O último gole na lata de cerveja. A última mordida apressada no lanche. O último beijo em quem se ama e vai deixar para trás.
Um clima de euforia pela semana passada longe da prisão misturado à tristeza e muito choro pelo retorno.
Assim foi a volta de dezenas de detentas a um presídio feminino de São Paulo após aquela que pode ter sido a última saída temporária de presos no Brasil.
Uma semana antes, logo após cruzar a muralha e os portões da Penitenciária Feminina da Capital, na Zona Norte de São Paulo, Sabrina*, de 31 anos, estava ansiosa para rever os filhos de 9 e 13 anos e aproveitar cada uma das 168 horas que teria em liberdade.
“Vou fazer uma salada de maionese com batata, cenoura, ovo, ervilha e pimenta. Aqui dentro a comida é péssima, não tem tempero", disse ela, que preferiu não dizer por qual crime cumpre pena.
A lista do que Sabrina quer fazer é grande, e ela enumera as prioridades.
“Quero ver minha família e os meus amigos, pegar uma piscina no Sesc. Depois, vou à igreja e claro que quero paquerar também. Na vontade que estou aqui dentro…”
Quando questionada sobre o retorno, ela diz que prefere nem pensar: "A volta é desesperadora".
Após aprovação com folga no Congresso, o fim das conhecidas “saidinhas” só depende da assinatura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que tem até a próxima quinta-feira (11/4) para tomar sua decisão.
É improvável que a medida não entre em vigor, pois, mesmo se Lula vetá-la, sua decisão pode ser derrubada por parlamentares que apoiaram em peso o fim da saidinha.
A BBC News Brasil acompanhou a saída e o retorno das detentas da Penitenciária Feminina da Capital em meados de março para entender como funciona o benefício, o que elas querem fazer no período em que ficam do lado de fora das grades e como é a volta à prisão.
Hoje, presos de ambos os sexos que estão no regime semi-aberto podem sair cinco vezes por ano, por um período de até sete dias, para visitar familiares e amigos. Eles também podem deixar a prisão em parte do dia para estudar ou trabalhar.
Essas saídas temporárias são feitas nos meses em que caem os feriados de Páscoa, Dia das Mães, Dia dos Pais, Finados e Natal/Ano Novo. O direito à saidinha existe desde 1984, quando a Lei de Execução Penal entrou em vigor.
Hoje, há 186 mil detentos no país que cumprem pena no semi-aberto, de acordo com a Secretaria Nacional de Políticas Penais.
Outros 350 mil estão presos no regime fechado, e 202 mil estão em prisão provisória, ou seja, foram acusados de um crime, mas ainda não foram condenados.
Para ter direito ao regime semiaberto, o preso deve ter cumprido 1/6 da pena, se for réu primário, ou 1/4, se já tiver sido preso antes.
O preso ainda deve ter um histórico de bom comportamento para ler liberado em uma saidinha. São os diretores dos presídios que indicam à Justiça quem está apto a receber o benefício.
Nos sete dias em que fica fora da prisão, o preso precisa permanecer na cidade indicada, estar na residência onde indicou que vai dormir das 19h às 6h e não pode frequentar bares, casas noturnas, de apostas e de prostituição.
Também não pode usar de drogas ou tomar bebidas alcoólicas. Quem usa tornozeleira eletrônica não pode retirar o equipamento.
Guilherme Derrite, secretário da Segurança Pública de São Paulo, que foi exonerado do cargo para voltar à posição de deputado federal e assumir a relatoria do projeto para acabar com a saidinha na Câmara, diz que a intenção é “defender a sociedade”.
“Bandido tem que cumprir pena, e o crime não pode ser lucrativo. O criminoso tem que ter receio de cometer um delito. Ele tem que saber que, se cometer, não vai ter privilégio”, afirma à BBC News Brasil.
Para ele, o benefício das saídas temporárias põe em risco a vida de milhares de pessoas no país, porque são pessoas que ainda não cumpriram completamente suas penas.
“É uma imoralidade, um absurdo, uma aberração jurídica que eu graças a Deus consegui acabar com ela.”
Centenas de pessoas aguardavam do lado de fora da Penitenciária Feminina da Capital pela saída das detentas antes do feriado de Páscoa.
Ali, estão presas mulheres acusadas de diversos crimes, como roubo, tráfico de drogas, homicídio e estelionato. O número de detentas dessa unidade não foi informado pela Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP).
Cercada por muralhas brancas, a unidade é vizinha ao Parque da Juventude, que foi construído onde ficava o antigo presídio do Carandiru, demolido em 2002 após o massacre em que 111 presos foram mortos.
Na manhã de março na qual a reportagem visitou a área externa da unidade, fazia sol e o calor estava forte. Idosos e crianças pequenas, incluindo recém-nascidos em carrinhos de bebê, lotavam a calçada de acesso ao presídio na hora em que as presas eram liberadas. Homens eram minoria.
A detentas saíram da prisão usando o uniforme composto por calça bege e camisa branca. O traje foi logo dispensado ali mesmo. No lugar, a maioria vestiu calça legging e um top.
Integrantes do Por Nós, um grupo formado por ex-detentas e ativistas voluntárias, as aguardavam do lado de fora para oferecer roupas, além de comida e água.
A intenção é que as presas façam uma refeição antes de ir para casa — a última tinha sido no fim da tarde do dia anterior — e escolham novas roupas para que elas não sejam estigmatizadas pelos "trajes de presídio".
Muitas não tinham dinheiro para pagar a condução até a casa de suas famílias e pediam R$ 5 para pegar algum transporte público.
Um grupo de voluntários da Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo (OAB-SP) tirava dúvidas jurídicas das detentas.
Esses advogados explicavam sobre os meandros da Justiça e coletavam denúncias sobre as condições de vida nos presídios para encaminhá-las aos órgãos responsáveis.
“Há idosas, gestantes e pessoas com comorbidades que não podem estar nesta unidade, mas não sabem", explicou a advogada Larissa de Melo Itri à BBC News Brasil.
"Também tem gente que já cumpriu a pena e precisa de ajuda da Defensoria, então, cuidamos de tudo isso.”
Ambulantes aproveitavam para vender cigarros, cerveja e drinks na calçada do presídio — o mais pedido foi whisky com energético e gelo de coco, servido no copo grande.
Comer bem foi um desejo unânime das detentas ouvidas pela reportagem.
A maioria queria um lanche do McDonald’s. Há uma unidade da franquia a menos de 500 metros da porta do presídio.
Kátia*, de 45 anos, que cumpre pena por roubo, disse que iria para lá antes mesmo de voltar para casa.
“Vou pedir o maior lanche que tiver, com direito a batata grande e sorvete. Isso é sentir o ar da liberdade”, contou eufórica à reportagem.
"Depois, só quero passar o dia todo com meus filhos e dois netos. É um momento que contei dia a dia até chegar. Estou muito feliz."
Pela lei atual, presos do semiaberto podem sair da prisão cinco vezes ao ano, por até sete dias corridos, para visitar a família, estudar e participar de atividades de ressocialização.
O projeto de lei aprovado no Congresso que acaba com a saidinha prevê que, a partir de sua sanção, os presos sejam liberados apenas para fazer cursos profissionalizantes ou para fazer o ensino médio ou uma faculdade.
Nesses casos, o preso poderá sair todos os dias e durante o tempo necessário para assistir às aulas e se formar.
O local desse estudo deve ser na mesma comarca onde o detento cumpre pena. O benefício é condicionado ao bom aproveitamento do detento nos estudos. Caso necessite de transporte, esse custo fica a cargo do aluno.
Se ele ou ela não tiver um bom desempenho e conduta durante o curso, a medida poderá ser cancelada pelo juiz responsável.
O novo projeto também passa a vetar em todas as circunstâncias a saída de presos condenados por crimes cometidos com violência ou grave ameaça e hediondos, como homicídio, latrocínio e sequestro, que hoje têm direito ao benefício.
A oposição ao governo no Congresso abraçou a proposta, e o Partido Liberal (PL), sigla de Jair Bolsonaro, conseguiu emplacar a relatoria tanto na Câmara quanto no Senado: além de Derrite, deputado por São Paulo, o posto coube ao senador Flávio Bolsonaro (RJ), filho do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Em entrevista à BBC, o deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), autor do projeto de lei, de 2011, afirmou que o novo texto desvirtua da proposta original.
"Não concordo com esse texto. O projeto piorou muito", disse o deputado.
Pedro Paulo diz que sua intenção original era adotar critérios mais rígidos para permitir as saidinhas, não extinguir o benefício.
Uma das suas sugestões era a exigência de uso de tornozeleira eletrônica por todos os presos durante a saída temporária e liberação mediante exames criminológicos para atestar que o detento tem condições de sair.
Outro ponto era vetar o benefício a pessoas que cumprem pena por crimes hediondos — ponto que foi mantido na redação final do projeto aprovado.
“A intenção é ter critérios para não ter episódios como o do Rio de Janeiro no qual você coloca em saidinha chefes de organizações criminosas. Ou ainda criminosos potenciais, que é o caso de Minas Gerais, no qual o sujeito saiu e matou um pai de família”, afirma Pedro Paulo.
O secretário Guilherme Derrite diz que o texto original era “muito ruim” e tratava a saidinha de maneira branda.
“A única coisa que aproveitei do projeto dele foi o número. Porque eu tenho que tratar esse tema com tolerância zero. Quem comete crime é tolerância zero no Brasil”, diz.
Por sua vez, Pedro Paulo argumenta que a saidinha é importante para que um preso volte aos poucos a conviver em sociedade.
"A saidinha (tem que ser observada) sob esse aspecto da ressocialização ao ambiente comunitário, à sua família, à sociedade que ele vai conviver quando terminar a pena. Por isso, é um erro o projeto do jeito que está", diz.
Isabel*, que cumpre pena por roubo, disse ao sair do presídio naquela manhã de março que considerava a possibilidade de perder o benefício uma injustiça.
"Eles deveriam fazer uma separação entre a gente e os homicidas", disse ela.
Encostada na grade enquanto bebia água sob o forte calor, Isabel fazia planos.
"Eu só tenho mais um mês de pena para cumprir. Quando eu sair, vou comprar um carrinho para vender churrasco grego na minha cidade", diz.
Aquela saidinha não era sua primeira, mas Isabel não soube dizer quantas vezes já tinha sido liberada.
Como de costume, ela iria para casa ver seus seis filhos. Ela estava apreensiva com a possibilidade de aquela ter sido sua última saída temporária.
"E agora, vou ficar sem ver meus filhos quanto tempo?", disse à reportagem.
"Sinto vontade de morrer quando volto, mas é melhor do que ficar sem sair. Por sorte, tenho uma irmã de ouro que cuida dos meus filhos, senão seria ainda pior a sensação."
O fim da saidinha tem sido considerado um nó a ser desatado por Lula.
Por um lado, o presidente tem sido pressionado por parte de sua base para vetar o projeto.
A proposta foi aprovada em um momento em que a violência e a segurança pública são a principal preocupação dos brasileiros e viraram um vespeiro para o governo.
O próprio PT liberou sua base para votar como quisesse no Senado e na Câmara.
No Senado, três petistas votaram a favor do fim da saidinha, um se absteve, um votou contra e três não votaram. O placar final foi de 62 votos a 2 a favor da extinção do benefício.
Na Câmara, a votação foi simbólica, quando não há registro individual de votos.
Lula tem 15 dias úteis a partir da aprovação para apreciar o projeto. O prazo se esgota nesta quinta-feira.
Caso o presidente vete todo o projeto total ou partes dele, o Congresso poderá derrubar sua decisão em votação, com maioria absoluta.
O veto seria uma medida considerada impopular e indesejável quando as pesquisas apontam uma queda na aprovação de Lula.
Outra possibilidade é que Lula não se manifeste a respeito. Neste caso, segundo o defensor público e mestre em direito público pela FGV-SP Renato De Vitto, ocorrerá automaticamente a sanção tátita.
"Se ele (presidente) vetar algum dispositivo, pode haver derrubada do veto pelo Congresso, com maioria absoluta", explica Vitto.
Advogado e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), ele explica que o presidente não pode fazer alterações no texto. "Ele pode vetar artigos, incisos ou alíneas, mas não pode vetar palavras dentro de um trecho, basicamente".
Os especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que Lula sofreria novas derrotas caso isso ocorresse e daria mais munição à oposição.
“Nós, que representamos o povo brasileiro na Câmara dos Deputados no Senado, esperamos que ele sancione o mais rápido possível", diz Derrite.
"Caso ele opte pelo veto, será a um dos maiores erros políticos que ele vai cometer na carreira dele.”
Derrite, que era policial militar antes de entrar para a política, é hoje considerado um braço direito do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos).
A gestão da segurança pública por Derrite e Tarcísio foi criticada após a Operação Escudo, da Polícia Militar, terminar na última semana com 56 mortos na Baixada Santista.
A ofensiva na região do litoral paulista iniciou após a morte de um policial da Rota, a tropa de elite da PM, na região no fim de janeiro.
A operação, no entanto, foi intensificada após outro PM da Rota ser atingido por um tiro no rosto enquanto entrava em uma favela do município. A ação foi flagrada pela câmera corporal acoplada ao uniforme do policial.
Após ser denunciado pela ONG Conectas e a Comissão Arns à Organização das Nações Unidas (ONU) por conta das “operações letais e escalada da violência policial na Baixada Santista”, o governador debochou das acusações.
“Sinceramente, nós temos muita tranquilidade com o que está sendo feito. E aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí", disse em entrevista coletiva no início de março.
Tarcísio e Derrite têm se articulado para propor mudanças na legislação penal além do fim da saidinha e se reuniram em Brasília no fim de março com o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e deputados de partidos com PL, PP, PSD, Republicanos e União Brasil para discutir o assunto.
Como parte deste esforço, Derrite foi exonerado da Secretaria da Segurança Pública para relatar o projeto que da saidinha.
Nove dias depois, com a votação concluída e o projeto aprovado, ele se licenciou de novo do cargo de deputado federal para reassumir a pasta em São Paulo.
Ao argumentar a favor da medida, Derrite contesta o dado passado à BBC News Brasil de que uma pequena parcela dos presos não voltam para os presídios após as saidinhas.
"Eu vi a esquerda dizendo que só 5% não voltam. Só que 5% de 35 mil são muitos criminosos que não voltam", diz, em referência ao número total de presos do Estado de São Paulo.
Para Derrite, esse número é significativo no longo prazo: "Eu tive o cuidado de fazer essa conta. Do ano de 2006 até 2023, foram mais de 128 mil criminosos que não voltaram para os presídios no Brasil".
Na saidinha de Páscoa, entre 12 e 18 de março, foi autorizada a saída temporária de 32.395 presos, segundo a SAP, dos quais 1.438 não retornaram, o equivalente a 4,4%.
Na capital paulista, dos 738 liberados temporariamente, 53 não voltaram, o que corresponde a 7,1%.
A SAP não informou os números específicos da Penitenciária Feminina da Capital.
Kátia estava em sua terceira saidinha naquela manhã de março. Na segunda, em 2019, ela não voltou e foi recapturada em 2021.
Desta vez, ela disse que voltaria, porque estava perto de cumprir sua pena, no fim de 2024. Tomar uma punição pode adiar sua liberdade definitiva.
Já pensando neste momento, ela disse que usaria o tempo em casa para procurar um emprego.
“Quero começar a trabalhar assim que eu sair. Já fui ajudante de cozinha, faço faxina. Só preciso de uma oportunidade.”
Ao lado dela na calçada do presídio, Rebeca*, de 29 anos, presa por tráfico internacional de drogas, também disse que aproveitaria os sete dias para procurar trabalho no litoral paulista, onde vive.
Ela conta que tem experiência como frentista, recepcionista e auxiliar veterinária.
Mas também diz que vai aproveitar o tempo para comer o que mais gosta e se divertir.
“Estou morrendo de vontade de ir num rodízio de comida japonesa. E é claro que vou pegar muita praia para voltar com marquinha”, conta Rebeca sorrindo.
A reportagem conversou com agentes penitenciários, detentos e associações de presos sobre a possibilidade de ocorrerem protestos e rebeliões, caso a saidinha seja sancionada pelo presidente.
A maioria acredita que não haverá revoltas, mas não descarta definitivamente a hipótese.
Eles citam que a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que em sua origem foi criada com a ideologia de defender os direitos dos presos, está mais preocupada com suas ações lucrativas, como o tráfico de drogas.
“Eles perderam essa ideologia ao longo dos anos", diz uma fonte que já esteve presa durante anos e que ainda mantém contato constante com internos, mas pediu para não ser identificada.
"Hoje, a gente só verá uma possível revolta se isso surgir da própria massa carcerária porque o partido (como é conhecido o PCC) não parece muito interessado."
Agentes penitenciários informaram que há conversas entre internos de que pode haver rebeliões, mas ainda não há um planejamento concreto.
Derrite diz que também não tem informações sobre possíveis rebeliões, mas afirma que o Estado está preparado para contê-las.
O advogado Luís Felipe Bretas Marzagão, especializado em Direito Penal e Direito Processual Penal, afirma que a extinção da saidinha impede que a ressocialização gradativa dos detentos seja feita.
Para ele, não há números que demonstrem a necessidade de eliminar a saidinha. Ele cita que menos de 5% dos presos não voltam do benefício em São Paulo.
"Nenhuma pesquisa aponta para uma necessidade de acabar com esse benefício", diz Marzagão.
"Esta nova lei vai apenas prejudicar os presos que têm bom comportamento e querem progredir aos poucos."
Ariel de Castro Alves, advogado especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública, também concorda que a saída temporária é uma maneira de verificar se o preso está "evoluindo ou não no processo de ressocialização".
"Se o preso sai e cumpre as regras de ficar na residência da família, não sair à noite, não ir em bares e casas noturnas, vai e volta nos dias e horários estabelecidos pelo sistema prisional, e não se envolve em brigas e em crimes, significa que ele está em processo de ressocialização, em preparação para retornar ao convívio social em liberdade."
Os minutos finais do retorno da saidinha de Páscoa das detentas na Penitenciária Feminina da Capital foram marcados por um corre-corre para elas não cruzarem o portão antes do prazo final para retorno e arriscarem uma punição.
Entre lágrimas e despedidas de última hora, elas entraram, deixando do lado de fora as famílias que as acompanharam até os minutos finais.
Parentes das presas ainda ficaram na lateral do presídio para dar mias um adeus antes de elas cruzarem um segundo portão que leva à parte interna do presídio.
Crianças, homens e mulheres tentavam se comunicar com as presas a cerca de 50 metros de distância com gritos e gestos.
Uma das pessoas do lado de fora das grades era Regina Peres da Silva, de 56 anos, que agitava os braços e fazia gestos em formato de coração para a filha.
Do lado de dentro, a moça escrevia letras no ar com os dedos para formar frases à distância para mandar recados à mãe.
Mas a presa era muito mais hábil do que sua mãe nesta forma de comunicação aprendida na cadeia para enviar mensagens de celas à distância. Regina não conseguia decifrar o que a filha queria dizer com a sequência de letras desenhadas no ar.
Para ela, a saidinha ajuda sua filha a valorizar o que ela tem fora do presídio e a incentiva a querer ter um bom comportamento para ser libertada o quanto antes.
"Aí dentro, ela come arroz azedo e carne com bicho. Do lado de fora, dormiu todos os dias comigo e com os três filhos dela”, conta Regina.
"Acordar hoje e saber que eu a entregaria aqui foi dolorido demais."
Já Eliane Domingues, de 36 anos, contou que a filha, presa por tráfico, cumprirá a pena no regime semiaberto até janeiro de 2025.
Para ela, as saídas temporárias funcionam como um momento essencial tanto para as presas quanto para as famílias. “Ela fica muito mais tranquila porque faz as coisas que ama", conta.
"A primeira coisa que ela fez foi ir com o sobrinho dela comer um lanche. Ela estava com tanta saudade que até molhou a batatinha no sundae.”
No ponto de vista de Eliane, caso o projeto que acaba com a saidinha seja sancionado, os familiares devem fazer se manifestar contra a decisão.
“As mães não podem aceitar isso. Temos que nos reunir e bater panela", disse.
Cerca de 40 minutos após o fechamento dos portões, uma chuva torrencial caiu na região do presídio. Algumas ruas alagaram.
Eliane ainda estava por ali, pensativa, olhando a tempestade. Ela lamentou o possível fim das saidinhas.
"A volta delas dói demais, mas precisamos aceitar. Agora, acabar com esse direito e sacrificar famílias inteiras é desumano.”
*Os nomes das entrevistadas foram alterados para preservar suas identidades
Fonte: correiobraziliense
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