Aos quatro anos, Janaína Kuhn, hoje com 40 anos, sofreu uma queda ao tentar subir no muro da casa onde morava com a família enquanto brincava com os irmãos. Dias depois, um caroço apareceu em suas costas, no local da pancada, e um osso começou a se formar na sua lombar.
A criança então começou a perder alguns movimentos, não conseguindo mais girar o pescoço. A família buscou atendimento médico e depois de passar por diversas consultas e fazer vários exames, nada foi constatado na menina.
Muito ativa, Janaína conta que, apesar dessa limitação de movimento, teve uma infância e adolescência normais, como qualquer pessoa nessa faixa etária. Andava de bicicleta, patins, jogava vôlei, corria e frequentava a escola.
No entanto, aos 18 anos passou a ter dores intensas e perdeu parte dos movimentos dos ombros, não conseguindo mais abrir os braços totalmente.
“Eu sentia muita dor e passei a procurar médicos para tentar entender o que estava acontecendo comigo. Porém, os exames de sangue davam normais e não tínhamos respostas. Teve médico que chegou a dizer que minha mãe estava querendo ver coisa errada, que eu não tinha nada”, conta.
Aos 19 anos, Janaína recebeu o diagnóstico de câncer ao ser avaliada por um médico e foi internada para retirar parte do tumor para biópsia.
“Quando recebemos a notícia foi um choque. Um buraco se abre e a gente não sabe nem o que pensar”, diz.
Porém, após análise foi constatado que o "nódulo" que estava no quadril de Janaína não era um tumor.
O alívio inicial veio acompanhado de complicações na saúde. Depois da cirurgia para a retirada do nódulo, Janaína teve calcificação no quadril e perdeu parte dos movimentos do lado direito.
“Meu quadril calcificou em um ângulo que fez com que a minha perna ficasse 10 centímetros mais alta do chão. Passei a ter dificuldade para andar e sentar, já que ele endureceu e minha perna fica sempre reta”, conta.
A saga por um diagnóstico, seguiu por mais três anos, até que durante uma sessão de fisioterapia, a profissional levantou a hipótese de que Janaína podia ter Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) - uma doença rara que leva à formação de ossos no interior de músculos, tendões e ligamentos, restringindo os movimentos.
“Eu nunca tinha ouvido falar sobre a doença e passei a pesquisar na internet sobre ela. Vi que várias características eram semelhantes. Mais uma vez um buraco se abriu à minha frente”, relata.
Moradora de Novo Hamburgo (RS), Janaína encontrou na internet uma médica em São Paulo especialista em FOP.
Após ser avaliada pela profissional, o diagnóstico se confirmou e desde então, Janaína é aposentada por invalidez e toma diversas precauções para não se machucar – já que qualquer lesão pode levar à calcificação da área atingida aumentando a limitação dos movimentos.
“Moro com minha mãe em um sítio e preciso de auxílio para tarefas diárias que não consigo fazer, como me trocar. Busco aproveitar o hoje, porque eu não sei como vai ser o dia de amanhã”, diz.
“É como se eu vivesse presa no meu corpo”.
A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva é uma doença genética rara que atinge cerca de um a cada um milhão de pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que há cerca de 100 pacientes com a doença.
A FOP se origina por uma alteração no gene ALK2/ACVR1, que faz com que qualquer tipo de trauma, por menor que seja, gere processos inflamatórios nos músculos ou tendões, causando a morte da fibra fazendo com que um osso surja na região.
“Os músculos, tendões e articulações vão enrijecendo e o corpo deixa de ter movimento. Qualquer batida no corpo, machucado, injeção ou vacina pode fazer com que calcifique a área atingida fazendo com que o paciente fique cada vez mais debilitado”, explica Diogo Domiciano, reumatologista do Hospital das Clínicas da USP e integrante dos Núcleos Avançados de Reumatologia e de Saúde Óssea do Hospital Sírio-Libanês.
A FOP não tem cura nem tratamento específico, o que se faz é apenas amenizar as dores e inflamações provocadas por ela.
A médica Patrícia Delai, especialista em FOP e membro do Conselho Clínico Internacional sobre a doença, explica que o diagnóstico precoce é essencial para a qualidade de vida do paciente.
Uma característica presente em 98% dos pacientes com a doença genética é uma malformação nos pés, o que deve ser o primeiro sinal de alerta para os médicos e pais.
“Os bebês com FOP nascem com o dedão do pé menor que os demais e virado para dentro. Esse é o primeiro sinal de alerta de que aquele paciente precisa ser acompanhado. Porém, como é uma doença muito rara, acaba passando despercebido esse sinal”, diz Delai.
Em caso de suspeita da doença, é preciso suspender todos os procedimentos cirúrgicos, injeções e vacinas intramusculares daquele paciente, já que qualquer trauma no músculo pode desencadear a formação de um novo osso, e consequentemente, gerar a perda de movimento na região.
“Os exames de imagem como raio x e tomografia ajudam a confirmar a FOP, assim como o exame genético”, acrescenta a médica.
A doença pode atingir todas as áreas do corpo, inclusive a mandíbula, fazendo com que o paciente tenha dificuldade de se alimentar.
“Temos casos em que a mandíbula do paciente se calcificou com dois milímetros de abertura dificultando a alimentação e a fala. Nesses casos, os pacientes passam a se alimentar através de sonda”, diz Domiciano.
“É uma doença extremamente incapacitante e deixa muitos pacientes acamados”, acrescenta o médico.
Atualmente o Projeto de Lei 5.090/20, que está em tramitação, busca tornar obrigatório o exame clínico para identificar a FOP em recém-nascidos, na triagem neonatal da rede pública e privada.
O objetivo é que os médicos tenham conhecimento sobre a doença e caso haja má formação nos dedos dos pés dos recém-nascidos, isso seja acrescentado no protocolo de exames, fazendo com que o bebê seja encaminhado para exames específicos logo após o nascimento.
Fonte: correiobraziliense
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