23 de Novembro de 2024

Mudanças climáticas constantes impactam em aumento do seguro rural


O agronegócio brasileiro começou a sentir há alguns anos os impactos das mudanças climáticas, que tendem a se agravar ainda mais. Proteger o segmento — responsável pela segurança alimentar e por 23,8% do Produto Interno Bruto (PIB) do país — das variações no clima, é, atualmente, o maior desafio do setor.

O seguro rural representa hoje apenas 11,2% do mercado total. Na contramão da emergência climática, a cobertura vem caindo, em 2023, cerca de 6,2 milhões de hectares contavam com a proteção. Em 2022, eram 7,3 milhões de hectares cobertos, quase metade da área que contava com seguro em 2021, que era de 14 milhões de hectares.

Para Daniel Caiche, professor de MBA da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e especialista em mudanças climáticas e mercado de carbono, a baixa cobertura indica uma lacuna significativa na proteção dos agricultores contra os riscos climáticos e outros imprevistos. "Essa baixa penetração do seguro agrícola pode ser atribuída a vários fatores, incluindo os custos elevados de contratação, a falta de acesso ao crédito agrícola e a limitada capacidade das atuais políticas públicas para atender o grande conjunto de agricultores brasileiros", avalia.

"Como resultado, muitos agricultores enfrentam grandes dificuldades em se recuperar de perdas causadas por eventos climáticos extremos, que podem levar a graves consequências econômicas e sociais", complementa.

Os desafios são cada vez mais complexos. Com o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos, como secas, ventos fortes e inundações, as safras são prejudicadas, levando a perdas significativas de produção. Além disso, as mudanças nos padrões de precipitação e o aumento das temperaturas médias afetam diretamente o crescimento das culturas e a disponibilidade de recursos hídricos para a irrigação, ampliando a vulnerabilidade do setor agrícola.

O Brasil sofre com a atuação de dois fenômenos climáticos principais, El Niño e La Niña. O primeiro provoca tipicamente secas nas regiões Norte e Nordeste do país, enquanto a La Niña favorece a formação de chuvas nessas mesmas regiões. Já a região Sul é marcada por maiores volumes de chuva durante o El Niño e, de forma contrária, menores volumes pluviométricos ocorrem na La Niña. Quanto mais intensos forem esses fenômenos, mais propensos serão os riscos nas safras, seja por excesso ou falta de chuva, por altas ou baixas temperaturas.

Considerando as grandes culturas, responsáveis pela maior parte da produção e exportação agrícola brasileira, há altos impactos no milho e na soja, por exemplo, que são altamente sensíveis à falta de água durante os períodos de seca, assim como o café e a cana-de-açúcar. "Essas culturas são fundamentais para a economia brasileira, e suas perdas podem ter impactos significativos não apenas nos agricultores, mas em toda a cadeia produtiva e na segurança alimentar do país", destaca Caiche.

Sobre as principais culturas responsáveis pela segurança alimentar, o pesquisador citou os impactos na cultura do arroz, da mandioca e do feijão, "outro alimento essencial, pode ter sua produtividade comprometida por variações climáticas, afetando a oferta e os preços no mercado".

Em termos de retorno aos produtores na forma de indenizações, a desordem climática gerou um grande aumento no montante de sinistros nos últimos anos. O recorde de indenizações foi em 2022, sob os efeitos mais severos do El Niño, quando foram pagos R$ 8,8 bilhões a agricultores segurados. O valor pago em 2023 foi bem menor, na casa dos R$ 2 bilhões.

Seca, granizo e geada foram responsáveis por 87 % de sinistros no seguro agrícola em pouco mais de 11 anos, segundo levantamento divulgado pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização (CNseg). Esses eventos totalizaram mais de 122.698 ocorrências de um total de 141.354 cadastrados no Registro Nacional de Sinistros (RNS) Rural.

O crescimento do número de indenizações também gera preocupação quanto à sustentabilidade do setor. "Isso pressiona as seguradoras a enfrentarem custos crescentes de sinistros, comprometendo sua rentabilidade e solidez financeira. Os principais desafios incluem a avaliação precisa de riscos e a precificação adequada das apólices em um cenário de eventos climáticos extremos cada vez mais imprevisíveis", destaca o especialista em mudanças climáticas.

Segundo Daniel Caiche, a necessidade de adaptação e inovação torna-se essencial para desenvolver produtos de seguro resilientes, implementar práticas de gestão de riscos eficazes e promover parcerias estratégicas para mitigar os impactos das mudanças climáticas na agricultura. "Esses desafios demandam uma abordagem colaborativa entre o setor público e privado, bem como investimentos contínuos em tecnologia e capacitação para garantir a sustentabilidade a longo prazo do setor de seguro agrícola."

A queda na subvenção é outra grande ameaça à sustentabilidade do seguro rural. O Ministério do Planejamento e Orçamento reduziu em R$ 17 milhões a verba destinada à concessão de subvenção aos prêmios de seguro rural neste ano. O montante geral foi reduzido de R$ 964,5 milhões para R$ 947,5 milhões.

Os valores são questionados pelo setor produtivo brasileiro temeroso que, além da baixa cobertura, a falta de subvenção faça também com que pequenos agricultores abandonem a proteção. Segundo o presidente da CNseg, Dyogo Oliveira, o seguro rural é concentrado nos pequenos e médios produtores, que somam cerca de 98% dos segurados.

"O preço é um desafio para esse tipo de produtor, porque ele já tem uma rentabilidade menor e uma capacidade financeira menor. Então, em grande medida, o crescimento do seguro depende da subvenção. Além disso, é claro, também tem a questão da cultura do seguro, muitos nem sabem que têm. O grande produtor rural consegue diversificar suas áreas e quando tem algum, é só uma parte do seu negócio. Esse perfil acaba não tendo interesse pelo seguro e também não justifica subsidiar", explica.

O valor da subvenção está congelado há cinco anos. Para Oliveira, o maior desafio do setor hoje é a participação do governo para ajudar o produtor rural a ter acesso ao produto. "O Brasil não era considerado um país de catástrofes climáticas, mas hoje passou a ser. Regiões que tinham uma seca a cada dez anos agora têm a cada dois anos, regiões onde não tinha seca, agora tem. O Centro-Oeste, por exemplo, teve uma perda de 30% da produção este ano em função da falta de chuva. A melhor maneira de se proteger contra isso é o seguro rural", afirma.

O presidente da CNseg destaca ainda como na prática a perda de uma safra pode impactar nas sequentes e acabar em endividamento. "Com a indenização o produtor consegue não só repor a renda daquele ano como continua sua produtividade. Quem perde uma safra muitas vezes não consegue mais tomar financiamentos nos bancos, precisa vender os equipamentos para pagar dívidas e no ano seguinte não tem recurso para fazer um trato adequado da área, então a produtividade cai", exemplifica.

Segundo o economista Otto Nogami, professor do Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), essa redução da verba destinada à concessão de subvenção aos prêmios torna ainda mais insuficiente o recurso disponível para subsidiar o seguro rural.

"As consequências dessa redução: pode afetar a capacidade dos produtores rurais de liquidar dívidas contraídas junto aos bancos; a área plantada segurada pode ser reduzida; nos últimos anos, os fenômenos climáticos La Niña e El Niño geraram grandes perdas aos agricultores brasileiros; sem orçamento adequado para o seguro rural, os produtores podem enfrentar dificuldades para lidar com eventos climáticos adversos, como inundações e seca", pontua o economista.

Fonte: correiobraziliense

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