Em setembro de 2023, ocorreu um encontro inesperado em um local inusitado.
Quando o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, fez escala no aeroporto de Shannon, na Irlanda, voltando sessão da Assembleia Geral da ONU em Nova York, ele foi recebido pelo líder sudanês, general Abdel Fattah al-Burhan.
Os dois líderes discutiram questões de segurança internacional e "ameaças de grupos ilegais financiados pela Rússia".
De acordo com o gabinete de Zelensky, a reunião de alto nível em um aeroporto frequentemente utilizado para reabastecimento em voos transatlânticos foi "não programada".
Mas acredita-se que as forças especiais da Ucrânia tiveram um papel fundamental para que ela acontecesse.
Naquele momento, o Sudão estava paralisado por confrontos entre o Exército e uma força paramilitar chamada Forças de Apoio Rápido (RSF, na sigla em inglês).
Os confrontos eram o resultado direto de uma violenta luta pelo poder dentro da liderança militar do país: de um lado, o general Abdel Fattah al-Burhan, que é chefe das Forças Armadas e presidente do país; do outro, o seu antigo vice e líder da RSF, o general Mohamed Hamdan Dagalo, também conhecido como Hemedti.
Milhares de pessoas morreram no conflito e milhões tiveram de abandonar as suas casas ou fugir para outros países. A economia do país sofreu um grande golpe.
Relatos sobre como e por que a Ucrânia teria apoiado o governo sudanês durante estes confrontos começaram a surgir recentemente.
De acordo com o americano The Wall Street Journal, soldados ucranianos ajudaram o general al-Burhan a fugir da capital Cartum em agosto de 2023, quando o seu quartel-general foi cercado pela RSF.
Cerca de uma centena de agentes das forças especiais da Ucrânia, liderados por um oficial de inteligência conhecido apenas como Timur, chegaram ao Sudão após um telefonema entre al-Burhan e Zelensky, informou o jornal.
De acordo com o WSJ, a unidade ucraniana não só ajudou al-Burhan a fugir, mas também mudou a natureza da guerra no Sudão, fornecendo equipamentos conhecidos como drones de visão em primeira pessoa (FPV) e conduzindo ataques noturnos contra a RSF.
Em uma nota à BBC, a inteligência ucraniana não confirmou nem negou relatos do envolvimento de Kiev no Sudão, afirmando que "realiza as suas atividades em várias regiões geográficas onde é necessário proteger os interesses nacionais ucranianos".
Em fevereiro, surgiu um vídeo que supostamente mostrava agentes ucranianos no Sudão inspecionando um veículo militar bombardeado com o corpo de um soldado russo morto no seu interior.
O veículo carregava a insígnia do grupo mercenário russo Wagner.
Em outra parte do vídeo, militares ucranianos questionavam soldados russos capturados.
"Qual é o seu objetivo aqui?", perguntava um oficial ucraniano.
"Derrubem o governo local", respondia o soldado.
Não está claro quando ou onde o vídeo foi gravado no Sudão e a BBC não conseguiu verificá-lo de forma independente.
O grupo russo Wagner já estava presente no Sudão muito antes do início dos confrontos entre o exército sudanês e a RSF.
Os primeiros vídeos de mercenários Wagner no Sudão datam de pelo menos 2017.
Foi noticiado na época que mercenários russos estavam envolvidos no treinamento de soldados sudaneses e supostamente ajudando as forças de segurança locais a reprimir os protestos.
Após a morte do seu fundador, Yevgeny Prigozhin, em agosto de 2023, as unidades Wagner que operam em África, incluindo o Sudão, ficaram sob o controle dos serviços especiais russos.
Agora, os mercenários do Wagner que apoiam a RSF parecem ser o principal alvo dos ucranianos no Sudão, de acordo com Beverley Ochieng, analista da BBC Monitoring.
"Relatos que surgiram sobre o que as unidades ucranianas estão fazendo [no Sudão] indicam que eles estão mais concentrados em atingir a Rússia do que em dar apoio ao exército sudanês na luta contra a RSF", disse ela.
O grupo Wagner foi repetidamente acusado de crimes de guerra pelas autoridades ucranianas.
O chefe da inteligência militar ucraniana, Kyrylo Budanov, sugeriu que alguns dos mercenários estacionados no Sudão poderiam ter passado pela guerra na Ucrânia.
"Todos os criminosos de guerra russos, que estiveram, estão ou estarão lutando contra a Ucrânia, serão punidos em qualquer lugar do globo", disse ele.
A Ucrânia também está tentando cortar o financiamento dos mercenários russos no Sudão, segundo Murad Batal Shishani, do Remarks on Political Violence, um think tank com sede em Londres.
"Hemedti tem sido o maior aliado da Rússia na África, principalmente do grupo Wagner. Ele controla o ouro, principal fonte de financiamento do Wagner", disse.
Em 2022, uma reportagem da CNN disse que havia envolvimento russo na mineração e comércio de ouro no Sudão e que os russos tinham enviado 16 voos carregados de ouro do Sudão para a Síria.
Os planos para atingir o ouro russo no Sudão foram confirmados ao WSJ por uma fonte da inteligência militar ucraniana.
A derrota de Hemedti e o fortalecimento das relações da Ucrânia com o Sudão também podem impedir os planos russos de criar uma base militar em Porto Sudão, no Mar Vermelho.
Alguns analistas dizem que o que está acontecendo no Sudão é uma "típica guerra por procuração" – um conflito em que estão envolvidos países terceiros, cada um perseguindo os seus próprios interesses.
"Hemedti é apoiado pelos Emirados Árabes Unidos e pela Rússia, e al-Burhan está vencendo a guerra de forma constante com o apoio das finanças sauditas e das forças ucraniana"”, disse Glen Howard, antigo chefe da Fundação Jamestown, um grupo de pesquisa baseado em Washington.
A Ucrânia também está tentando construir uma imagem de um Estado capaz de ameaçar as posições russas em qualquer lugar, segundo Nicholas A. Heras, do New Lines Institute, com sede em Washington.
"O acordo entre Zelensky e al-Burhan é um acordo do tipo 'inimigo do meu inimigo é meu amigo'", disse ele.
"Funciona para a Ucrânia como um meio de demonstrar à comunidade internacional que Zelensky irá confrontar Putin a qualquer hora, em qualquer lugar, não apenas na Europa", disse ele.
No entanto, a capacidade ucraniana no Sudão é limitada devido à guerra com a Rússia, e Kiev só pode fornecer ao seu aliado africano pequenas unidades de forças especiais.
Já a presença da Rússia no Sudão é muito mais tangível.
"A Rússia tem maiores capacidades expedicionárias no Sudão através do grupo Wagner, com batalhões de combatentes apoiados por artilharia, sistemas de mísseis superfície-superfície e abastecimento logístico às Forças de Apoio Rápido", disse Heras.
Fonte: correiobraziliense
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