Dois terços dos pacientes que sofreram covid-19 grave apresentam problemas físicos, psiquiátricos e/ou cognitivos um ano depois de contrair a doença infecciosa, sugere um estudo da Universidade da Califórnia, em San Francisco (UFSC). O prolongamento de sintomas passada a fase aguda vem sendo estudado desde os primeiros meses da pandemia, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020. Porém, agora, passados quatro anos, os pesquisadores acreditam ter uma melhor ideia do número de pessoas afetadas.
Publicado na revista Critical Care Medicine, o estudo atual avaliou o impacto do Sars-CoV-2 na vida de sobreviventes de covid severa — a maioria deles passou, em média, um mês com ventiladores mecânicos. Devido ao uso prolongado do respirador artificial, os pacientes foram encaminhados, após a alta, a hospitais de cuidados agudos de longa duração, instituições especializadas no desmame do aparelho e na reabilitação de pessoas que ficaram muito tempo hospitalizadas.
Dos 156 participantes do estudo, 64% relataram ter comprometimento persistente após um ano, incluindo físico (57%), respiratório (49%), psiquiátrico (24%) e cognitivo (15%). Quase metade, ou 47%, tinha mais de um tipo de problema. E 19% continuaram precisando de oxigênio suplementar. Segundo os autores, o acompanhamento de longo prazo é necessário para compreender a extensão das sequelas em pacientes que adoeceram no início da pandemia: nesse caso, o grupo foi infectado entre 2020 e 2021, com média de dois meses de hospitalização.
"Temos milhões de sobreviventes da doença covid grave e prolongada em todo o mundo", analisa o primeiro autor do estudo, Anil N. Makam, MD, professor associado de medicina na UCSF. "Nosso estudo é importante para compreender sua recuperação e deficiências de longo prazo, e para fornecer uma compreensão diferenciada de sua experiência de mudança de vida."
Camila Ahrens, infectologista do Hospital São Marcelino Champagnat, em Curitiba, esclarece que os sintomas da covid longa costumam durar semanas, meses ou mesmo anos, podendo, inclusive, serem interrompidos e retornarem depois. "Os mais comuns são fadiga incapacitante, falta de ar ou dificuldade para respirar (sintomas que pioram após esforço físico ou mental), tosse persistente e dor no peito", diz. "Também pode ocorrer febre, dificuldade de concentração, depressão, ansiedade, dor nas articulações, problemas para dormir e mudanças no ciclo menstrual."
No caso do advogado Guilherme Kovalski (foto), as sequelas persistem três anos depois da alta. Ele foi internado em julho de 2020, aos 35 anos, e ficou na unidade de terapia intensiva (UTI) do hospital paranaense durante quase sete meses. Nesse período, esteve entubado, dependendo de ventiladores mecânicos. Em fevereiro de 2021, recebeu alta.
O advogado conta que ainda sofre as sequelas da doença e faz acompanhamento com especialistas como infectologistas, nefrologista, ortopedista, pneumologista, cirurgião vascular e endocrinologista. "Cada dia é uma luta diferente. Há dias melhores, em que as sequelas não me atrapalham, e há dias em que as doenças me afetam mais, mas cada dia é a luta para sobreviver, não dá para desanimar", relata.
No estudo norte-americano, a equipe acompanhou os sobreviventes com entrevistas frequentes até um ano depois da alta. Makam conta que, além das sequelas da doença, muitos sofreram os efeitos de uma longa internação, incluindo úlceras por compressão, conhecidas como escaras, e danos nos nervos, que limitaram o movimento dos braços ou das pernas. "Muitos dos participantes que entrevistamos ficaram mais incomodados com essas complicações, portanto, evitar que elas aconteçam é fundamental para a recuperação", diz.
Todos afirmaram que eram saudáveis antes da covid. Embora 79% tenham afirmado não ter regressado à saúde habitual, 99% voltaram para casa e 60% dos que tinham emprego recuperaram o posto laboral. Segundo Makam, uma característica em comum é a gratidão pela sobrevivência, que muitos creditaram a um "milagre".
O pesquisador da UCSF ressalta que outras doenças graves, que exigem muito tempo de internação, podem deixar sequelas persistentes. "Nos casos de sintomas prolongados, o melhor tratamento é por meio da reabilitação multidisciplinar", explica.
A infectologista Camila Ahrens recomenda que o paciente procure um profissional de saúde, caso os sintomas continuem por mais de três meses após a infecção. "O paciente é sempre o protagonista. Ele sabe o que muda no decorrer do tempo e quais sintomas não são comuns. A conversa franca com o médico e o detalhamento do que está sentindo contribuem consideravelmente para o melhor atendimento."
A covid longa tem cinco subtipos, segundo um novo estudo com mais de 700 pessoas, publicado na revista Nature Immunology. Os pesquisadores, liderados pelo Imperial College London, na Inglaterra, descobriram que alguns grupos de sintomas parecem associados a proteínas específicas detectadas no sangue dos pacientes. Por exemplo, pessoas com sequelas gastrointestinais tinham níveis aumentados de um biomarcador chamado SCG3, anteriormente associado ao prejuízo da comunicação entre intestino e cérebro.
Apesar de alguns pontos em comum, no geral, os pesquisadores dividiram os subtipos de covid longa em fadiga; comprometimento cognitivo; ansiedade e depressão; sequelas cardiorrespiratórias; e problemas gastrointestinais. Os cientistas destacam que é possível um único paciente se situar em vários grupos, dependendo dos sintomas, mas afirmam que os cinco representam bem os mecanismos biológicos da doença.
Para a equipe do Imperial College London, a classificação dos subtipos poderá ser útil em estudos sobre o tratamento da covid longa, além de pesquisas que expliquem por que alguns sintomas persistem depois da fase aguda da infecção. "Com cerca de 65 milhões de pessoas em todo o mundo sofrendo de sintomas contínuos, precisamos urgentemente de mais pesquisas para entender essa condição. No momento, é muito difícil diagnosticá-la e tratá-la", comentou, em nota, Peter Openshaw, principal pesquisador.
"A covid longa é um importante problema de saúde que afeta pessoas infectadas com o vírus Sars-CoV-2, e os casos continuam a ocorrer. Também é claramente bastante complicada: diferentes pessoas com covid de longa duração relatam diferentes padrões de sintomas, e ainda há um longo caminho a percorrer na busca por tratamentos eficazes", afirma Kevin McConway, pesquisador da Open University, na Inglaterra, que não participou do estudo. " É muito provável que as descobertas levem a pesquisas mais focadas e úteis sobre como surgem os sintomas prolongados, como e por que eles diferem entre as pessoas, e a pesquisas produtivas sobre tratamentos", acredita.
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