público a candidatos do Partido dos Trabalhadores (PT), como nas duas vezes em que Dilma Rousseff ganhou a eleição e em 2018, quando Fernando Haddad ficou em segundo lugar.

Em 2008, Ziraldo e mais vinte jornalistas que foram perseguidos durante a ditadura, entre os quais o colega Jaguar, tiveram seu processo de indenização aprovado pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça. O cartunista foi indenizado em mais de R$ 1 milhão, além de receber uma pensão vitalícia de cerca de R$ 4 mil reais. Criticado por alguns colunistas na época, disse que o Brasil lhe devia indenização.Ao longo dos anos 1960, expandiu seus talentos como chargista, caricaturista e artista gráfico, criando cartazes para filmes hoje considerados clássicos do cinema nacional, como Os Cafajestes e Os Fuzis, de Ruy Guerra.

Foi também a época em que se consagrou com seus cartuns e charges políticas na revista O Cruzeiro e no Jornal do Brasil. Personagens como Jeremias, o Bom, a Supermãe e o Mineirinho tornaram-se populares.

Em paralelo, o artista realizava um antigo sonho de infância: se tornava o primeiro autor de uma revista em quadrinhos brasileira de um só criador, reunindo personagens da turma do Saci Pererê, importante personagem do folclore brasileiro, que já publicava nas páginas de O Cruzeiro.

Com personagens como uma criança indígena, e animais típicos da nossa fauna, como a onça, o jabuti e o tatu, a Turma do Pererê marcou época na história dos quadrinhos no país, apesar de ter circulado só até 1964. Em 1973, a editora carioca Primor reeditou uma seleção de suas melhores histórias, que passaram a fazer parte de vários livros didáticos.

Durante a ditadura militar (1964-1985), Ziraldo continuou a publicar suas charges e cartuns políticos e, mais do que isso, tornou-se uma das grandes vozes da resistência ao autoritarismo e da defesa da democracia. Seu engajamento o levou a ser preso três vezes durante o período, a primeira delas em dezembro de 1968, apenas um dia após a decretação do Ato Institucional Número 5, o AI-5, que deu início ao momento mais duro do regime.

No ano seguinte, fundou junto com o colega Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral O Pasquim, semanário de humor que virou um fenômeno editorial brasileiro ao se tornar o veículo da contracultura da época (abordando temas como sexo, drogas, feminismo e divórcio) e de oposição ao regime militar. O jornal foi também, na descrição de Ziraldo, o grande celeiro de humoristas do pós-1968.

No ano seguinte, ele e toda a equipe do jornal seriam presos, na primeira de muitas perseguições que O Pasquim sofreu. Até o fim da ditadura, houve ainda ataques a bomba à redação e a algumas bancas onde o jornal era vendido. "Ter podido atravessar os anos de chumbo fazendo o Pasquim foi uma dádiva. Morríamos de medo, mas fazíamos de tudo", disse Ziraldo à Folha de S.Paulo em 2007.

Na ocasião, o cartunista também comentou sobre sua tentativa de ressuscitar o jornal em 2002, como “O Pasquim 21”. Apesar de ter durado até 2004, o projeto se somaria à lista de fiascos editoriais em que investiu, como as revistas "Palavra" e "Bundas", uma sátira ao sucesso da “Caras”, em 1999. Depois dessas experiências, disse ter desistido do jornalismo. "Cansei de levar porrada. Eu sou o rei dos bons projetos e dos fracassos econômicos."

“Eu quero que morra quem está me criticando. Porque é tudo cagão e não botou o dedo na seringa. Enquanto eu estava xingando o [ex-presidente João] Figueiredo e fazendo charge contra todo mundo, eles estavam servindo à ditadura e tomando cafezinho com o Golbery [do Couto e Silva, general chefe da Casa Civil no governo Geisel]. Então, qualquer crítica que se fizer em relação ao que está acontecendo conosco eu estou me lixando”, disse na época ao jornal O Globo.

Dois anos depois, o cartunista, seu irmão, Zélio Alves Pinto, e outras dez pessoas foram condenadas pela Justiça Federal do Paraná por improbidade administrativa e registro indevido de marca durante a realização do Festival Internacional do Humor Gráfico das Cataratas do Iguaçu (Festhumor), em 2003.

Ziraldo foi condenado a dois anos, dois meses e 20 dias de reclusão, além do pagamento de multa. Mas o juiz trocou a prisão por prestação de serviço à comunidade ou entidades públicas, e o pagamento de um salário mínimo mensal pelo mesmo período da pena. "É uma dessas desgraças que acontecem na vida. Um sujeito com a minha biografia tem de enfrentar uma praga dessas", disse ele ao G1.

Ziraldo foi casado com Vilma Gontijo Alves Pinto, com quem teve os três filhos: a cenógrafa e cineasta Daniela Thomas, o músico e compositor Antônio Pinto e a também cineasta Fabrizia Alves Pinto, além de quatro netos. Desde 2002, estava casado com a produtora Márcia Martins.

Recluso nos últimos anos, o cartunista chegou aos 90 em 2022 cercado de homenagens à sua obra. O Menino Maluquinho se tornou série de animação da Netflix e dois de seus livros ganharam relançamento em edições especiais: O Bichinho da Maçã e Menina Nina.

Um livro-homenagem foi lançado pelo cartunista Edra, com 45 cartuns e 45 depoimentos de pessoas que foram influenciados por Ziraldo: 90 Maluquinhos por Ziraldo - Histórias e Causos.

Seus personagens e histórias também ganharam a exposição Mundo Zira – Ziraldo Interativo, que teve curadoria da filha Daniela Thomas em parceria com uma de suas sobrinhas, Adriana Lins.

"O Ziraldo afetou e moldou cinco gerações. Afetivamente e com relação a infância, todo Brasil cresceu junto com as criações do meu pai", disse Daniela durante o lançamento. "Não queremos deixar esse espírito morrer, ele envelheceu, claro. Mas a obra está muito viva."

Autor de best-sellers infanto-juvenis, Pedro Bandeira definiu Ziraldo à época como “um mestre, mas não imitável". "Ninguém pode ser Ziraldo. Quando ele ilustra, o livro inteiro cresce, explode e se magnifica”.

Fonte: correiobraziliense

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