Na semana em que a Armênia relembra os 109 anos do genocidio armênio, quando mais de 1,5 milhão teriam sido mortos pelo Império Otomano, o embaixador da Turquia no Brasil, Halil Ibrahim Akça, refutou as acusações de massacre, limpeza étnica e deportação atribuidas contra seu país. Em entrevista ao Correio, Akça afirmou que os incidentes que tiveram início em 1915 devem ser compreendidos na totalidade da conjuntura da Primeira Guerra Mundial. Ele negou a existência de um genocidio e advertiu: "Esperar por um pedido de desculpas da Turquia é injusto e irrelevante". Segundo Akça, não houve deportação de armênios durante o conflito, mas o cumprimento de uma Lei de Realocação, assinada em 27 de maio de 1915. "Os armênios que viviam nas zonas de guerra foram realocados para as regiões do sul do Império, como medida de segurança", explicou o diplomata.
Como o senhor vê as acusações de genocídio armênio contra o Império Otomano?
Os últimos anos do Império Otomano, que corresponderam à Primeira Guerra Mundial, foram um período muito doloroso para milhões de otomanos. É um dever humanitário entender e compartilhar essas dores comuns sem qualquer discriminação religiosa, étnica ou cultural. O sofrimento dos armênios durante esses anos não foi exclusivo nem maior do que o dos outros povos da Anatólia. Portanto, esse período precisa ser compreendido em sua totalidade. A narrativa armênia consiste apenas em alegações. Para entender o que exatamente aconteceu entre turcos e armênios em 1915, é preciso examinar o que ocorreu antes de 1915. O Império Otomano era uma sociedade multiétnica e multirreligiosa que refletia os impérios da época. Durante o desmantelamento do Império, muçulmanos, turcos, armênios e outras nacionalidades do Império sofreram imensamente. A entrada do Estado Otomano na Primeira Guerra Mundial foi vista como uma grande oportunidade pelos grupos armados armênios. Eles se revoltaram contra o Estado na Anatólia Oriental, colaborando com os exércitos russos czaristas invasores e outras forças estrangeiras. As milícias armênias realizaram ataques contra os civis muçulmanos e o Exército otomano, envolvendo-se em atos de sabotagem na frente oriental. Elas até mesmo atacaram armênios locais que não apoiavam sua causa, como o prefeito de Van, Bedros Kapamaciyan.
Como se explica a deportação dos armênios?
Primeiramente, a referida medida não foi uma deportação, mas uma realocação dentro do país, pois os locais de reassentamento estavam localizados dentro dos territórios otomanos. Como resultado das pesadas baixas infligidas pelos ataques armênios, o governo otomano promulgou a Lei de Realocação, em 27 de maio de 1915, por meio da qual os armênios que viviam nas zonas de guerra foram realocados para as regiões do sul do Império, como medida de segurança. Ademais, os armênios que viviam longe dos campos de batalha não foram sujeitos à realocação e os reassentados receberam o direito de voltar para suas casas após o fim da guerra.
Qual foi o objetivo dessa realocação?
Deve-se observar que não se tratava de uma punição, mas de uma medida para evitar novos conflitos e a colaboração dos armênios com as forças russas de ocupação.
E o que aconteceu em 24 de abril de 1915?
De fato, 24 de abril de 1915 foi a data em que a administração otomana emitiu uma circular ordenando o fechamento dos comitês armênios, como os Dashnaks e Hunchaks, bem como a prisão de seus líderes e daqueles que estavam envolvidos em atividades armadas destrutivas contra a segurança do Estado. Essas medidas não têm nenhum objetivo político baseado em uma determinada ideologia. Pelo contrário, elas foram implementadas devido às necessidades de segurança. Medidas semelhantes foram tomadas antes e depois da Primeira Guerra Mundial em muitos países diferentes.
O que a Lei de Realocação determinava?
A Lei de Realocação previa todas as medidas possíveis a serem tomadas pelo governo otomano para garantir a segurança dos armênios sujeitos à realocação. No entanto, é preciso ter em mente que essa lei foi implementada em condições de guerra e que alguns sofrimentos não puderam ser evitados nas circunstâncias da época, mas o número tão frequentemente citado pelos apologistas armênios é muito exagerado.
Como a lei supracitada não se baseava em nenhuma discriminação racial, uma parte significativa dos armênios foi dispensada da realocação. Armênios continuaram a viver em outras partes do Império, principalmente em Istambul e nas cidades do oeste, durante a guerra. Devido à cuidadosa implementação da Lei, centenas de milhares de armênios chegaram em segurança aos seus novos assentamentos. Os oficiais ou civis que desobedeceram às instruções do governo e cometeram crimes contra os comboios armênios foram julgados pelos tribunais militares em 1916. Do total de 1.673 pessoas que foram julgadas, 659 indivíduos acabaram condenados a diferentes punições, incluindo 67 penas de morte.
E como o senhor analisa as acusações de genocídio?
Não se pode alegar a existência de uma intenção genocida por parte de um Estado que investiga, processa e pune ativamente soldados e oficiais acusados de cometerem delitos contra os armênios. A Turquia respeita e não nega o sofrimento dos armênios. Somos contra a apresentação dos trágicos eventos de 1915 como um genocídio perpetrado por um lado contra o outro. Os esforços para distorcer esse passado doloroso, caracterizando os eventos que levaram ao colapso do Império Otomano como "genocídio", não são apenas legalmente incorretos, mas também contradizem as realidades históricas. Essa representação errônea desconsidera totalmente o sofrimento turco e muçulmano. A compaixão se torna problemática quando é seletiva.
A Armênia e outras nações aguardam um pedido formal de desculpas da Turquia? Isso está fora de questão? Por quê?
O "genocídio" é um conceito jurídico muito restrito e denota um crime claramente definido, que só pode ser estabelecido por um tribunal competente, conforme estabelecido na Convenção sobre Genocídio de 1948. De acordo com o documento, os seguintes critérios específicos são necessários para provar o genocídio: evidência concreta, veredicto de um tribunal competente e intenção de destruir (dolus specialis). Os principais tribunais da ONU confirmaram que a definição exige um padrão de prova muito alto. Ao contrário do Holocausto e dos genocídios no Camboja, Ruanda e Srebrenica, a natureza dos eventos que ocorreram durante a desintegração do Império Otomano não se enquadra nessa categoria. Simplificando, não há intenção comprovada de destruição por parte do governo otomano e não há julgamento de um tribunal competente. Assim, de acordo com a lei internacional, nem o Império Otomano nem a República da Turquia podem ser responsabilizados por um crime que não foi cometido. Como resultado, esperar por um pedido de desculpas da Turquia é injusto e irrelevante.
Mais de 30 países reconheceram que houve um genocídio armênio. O Brasil aprovou uma moção no Senado. Como o senhor vê isso?
Não existe um veredicto desse tipo dado por um tribunal competente com relação aos eventos de 1915. Portanto, os parlamentos não devem assumir o papel do Judiciário, posicionando-se em debates históricos e aprovando leis ou resoluções que incriminem países terceiros na ausência de decisões de tribunais internacionais competentes.
A politização da história não beneficia a busca acadêmica pela verdade nem ajuda os esforços para estabelecer um diálogo construtivo entre turcos e armênios. As decisões parlamentares ou declarações políticas que favorecem o relato tendencioso e controverso da história servem apenas para a propaganda dos ultranacionalistas radicais. Em vez disso, o objetivo dos políticos deve ser apoiar os esforços políticos para a normalização. Com razão, a grande maioria dos países não reconheceu os trágicos eventos de 1915 como genocídio.
Então, a que o senhor atribui o fato de armênios buscarem o reconhecimento internacional dos acontecimentos de 1915?
É importante ressaltar que não há consenso histórico, acadêmico ou jurídico sobre o que aconteceu em 1915. É a própria ausência de um consenso acadêmico e jurídico sobre essa questão que leva alguns grupos armênios a visarem órgãos políticos, especialmente parlamentos, para obter apoio para sua versão da história. Períodos controversos da história devem ser objeto de debate desapaixonado entre acadêmicos competentes e imparciais, e não um tópico para consumo político interno.
Acreditamos que eles não devem agir como historiadores ou tribunais internacionais e julgar um crime grave como o genocídio. Caso contrário, a história e a justiça serão politizadas. A Turquia propôs a formação de uma comissão conjunta de história para a Armênia, em 2005, com o objetivo de chegar a uma narrativa compartilhada, baseada em uma memória objetiva. Embora o lado armênio nunca tenha respondido a essa oferta, nossa proposta ainda está sobre a mesa.
Há uma necessidade indiscutível de mais pesquisas acadêmicas e estudos de arquivos para entender completamente a complexa cadeia de eventos que levaram à Primeira Guerra Mundial e durante a mesma no Império Otomano. Os vastos arquivos otomanos, como uma das fontes primárias da época, estão abertos e acessíveis à pesquisa acadêmica. Ao contrário, os arquivos armênios permanecem fechados até os dias atuais. (Como os Arquivos do Estado Armênio em Yerevan, os Arquivos da Delegação Dashnak e da República Armênia em Boston e os arquivos do Patriarcado Armênio em Jerusalém).
Os arquivos armênios também devem ser acessíveis a todos os pesquisadores para garantir que o trabalho acadêmico relacionado a esse período controverso da história seja firmemente baseado em fontes primárias autênticas, e não em propaganda.
Como a Turquia se posiciona em relação à disputa entre a Armênia e o Azerbaijão sobre Nagorno-Karabakh?
Como resultado de viver em uma narrativa unilateral, exagerada e inverídica, a Armênia se tornou um país isolado e agressivo. Com sua atitude agressiva e etnonacionalista, a Armênia ocupou quase um terço do Azerbaijão, imediatamente após a dissolução da União Soviética, em 1991, forçando mais de 650 mil turcos azerbaijanos a se tornarem deslocados internos ou refugiados.
Uma oportunidade histórica de paz e estabilidade duradouras na região surgiu como resultado da libertação do Azerbaijão de seus territórios ocupados, após a Segunda Guerra de Karabakh em 2020. Atualmente, há um processo de normalização em andamento entre a Turquia e a Armênia, bem como um processo de paz entre o Azerbaijão e a Armênia. Ambos os processos não ocorrem em um vácuo, mas criam impactos uns sobre os outros.
De que modo analisa o comportamento da diáspora armênia nesse debate?
Deve-se evitar a influência negativa das atividades de grupos radicais da diáspora armênia contra essas iniciativas. As decisões parlamentares que favorecem reivindicações unilaterais ou fazem tais declarações podem prejudicar esses processos. Recentemente, saudamos o acordo, alcançado em 19 de abril de 2024 pela Comissão de Delimitação da Fronteira Azerbaijão-Armênia, sobre o retorno de quatro aldeias, que estiveram sob ocupação por 30 anos, para o Azerbaijão e sobre a continuação dos trabalhos de delimitação. Esse desenvolvimento positivo obtido por meio de negociações diretas é um passo importante para a assinatura de um acordo de paz definitivo.
Qual é a sua perspectiva para o futuro do sul do Cáucaso?
Acreditamos firmemente que o sul do Cáucaso prosperará e alcançará a prosperidade regional que merece, com base em paz e estabilidade duradouras. Como sempre, a Turquia continuará a assumir suas responsabilidades nesse sentido e a incentivar o uso dessa janela histórica de oportunidade para uma paz duradoura entre o Azerbaijão e a Armênia.
Nossa expectativa em relação a terceiros é apoiar esses desenvolvimentos positivos na região, incentivando o lado armênio a se engajar em um diálogo construtivo com a Turquia.
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