Um plano em duas fases com o objetivo de romper o impasse no qual as eleições presidenciais venezuelanas se transformaram. Esse é o resumo da proposta apresentada na quarta-feira (17/4) pelo presidente da Colômbia, Gustavo Petro, ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), durante a passagem do brasileiro por Bogotá.
Trata-se da mais nova tentativa de nações da região de tentarem promover a normalização do cenário político na Venezuela.
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O país vive uma crise política e econômica que resultou na saída de pelo menos 7,5 milhões de pessoas, segundo estimativas do Alto Comissariado da Organização das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), e que vem chamando a atenção da comunidade internacional.
As eleições presidenciais na Venezuela estão programadas para 28 de julho, mas lideranças da oposição acusam o governo de impor barreiras a candidaturas oposicionistas. O governo nega as acusações.
O plano, segundo Petro, consistiria em um acordo entre os principais atores políticos do país em que governo e oposição respeitem o resultado das eleições e se comprometam a não perseguir os grupos vencidos na disputa eleitoral, e um plebiscito no qual a população seria chamada a chancelar ou não o acordo.
Uma fonte diplomática brasileira que acompanhou a apresentação do plano de Petro a Lula disse à BBC News Brasil em caráter reservado que o governo brasileiro deverá apoiar a proposta desde que ela seja aceita, antes, pelo governo Maduro e pelas principais lideranças da oposição.
Segundo essa fonte, a proposta foi levada por Petro a Maduro durante o encontro que os dois tiveram na semana passada, na Venezuela (leia mais abaixo).
Os principais pontos da proposta são:
Em uma declaração ao final de um fórum com empresários brasileiros e colombianos, Petro disse que a proposta tem o objetivo de promover um "desenlace" da crise política venezuelana.
"Queremos transmitir ao presidente Lula uma proposta que foi transmitida ao presidente Maduro e à oposição. [É] um desenlace completo que tem a ver com uma possibilidade de plebiscito nas eleições que se avizinham que garanta um pacto democrático, que garanta a qualquer um que perca [as eleições] a certeza e segurança sobre sua vida, sobre seus direitos, sobre as garantias políticas que qualquer ser humano deve ter em seus respectivos países", disse Petro, sem detalhar a proposta.
Ainda não está claro, pelo que foi dito por Petro e por membros do governo brasileiro, se a proposta de Petro representaria uma anistia total, inclusive na esfera criminal, para integrantes do governo e da oposição, a exemplo do que aconteceu no Brasil com a Lei da Anistia de 1979, que impediu membros do regime militar de serem processados por crimes como mortes, desaparecimentos e torturas.
Cientistas políticos e diplomatas consideram que este é um dos pontos mais sensíveis deste tipo de plano em relação à Venezuela.
Um integrante do governo com o qual a BBC News Brasil conversou em caráter reservado disse que a proposta é vista, ao menos inicialmente, como uma alternativa ao impasse criado em torno das eleições venezuelanas.
A Venezuela vem sendo acusada por organismos internacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU) de violar direitos humanos e de perseguir dissidentes.
O governo venezuelano rebate as acusações e afirma que o país é vítima de uma perseguição internacional.
No campo político, parte da comunidade internacional vê com desconfiança o processo eleitoral no país, uma vez que Maduro está no poder desde 2012, após a morte de Hugo Chávez e, durante seu governo, diversos líderes oposicionistas foram presos, como Leopoldo Lopez e Antonio Ledezma.
Apesar de ter se colocado parcialmente ao lado de Maduro desde que assumiu o seu terceiro mandato, Lula passou a criticar o processo eleitoral venezuelano nas últimas semanas, depois que políticas de oposição foram impedidas de registrar sua candidatura.
Petro também se mostrou crítico aos rumos do processo eleitoral do país vizinho.
Até o momento, pelo menos duas candidatas foram barradas: Maria Corina Machado, uma das principais líderes da oposição venezuelana; e Corina Yoris, apontada por Maria Corina para substituí-la nas urnas.
Tanto Lula quanto Petro divulgaram notas e deram declarações em que se disseram preocupados com os rumos do processo eleitoral no país vizinho (leia mais abaixo).
Para diplomatas e para uma professora de Relações Internacionais especialista em Venezuela ouvida pela BBC News Brasil, o acordo proposto por Petro atinge um dos principais temores de integrantes do governo: ir para a prisão em caso de mudança de regime.
Para a professora de Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Caroline Pedroso, especialista em Venezuela, a proposta feita por Petro atinge um ponto considerado crucial na política venezuelana atual: o que acontecerá com o grupo derrotado nas eleições no dia seguinte ao resultado da disputa?
"Acredito que é o cerne da questão política hoje", disse a professora à BBC News Brasil.
O temor sobre o dia seguinte às eleições não se aplica apenas a integrantes do governo Maduro, uma vez que também haveria, entre oposicionistas, o receio sobre o que uma nova administração de Maduro, respaldada por uma nova eleição, poderia fazer com seus opositores.
Apesar disso, Pedroso afirma que, em tese, Maduro e seus aliados teriam diversos motivos para se preocupar caso saiam do poder sem um acordo como o que foi proposto por Petro.
Diversos integrantes do governo Maduro, inclusive o próprio presidente, são acusados por organismos internacionais e por governos estrangeiros como o dos Estados Unidos de terem cometido crimes de diversos tipos como tortura, assassinatos, corrupção, lavagem de dinheiro e ligação com o tráfico de drogas.
Em 2020, o Departamento de Estado norte-americano emitiu um alerta de recompensa de US$ 15 milhões por informações que levassem à prisão de Maduro sob a alegação de que ele teria envolvimento com cartéis de narcotraficantes. Maduro nega as acusações.
"Maduro e sua cúpula foram denunciados por pessoas importantes do regime que hoje são dissidentes, como Luisa Ortega (ex-procuradora-geral do governo venezuelano) e Christian Zerpa (ex-juiz venezuelano), ao Tribunal Penal Internacional por crimes de lesa humanidade", disse a professora.
O integrante do governo brasileiro com o qual a BBC News Brasil conversou afirmou que a extensão desse acordo de não perseguição ainda deverá ser debatida entre os atores políticos venezuelanos.
Ele disse ainda que, segundo Petro, a proposta teria sido aceita por Maduro e que, agora, o próximo passo seria obter o apoio das principais lideranças de oposição da Venezuela.
Na declaração em que Petro anunciou sua proposta, Lula não fez comentários sobre o plano do colega colombiano. Apenas admitiu que discutiu a situação política da Venezuela durante o encontro com Petro.
O silêncio sobre o assunto acontece após Lula ter mudado o tom de suas declarações usuais sobre Maduro e seu regime na reta final das eleições na Venezuela.
Desde o início de seu terceiro mandato, o presidente Lula mudou o tratamento que o país vinha dando à Venezuela.
Pouco após assumir o governo, em janeiro de 2023, Lula indicou uma nova embaixadora para a Venezuela, Glivânia Maria de Oliveira, e autorizou a chegada de um novo embaixador venezuelano ao país, Manuel Vicente Vadell Aquino.
Em maio daquele ano, Lula recebeu Nicolás Maduro durante uma cúpula de líderes da América do Sul, em Brasília. Foi nessa cúpula que Lula classificou as críticas sobre a democracia no país como parte de uma "narrativa".
"Eu acho, companheiro Maduro, que você sabe a narrativa que se construiu contra a Venezuela, da anti democracia, do autoritarismo. Acho que cabe à Venezuela mostrar a sua narrativa para que possa efetivamente fazer as pessoas mudaram de opinião", disse Lula, na ocasião.
A fala foi criticada por oposicionistas e até mesmo por políticos de esquerda, como o presidente chileno Gabriel Boric.
Apesar do apoio dado a Maduro em público, nos bastidores, o governo Lula continuou dando demonstrações de preocupação com a situação política no país vizinho.
Em outubro de 2023, o presidente enviou seu assessor especial para assuntos internacionais, Celso Amorim, a Barbados, no Caribe, onde o governo venezuelano e líderes da oposição firmaram um acordo sobre as regras que deveriam ser seguidas nas eleições do país.
Nos Acordos de Barbados, ficou acertado que partidos teriam liberdade para escolher seus próprios candidatos para disputar as eleições e que haveria liberdade para que eles fizessem campanhas e comícios, de acordo com as leis venezuelanas.
Em 6 de março deste ano, Lula voltou a dar mais uma declaração vista como polêmica ao se referir ao impedimento de Maria Corina Machado de se candidatar à Presidência.
Machado vinha sendo apontada por observadores políticos como a principal adversária política de Maduro.
Lula disse, no entanto, que a oposição a Maduro não deveria ficar "chorando" por conta do impedimento de candidaturas.
"Fui impedido de concorrer às eleições de 2018, ao invés de ficar chorando, indiquei um outro candidato [Fernando Haddad] que disputou as eleições", disse.
A fala foi criticada por Machado e líderes da oposição brasileira.
O tom usado pelo governo Lula sobre o assunto mudou, no entanto, no final daquele mês, quando as autoridades venezuelanas impediram a candidatura de Corina Yoris, apontada como substituta de Maria Corina Machado.
A primeira demonstração de mudança aconteceu por meio de uma nota divulgada pelo Ministério das Relações Exteriores (MRE). "[...] O governo brasileiro acompanha com expectativa e preocupação o desenrolar do processo eleitoral naquele país", disse um trecho da nota divulgada em 26 de março.
Dias depois, foi a vez de Lula, ao lado do presidente francês, Emmanuel Macron, se pronunciar pessoalmente sobre o assunto em tom crítico.
"Agora é grave que a candidata não possa ter sido registrada", disse Lula.
Para Carolina Pedroso, a mudança no tom do governo brasileiro foi resultado do tensionamento promovido por Maduro ao longo dos últimos meses, que resultou no impedimento das candidaturas de Machado e Yoris.
"Eu diria que diante das dificuldades de fluidez no processo eleitoral, que no final do ano passado parecia palpável, o governo brasileiro tem condicionado o seu apoio à Venezuela", afirmou a professora à BBC News Brasil.
Esse condicionamento, segundo a professora, estaria relacionado ao respeito aos termos dos Acordos de Barbados.
Internamente, dois diplomatas brasileiros ouvidos em caráter reservado pela BBC News Brasil avaliam que a mudança de tom responde à postura do governo venezuelano em relação às candidaturas oposicionistas.
O entendimento, no entanto, é de que o Brasil deve se manter como um canal aberto de diálogo entre a Venezuela e o resto do mundo e que, apesar de ter se manifestado de forma crítica ao impedimento de candidaturas, o país não estaria atuando como uma espécie de "juiz" do processo eleitoral no país vizinho.
Um deles afirmou que a equipe de diplomatas brasileiros na Venezuela continua com bom trânsito entre o governo venezuelano e que, até o momento, não estariam previstas, pelo menos por ora, novas manifestações críticas ao processo eleitoral do país.
A proposta feita por Petro a Maduro e à oposição venezuelana é o mais novo episódio da tentativa do presidente colombiano de atuar como um mediador da crise política no país vizinhos.
Petro assumiu o governo em agosto de 2022 e começou a restabelecer as relações diplomáticas com o país, deterioradas durante os governos anteriores, especialmente do seu antecessor, Ivan Duque.
Desde então, Petro já se reuniu com Maduro seis vezes e, segundo setores da imprensa colombiana, vem atuando como uma espécie de "facilitador" do processo de reintegração da Venezuela ao cenário internacional.
Em novembro de 2022, durante uma visita a Caracas, Petro justificou o movimento em direção a Maduro dizendo que seria "antinatural" e "anti-histórico" que os dois países se mantivessem separados.
"Somos o mesmo povo e laços de sangue nos juntam", disse Petro ao lado de Maduro.
Petro, de esquerda, se manteve relativamente distante de Maduro antes das eleições de 2022 e chegou a fazer críticas ao regime em entrevistas.
Mesmo assim, o movimento de aproximação dos últimos meses passou a ser alvo de críticas da oposição liderada por grupos de direita no país.
E, diante do impedimento das candidaturas de Machado e Yoris, Petro e seu governo se manifestaram.
Em nota, a chancelaria colombiana (equivalente ao Ministério das Relações Exteriores), emitiu uma nota em que o governo disse estar preocupado.
"A Colômbia expressa sua preocupação pelos recentes acontecimentos [...] com ocasião da inscrição de algumas candidaturas presidenciais, particularmente em relação às dificuldades que enfrentaram setores majoritários de oposição", disse um trecho da nota.
Ao falar sobre o assunto, Petro chegou a classificar esse impedimento como "um golpe indubitavelmente antidemocrático".
As reações de Petro, assim como as do governo brasileiro, foram criticadas pelo governo venezuelano.
O ministro das Relações Exteriores da Venezuela, Yvan Gil, classificou a postura colombiana de "grosseira".
"Movida por necessidade de atender aos desígnios do Departamento de Estado dos EUA, a chancelaria colombiana comete um erro e um ato de grosseira ingerência em assuntos que competem apenas aos venezuelanos", disse o ministro.
Na semana passada, Petro tentou distensionar o clima realizando uma viagem à Venezuela onde se encontrou, novamente, com Maduro, mas também com líderes da oposição ao seu regime.
Para o professor colombiano Andrés Londoño, professor de Ciência Política na Escola Superior de Administração Pública, em Bogotá, a mudança de tom de Petro pode estar relacionada com a pressão interna que ele enfrenta no país por conta de sua aproximação com Maduro.
"A Venezuela tem lugar central no debate político colombiano. Qualquer candidato de esquerda era associado com [Hugo] Chávez e se dizia que a Colômbia seria uma segunda Venezuela", disse Londoño à BBC News Brasil.
O professor disse que essa pressão se dá, também, por conta da extensa fronteira que os dois países compartilham e pelo fato de a Colômbia ser o país que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), mais recebeu imigrantes venezuelanos nas últimas décadas.
Estima-se que haja pelo menos 2,8 milhões de imigrantes daquele país vivendo na Colômbia.
O professor avalia que apesar da mudança de tom, Petro deverá se manter minimamente próximo ao regime de Maduro uma vez que a resolução da crise política na Venezuela interessa ao seu próprio país.
"Acho que a procura por soluções é muito importante porque os dois países têm tido uma relação histórica de cooperação e interdependência", disse o professor.
Fonte: correiobraziliense
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