23 de Novembro de 2024

Os peixes que promovem 'orgias' nas praias da Califórnia em rituais ordenados pela Lua


No meio da noite, em uma praia do sul da Califórnia, nos Estados Unidos, um cientista cidadão observa milhares de peixes fazendo sexo.

"Milhares deles, rebeldes, todos fazendo barulho", anota ele. "Parece uma espécie de Mad Max marinho pós-apocalíptico."

Este ritual único de acasalamento é conhecido como a corrida do peixe-rei-da-califórnia.

Ao contrário da maioria das outras espécies, este pequeno peixe prateado desova em terra, depois de se lançar do oceano para a areia. E eles só desovam durante a lua cheia ou lua nova, porque precisam da maré alta para chegar à praia.

Desde 2002, esses rituais são registrados por "observadores de peixes-reis-da-califórnia" – cientistas cidadãos que se voluntariam para observar os peixes em 50 praias do Estado americano.

Eles encaminham suas observações para a cientista Karen Martin, da Universidade Pepperdine de Malibu, na Califórnia. Ela estuda a espécie há décadas e mais de 5 mil pessoas já colaboraram com o seu projeto.

"Não poderíamos fazer sem eles", ela conta. "Não há outra forma de conseguir este tipo de dados. É realmente notável."

Contar os peixes é quase impossível. Eles evitam inteligentemente as redes e não são atraídos pelas iscas em anzóis.

"Os métodos 'normais' de avaliação da população não funcionam para esta espécie", explica Martin.

Por isso, não existem estatísticas formais da população do peixe-rei-da-califórnia – o que faz com que também não haja uma estimativa do seu estado de conservação.

Mas Martin afirma que, com certeza, a espécie está ameaçada e suas pesquisas indicam que os números caíram significativamente na última década.

O peixe-rei-da-califórnia só é encontrado ao longo do litoral do Pacífico, principalmente entre Punta Abreojos, na Baixa Califórnia (México), e Point Conception, no centro da Califórnia (EUA).

O peixe mede cerca de 13 cm de comprimento quando adulto e os cientistas acreditam que sua população tenha diminuído no último século. A erosão das praias, a poluição luminosa e o desenvolvimento das áreas costeiras são as principais ameaças à espécie, além da pesca excessiva e da destruição do seu habitat.

A forma de acasalamento do peixe-rei-da-califórnia é única, para dizer o mínimo.

As fêmeas nadam o mais que podem e se lançam para fora da água até a areia. Elas agitam suas caudas para cavar um buraco e liberam os ovos. Os machos as seguem e os fertilizam.

Os ovos permanecem enterrados na areia até que a próxima onda seja suficientemente alta para atingi-los, o que normalmente leva cerca de 10 dias. Depois, eles eclodem.

Mas este comportamento representa riscos para o peixe-rei-da-califórnia – e não só por ser uma presa fácil durante a desova na areia.

As praias usadas pelos peixes para a desova estão entre os destinos turísticos mais populares da Califórnia. Elas são limpas quase diariamente com máquinas pesadas, o que frequentemente destrói os ovos.

"Tudo o que as pessoas fazem nessas praias causa impactos ao meio ambiente", segundo Martin.

Coletar dados sobre esta espécie é um desafio. Mas a implementação de regulamentações para sua proteção tem trazido alguns sucessos.

O Departamento de Pesca e Vida Selvagem do Estado criou as primeiras regulamentações de proteção ao peixe-rei-da-califórnia em 1927. Os cientistas haviam observado que o peixe era capturado em enormes quantidades ao sair da água. As pessoas usavam redes feitas de lençóis para pescar em massa.

Foram introduzidas restrições ao uso de equipamentos durante o período de defeso (abril a junho) quando a pesca é proibida. Com isso, os moradores locais só podiam usar as mãos para pescar.

Nos anos 1940, o biólogo marinho Boyd Walker (1917-2001) observou todas as corridas do peixe em La Jolla, na Califórnia, por três anos. Sua dissertação mapeou a faixa ocupada pela espécie, seus hábitos de acasalamento e desenvolveu um método de contagem dos peixes, hoje conhecido como Escala Walker.

É esta escala que os observadores de Martin usam para compilar seus relatórios.

A escala varia de W0, que significa "nenhum peixe ou apenas alguns indivíduos", a W5, que indica "peixes cobrindo toda a praia, em camadas com diversos indivíduos, impossível ver a areia entre os peixes".

O W5 é um evento raro, verificado em apenas cerca de 1% a 3% das observações por ano. Mas os cientistas cidadãos avaliam a quantidade de peixes no litoral, a duração da desova e a extensão de praia coberta pelos peixes.

Os dados coletados nas praias mais populares entre os peixes-reis-da-califórnia demonstram um declínio geral da sua população.

O estudo de Martin, publicado em 2019 usando dados de ciência cidadã, concluiu que, entre 2002 e 2010, a avaliação média na escala Walker era W2, ou seja, 100-500 peixes no pico do período de corrida.

Entre 2010 e 2018, a avaliação caiu para uma média de W1 – menos de 100 peixes no pico. Além disso, foi registrada a média W0 ("sem corrida", com pouca ou nenhuma desova) em 2014 e novamente em 2016.

"Apesar das concentrações locais, o peixe-rei-da-califórnia não é abundante", afirma a cientista ambiental Dianna Porzio, do Departamento de Pesca e Vida Selvagem da Califórnia.

"Embora os dados [dos observadores de peixes] tenham limitações, as conclusões demonstram a redução da quantidade de desova do peixe-rei-da-califórnia em grande parte do sul do Estado na última década", segundo ela.

Os dados dos cientistas cidadãos geraram maior proteção para os peixes.

"Os dados são úteis por diversas razões", explica Martin. "Saber onde os peixes-reis-da-califórnia se reúnem ajuda a encontrar os ovos e acompanhar os impactos humanos sobre a espécie. Nós descobrimos que as praias estavam sendo varridas nos locais onde ficam os ninhos dos peixes."

Em 2020, o Departamento de Pesca e Vida Selvagem aumentou as restrições à pesca do peixe-rei-da-califórnia, normalmente praticada para consumo individual. As restrições mencionam diretamente os dados obtidos pelos observadores de peixes de Martin como evidência do declínio da população.

O departamento aumentou em um mês o período de defeso – abril a junho – e, em 2022, impôs um limite à quantidade de peixes-reis-da-califórnia por pessoa, fora do período de defeso.

Em diversas praias do sul do Estado, foram introduzidos protocolos de varredura de praias para proteger os ovos do peixe-rei-da-califórnia. E os dados também levaram à descoberta de que a espécie está se expandindo para o norte.

"Conseguimos identificar sua faixa de ocupação", afirma Martin. "Agora, sabemos que ele é encontrado ao norte de São Francisco e não apenas no centro do Estado."

O programa também criou um exército de defensores do peixe-rei-da-califórnia.

"As pessoas se tornaram grandes protetoras da espécie", afirma ela, rindo. "Algumas delas chegam a abordar outras pessoas que perturbam os peixes ou capturam peixes demais, explicando a importância de respeitar as normas."

Este é um exemplo importante de como os membros do público podem ser treinados como cientistas cidadãos, com notável impacto, segundo Martin.

"Antigamente, os cientistas franziam a testa para usá-los", afirma ela. Até Walker chegou a aconselhar que não se confiasse no público para coletar dados, afirmando que seus relatórios seriam tipicamente inconsistentes e não confiáveis.

Mas Martin insiste em destacar o valor da participação do público.

"As pessoas ficam animadas ao saber que fizeram este avistamento e que o seu conhecimento é útil – que alguém se importa com o que elas viram", explica ela. "E isso leva as pessoas a apreciar o que está no seu ambiente, ao saberem da existência destes maravilhosos animais selvagens."

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.

Fonte: correiobraziliense

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