23 de Novembro de 2024

O Vale do Silício da sociobiodiversidade brasileira


Belém (PA) — A junção da preservação ambiental com o conhecimento de comunidades tradicionais é um modelo de negócio promissor para o território amazônico. A sociobioeconomia busca o crescimento econômico a partir da valorização dos recursos naturais regionais, por meio de uso e beneficiamento sustentável.

O uso do prefixo sócio enfatiza a importância e o protagonismo dos povos da floresta, que cumprem papel fundamental na preservação e na produção a partir de bioinsumos.

Os ativos passam a ter valor agregado após serem beneficiados em uma cadeia produtiva que valoriza o saber da população local e não agride o meio ambiente. Atualmente, cerca de 45 bioativos são extraídos da floresta para a formulação de cosméticos, desde frutos mais tradicionais, como a castanha e o açaí, a ingredientes como ucuuba, andiroba e tucumã.

Morador das margens do rio Maratauíra, no município de Abaetetuba, a 219km de Belém, o produtor agroextrativista Vanildo Ferreira Quaresma, 53 anos, conta que a economia da região girava em torno da cana-de-açúcar. Com o solo debilitado e a produção em queda, os ribeirinhos viram nos frutos da floresta uma maneira de se reinventar.

"Primeiro, tentamos transformar os frutos do extrativismo em produtos como geleia, doces, xarope, para consumo e venda pelas comunidades. Vimos que o mercado regional não consumia esses produtos, partimos então para a produção de polpas e hoje vendemos também óleos e manteigas para a indústria", conta.

Hoje, Vanildo é presidente da Cooperativa dos Fruticultores de Abaetetuba (Cofruta), que tem 35 empregados diretos e engloba cerca de 400 famílias agroextrativistas. A Cofruta é uma das cooperativas que vendem insumos para a fabricação de produtos da Natura, que se relaciona ao todo com mais de 10 mil famílias em 44 comunidades da Amazônia.

São 94 cadeias de fornecimento que colhem bioativos respeitando os limites da floresta e o calendário das safras, bem como os modos de vida locais. Juntas, empresa e famílias contribuem para conservar 2,2 milhões de hectares no bioma.

A produção de cosméticos convencionais utiliza mais de 10 mil substâncias Poluentes Orgânicos Persistentes (POP's), que não se decompõem facilmente e que podem se acumular no corpo humano. Diminuir os impactos ambientais dessa indústria é um desafio em todo o mundo. Nesse sentido, começou o trabalho da Natura, há quase 25 anos, com a criação de um novo modelo de negócio pautado no desenvolvimento das comunidades locais que resultou no lançamento da linha Ekos, no início dos anos 2000.

A Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, popularmente conhecida como ECO-92, sediada no Rio de Janeiro, foi o ponto de partida para o que se tornaria adiante o principal pilar da marca, a sustentabilidade.

"Começamos de uma paixão pela biodiversidade brasileira e pela floresta amazônica. Entendemos isso como um modelo de negócio para manter a floresta em pé e ao mesmo tempo dar sustento para as famílias ribeirinhas. Tem a questão ambiental, mas também a social", diz Angela Pinhati, diretora de Sustentabilidade de Natura &Co América Latina.

A empresa precisou transformar os desafios socioambientais em oportunidades de negócio. "É óbvio que somos uma empresa e esse modelo só para em pé se é transformado em negócio. Mas encontramos essa maneira de valorizar e impulsionar as comunidades", destaca a diretora.

"No início, nós comprávamos sementes das comunidades; depois, passamos a tentar agregar mais valor para a comunidade, isso também foi possível porque os nossos negócios foram aumentando, passamos a vender mais Ekos, então voltamos nessas comunidades e cooperativas e começamos a instalar microindústrias para processar o óleo ali, em vez de comprar sementes, passamos a comprar óleo e manteiga, que tem maior valor agregado", afirma.

O investimento na transformação de sementes em óleos e manteigas resultou em um incremento de até 60% na renda das cooperativas, que não têm contrato de exclusividade, podendo vender assim seus insumos para diferentes empresas.

"Desde que deixamos de vender a semente e passamos a produzir o óleo e a manteiga nossa vida mudou bastante, conseguimos melhorar muita coisa, aqui (na cooperativa) e em casa, além do conhecimento. Meus filhos puderam estudar e hoje já tenho até um deles formado na Universidade", conta Ângela de Socorro, de 55 anos, coordenadora de produção de óleo e manteiga da Cofruta.

Somente em 2023, R$ 42,8 milhões em recursos foram alocados nas comunidades amazônicas. Além de investimentos em infraestrutura, como máquinas e equipamentos, o aporte financeiro tem dado outros tipos de retorno para as cooperativas. Na Cofruta, por exemplo, a instalação de painéis solares fez com que a conta de energia da pequena indústria caísse de R$ 22 mil para R$ 300.

Anunciado em janeiro, o projeto Amazônia Viva, desenvolvido pela Natura, em parceria com a VERT Securitizadora e o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio), une capital privado e filantrópico e busca garantir previsibilidade aos produtores de insumos das comunidades ribeirinhas. A iniciativa começou com 10 cooperativas e associações agroextrativistas, impactando os meios de vida de mais de 1.800 famílias na região. A fase-piloto conta com investimento de R$ 12 milhões.

O objetivo do novo mecanismo de financiamento é fazer com que os produtores garantam capital de giro para dar segurança à safra, que já tem sido impactada pelos efeitos das mudanças climáticas.

"As estações eram bem demarcadas, com o inverno com bastante chuva e o verão seco. Hoje em dia não, você não sabe muitas vezes se já chegou o verão. A gente não fica mais aqueles dois ou três meses sem água", conta Vanildo Ferreira Quaresma.

Essas adversidades, segundo o presidente da Cofruta, já têm impactado a produção: "Primeiro, o açaí dava e depois a safra acabava. Hoje, não, continua a produção no inverno, tem a questão da produção de sementes também, tem ano que não tem frutos. Para a gente que trabalha com extrativismo é complicado, diferente do cultivo em que você planta e sabe que vai dar, aqui dependemos totalmente da natureza."

A capital paraense será sede da Conferência do Clima sobre Mudanças Climáticas das Nações Unidas (COP 30), marcada para os dias 10 e 21 de novembro de 2025. Para o governador do estado, Helder Barbalho (MDB), será uma importante oportunidade de apresentar ao mundo um case de sucesso da indústria na Amazônia, com olhar para as comunidades ribeirinhas.

"O erro inicia quando ao falar sobre a Amazônia esquecem que aqui tem gente, que aqui tem 29 milhões de pessoas que precisam de oportunidade. O nosso desafio é fazer com que a floresta viva possa valer mais do que a floresta morta. Precisamos pegar todas as riquezas que a floresta produz, que os povos ancestrais têm tanto conhecimento, e agregar ciência, tecnologia e inovação", diz.

Segundo Barbalho, a marca da Amazônia tem sido muito usada "apenas para fazer de conta e gerar agregação publicitária".

"O que nós queremos para a Amazônia é pegar a riqueza da floresta, fazer pesquisa e inovação, gerar emprego para a população local e verticalizar aquilo que vem da floresta. Temos grande potencial para cosméticos e fármacos que gerem uma cadeia de oportunidades de negócio, para que com isso nós possamos deixar benefícios para as comunidades locais."

O governador reforça ainda a importância de políticas públicas que agreguem o conhecimento tradicional à iniciativa privada. "Nada disso seria possível sem o envolvimento de pessoas. Eu tenho andado o mundo mostrando os desafios da Amazônia e nós temos um conceito muito forte, de que chegou o momento de nós falarmos sobre nós", destaca.

O Ecoparque, complexo industrial da Natura localizado em Benevides, município da região metropolitana de Belém (PA), completou 10 anos de operações. Cerca de 94% da demanda de sabonetes de Natura &Co América Latina (Natura, Avon e The Body Shop) é atendida pela fábrica, que se destaca no campo da pesquisa de bioativos, práticas industriais sustentáveis e desenvolvimento de produtos a partir da bioinovação.

A estrutura conta com iluminação natural e jardins de filtragem de resíduos, e foi construída baseada no conceito de simbiose, onde os insumos gerados ou descartados são reaproveitados em outra etapa de produção. Todas as etapas de fabricação são realizadas no espaço, desde o manejo sustentável dos óleos vegetais fornecidos por comunidades parceiras, passando pela produção da massa base de sabonetes até a finalização da produção com outros insumos incorporados à massa.

A área de 172 hectares, equivalente a 140 campos de futebol, passa agora a ceder espaço para outras indústrias fornecedoras de insumos e embalagem operarem no local, reduzindo custos e o impacto ambiental. "Queremos fazer da Amazônia o Vale do Silício da sociobiodiversidade brasileira", diz Josie Romero, vice-presidente de Operações e Logística da Natura.

O complexo conta com aproximadamente 600 colaboradores diretos e indiretos, e 100% da mão de obra operacional é paraense, incluindo a alta liderança da fábrica. A executiva destaca a importância de manter um relacionamento próximo das comunidades agroextrativistas na região.

"São eles que nos apoiam a expandir as cadeias produtivas sustentáveis por meio de relacionamento próximo com as famílias. O objetivo é que as cooperativas agroextrativistas prosperem com a economia da floresta em pé, produzam riqueza localmente e sejam vetores na promoção do desenvolvimento social, conservação e regeneração ambiental", afirma Romero.

A repórter viajou a convite da Natura

Fonte: correiobraziliense

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