Como muitas outras histórias de ficção científica, a série de TV britânica Espaço: 1999, dos anos 1970, começa com um estrondo.
Uma explosão nuclear tira a Lua da órbita da Terra e lança a base lunar Alpha e seus moradores para uma emocionante aventura pelo espaço sideral.
Parece claro que a série deixou sua marca sobre o jovem Elon Musk. Em 2017, ao idealizar os planos da sua empresa SpaceX para uma futura base na Lua, ele a batizou de Alpha.
Atualmente, a SpaceX trabalha com a Nasa para levar a humanidade de volta à superfície da Lua, como parte do programa Artemis da agência espacial americana. Mas a base lunar projetada tem um nome mais pragmático: Acampamento Base Artemis.
A Nasa e o Departamento de Estado dos Estados Unidos emitiram orientações combinadas para a exploração lunar pacífica na forma dos Acordos Artemis.
Até agora, 36 países assinaram os acordos, incluindo a Índia, Japão, Reino Unido, Canadá, Austrália, Emirados Árabes Unidos e a Coreia do Sul.
A China também encabeça o projeto de uma base na Lua com um título igualmente prático.
Anunciada em 2021, a Estação de Pesquisa Lunar Internacional tem atualmente como signatários a Rússia, Belarus, Paquistão, Azerbaijão, Venezuela, Egito e África do Sul.
Seja qual for a coalizão que construir a primeira base humana na Lua, todas elas irão precisar de uma fonte de energia confiável. E muitas empresas e agências espaciais de todo o mundo chegaram à mesma conclusão.
"A verdade é que a energia nuclear é a única opção para abastecer uma base lunar", afirma Simon Middleburgh, do Instituto de Futuros Nucleares da Universidade de Bangor, no País de Gales.
O dia na Lua não tem 24 horas, como na Terra, mas um mês – 29,5 dias, para ser preciso.
Por isso, existem na Lua duas semanas de luz do dia, seguidas por duas semanas de escuro, com temperaturas que atingem -130 °C. Por isso, todas as missões Apollo, entre 1969 e 1972, foram realizadas durante o dia lunar e perto do equador da Lua, com temperaturas aceitáveis e luz solar prolongada para alimentar os módulos lunares e instrumentos científicos.
No polo sul lunar, onde as eventuais bases provavelmente serão posicionadas, certos locais são iluminados pela luz solar por mais de 80% do tempo. Mas as temperaturas podem cair ainda mais em crateras que ficam permanentemente na sombra, onde provavelmente encontraremos água congelada.
E esta água será necessária não só para manter a vida dos astronautas, mas também para produzir combustível, já que não existe gás nem óleo na Lua.
"Nuclear é a única opção", afirma Middleburgh. "Não podemos levar combustível para lá. Os painéis solares não irão funcionar. Geradores a diesel não irão funcionar e os antigos geradores radiotérmicos simplesmente não são suficientemente grandes para gerar a potência necessária."
A Apollo 11 utilizou, pela primeira vez na Lua, um gerador termoelétrico de radioisótopos, em 1969. Ele empregava o calor gerado pela degradação de plutônio-238 radioativo para manter os instrumentos científicos em temperatura de trabalho.
Na Apollo 12, esse calor era convertido em eletricidade para abastecer um conjunto de instrumentos, marcando o primeiro uso de um reator nuclear na Lua – embora longe da escala que temos na Terra. Afinal, o gerador cilíndrico media apenas 45,7 cm x 40,6 cm.
Esta tarefa é um desafio. O microrreator nuclear precisará ser suficientemente leve e resistente para viajar 384,4 mil quilômetros até ser instalado em condições extremamente difíceis, que incluem a intrusiva poeira fina, ou regolito, que cobre a superfície lunar.
Em 2022, a Nasa assinou contratos com as empresas Lockheed Martin, Westinghouse e IX, uma colaboração entre as empresas Intuitive Machines e X-Energy.
Recentemente, a Intuitive Machines se tornou a primeira empresa comercial a realizar uma aterrissagem suave na Lua – a primeira dos Estados Unidos, em mais de 50 anos.
A primeira fase foi completada em fevereiro de 2024, com a apresentação de projetos de um reator que poderá abastecer uma base lunar habitável por pelo menos uma década.
"Estamos confiantes porque utilizamos tecnologia nuclear em missões espaciais anteriores, como a Pioneer, Voyager e Cassini, e seus sistemas excederam em muito sua vida útil original", afirma Shatel Bhakta, chefe da equipe de arquitetura lunar do Centro Espacial Johnson, da Nasa.
"O ambiente inóspito, o desejo de minimizar a massa e o volume, fornecer alta confiabilidade e garantir energia sem interrupções para manter a tripulação em segurança são alguns dos pontos considerados para o projeto de um reator para a superfície lunar", explica Bhakta.
"Além disso, devido à longa distância da Terra e aos consequentes atrasos de comunicação, o sistema deve ser projetado para funcionar de forma autônoma, independente, com o mínimo de intervenção humana."
Em março, a agência espacial russa Roscosmos anunciou que irá construir um reator nuclear lunar com a Administração Nacional do Espaço da China até 2035, para abastecer uma base lunar conjunta.
O diretor-geral da Roscosmos, Yuri Borisov, declarou à mídia estatal russa que o reator seria construído "sem a presença de seres humanos".
Também em março, a Agência Espacial Britânica anunciou novos financiamentos no valor de 2,9 milhões de libras (cerca de R$ 18,6 milhões) para a demonstração de um reator nuclear modular para uso na Lua.
Depois de um estudo inicial em 2022, a colaboração entre os acadêmicos e a indústria britânica é liderada pela Rolls-Royce, um nome talvez mais associado a motores a jato e carros de luxo.
"Há mais de 60 anos, a Rolls-Royce vem projetando, fabricando e apoiando silenciosamente todos os reatores nucleares dos submarinos da marinha britânica", afirma o engenheiro-chefe do programa Novel Nuclear da empresa, Jake Thompson.
"Temos ampla experiência no fornecimento de reatores nucleares muito pequenos, muito compactos", prossegue ele. "Por isso, estamos levando essa capacidade para novos domínios que são realmente empolgantes, como a exploração espacial."
O programa de microrreatores da Rolls-Royce se encontra atualmente em fase de desenvolvimento do conceito. Protótipos dos componentes estão sendo testados e o objetivo é ter um modelo de demonstração pronto para fornecimento lunar até 2029.
"Estes são sistemas de reatores baseados em fissão, que irão usar uma forma de urânio levemente enriquecido", explica Thompson. "Temos uma boa ideia de como serão esses sistemas e de quanto eles irão pesar, o que é fundamental no espaço."
Cada microrreator da Rolls-Royce irá produzir 50-100 kW e durar pelo menos uma década.
"Ele é totalmente escalonável. Depende das necessidades de arquitetura e da infraestrutura na superfície lunar, mas idealizamos uma microrrede com alguns desses reatores suplementados com energia solar no polo sul."
O microrreator terá "o tamanho aproximado de um carro de passeio pequeno e pesará algumas toneladas", prossegue Thompson. "Para um reator nuclear, é absolutamente minúsculo. Para um sistema espacial, ainda é relativamente grande."
Muitas organizações consideram que a miniaturização é a chave para um projeto bem sucedido, incluindo o Instituto dos Futuros Nucleares, que colabora com o projeto da Rolls-Royce.
"Estamos projetando o combustível nuclear mais resistente possível, com base em algo que estamos estudando há alguns anos no Reino Unido, chamado partícula Triso (TRIestrutural ISOtrópica)", afirma Middleburgh.
"É como uma bala", segundo ele. Middleburgh faz referência às balas gobstopper – com formato esférico e sabor duradouro, feitas de diversas camadas.
"É uma espécie de combustível em que você envolve o urânio em barreiras de segurança e é extremamente resistente. Ele dura muito, pode sobreviver a milhares de graus e tem o tamanho de uma semente de papoula."
Essas camadas de segurança incluem grafite e carbureto de silício. Middleburgh afirma que o grafite é "tolerante à radiação sob altas temperaturas e é o tipo de material que usamos para as extremidades frontais das espaçonaves. E estamos agora colocando dentro de um reator".
"É um ótimo material, mas não é final. Acho que podemos fazer melhor. É no que estamos trabalhando com pessoas de todo o mundo."
Sem sombra de dúvida, esses microrreatores lunares estão gerando grande entusiasmo na indústria espacial.
Mas a energia nuclear na Terra – apesar de oferecer uma alternativa aos limitados e poluentes combustíveis fósseis – costuma ser associada às bombas atômicas, riscos de vazamento de radiação ou acidentes como o de Chernobyl, na Ucrânia, ou Fukushima, no Japão.
"Existem desafios para desenvolver os sistemas, testá-los aqui na Terra e operá-los na Lua", afirma Bhakta.
"Os ambientes naturais e induzidos – como as vibrações do lançamento, o pouso das cargas, temperaturas extremas, luz e poeira – são alguns dos pontos importantes a serem considerados. Precisamos de sistemas de energia lunares que tenham pouca massa, alta confiabilidade e tolerância a falhas, que possam enfrentar esses ambientes e ainda fornecer uma vida útil de muitos anos."
Thompson também está preparado para enfrentar o que poderia ser o pior cenário. O que aconteceria se houvesse uma explosão na atmosfera da Terra pouco depois do lançamento de uma espaçonave com material radioativo a bordo?
"Estes são desafios da engenharia que enfrentamos todos os dias", segundo ele.
"Nós só desenvolvemos um sistema quando ele é seguro em todos os aspectos do seu ciclo de vida, incluindo o lançamento. E o reator é projetado para ser ligado apenas quando finalmente chegar à superfície lunar."
"Até o reator ser ligado, o combustível nuclear no seu interior é inerte. É perfeitamente seguro manuseá-lo, tocá-lo e não é radioativo até que o reator seja ligado."
Como parte do processo de projeto, os engenheiros também consideram os procedimentos para o fim da vida útil desses microrreatores.
"Quando a missão do nosso reator lunar terminar, nós o desligaremos e os níveis de radiação irão diminuir gradualmente, para que ele possa ser tratado com segurança e movido para um local de armazenagem de longo prazo, se desejado", explica Bhakta.
O dinheiro e o tempo necessário para fazer amadurecer essas tecnologias são essenciais, mas os benefícios dos projetos de microrreatores lunares poderão se estender para a Terra, incluindo módulos de produção de energia flexíveis e escalonáveis, muito menores do que as usinas energéticas existentes, além da medicina nuclear.
"Tivemos muitos renascimentos nucleares, mas esta é uma oportunidade para demonstrar que a energia nuclear é segura e emite zero carbono no ponto de fornecimento", afirma Middleburgh. Ele é muito otimista sobre esta tecnologia, no espaço e na Terra.
"As aplicações resultantes são incríveis se pudermos demonstrar ao público que a energia nuclear pode ser fornecida de forma oportuna, dentro do orçamento e desempenhar tarefas úteis, que irão salvar o planeta."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
Fonte: correiobraziliense
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