21 de Dezembro de 2024

'Presa no meu corpo': a brasileira com doença genética rara que transforma pessoas em ‘estátuas’


Aos quatro anos, Janaína Kuhn, hoje com 40 anos, sofreu uma queda ao tentar subir no muro da casa onde morava com a família enquanto brincava com os irmãos. Dias depois, um caroço apareceu em suas costas, no local da pancada, e um osso começou a se formar na sua lombar.

A criança então começou a perder alguns movimentos, não conseguindo mais girar o pescoço. A família buscou atendimento médico e depois de passar por diversas consultas e fazer vários exames, nada foi constatado na menina.

Muito ativa, Janaína conta que, apesar dessa limitação de movimento, teve uma infância e adolescência normais, como qualquer pessoa nessa faixa etária. Andava de bicicleta, patins, jogava vôlei, corria e frequentava a escola.

No entanto, aos 18 anos passou a ter dores intensas e perdeu parte dos movimentos dos ombros, não conseguindo mais abrir os braços totalmente.

“Eu sentia muita dor e passei a procurar médicos para tentar entender o que estava acontecendo comigo. Porém, os exames de sangue davam normais e não tínhamos respostas. Teve médico que chegou a dizer que minha mãe estava querendo ver coisa errada, que eu não tinha nada”, conta.

Aos 19 anos, Janaína recebeu o diagnóstico de câncer ao ser avaliada por um médico e foi internada para retirar parte do tumor para biópsia.

“Quando recebemos a notícia foi um choque. Um buraco se abre e a gente não sabe nem o que pensar”, diz.

Porém, após análise foi constatado que o "nódulo" que estava no quadril de Janaína não era um tumor.

O alívio inicial veio acompanhado de complicações na saúde. Depois da cirurgia para a retirada do nódulo, Janaína teve calcificação no quadril e perdeu parte dos movimentos do lado direito.

“Meu quadril calcificou em um ângulo que fez com que a minha perna ficasse 10 centímetros mais alta do chão. Passei a ter dificuldade para andar e sentar, já que ele endureceu e minha perna fica sempre reta”, conta.

A saga por um diagnóstico, seguiu por mais três anos, até que durante uma sessão de fisioterapia, a profissional levantou a hipótese de que Janaína podia ter Fibrodisplasia Ossificante Progressiva (FOP) - uma doença rara que leva à formação de ossos no interior de músculos, tendões e ligamentos, restringindo os movimentos.

“Eu nunca tinha ouvido falar sobre a doença e passei a pesquisar na internet sobre ela. Vi que várias características eram semelhantes. Mais uma vez um buraco se abriu à minha frente”, relata.

Moradora de Novo Hamburgo (RS), Janaína encontrou na internet uma médica em São Paulo especialista em FOP.

Após ser avaliada pela profissional, o diagnóstico se confirmou e desde então, Janaína é aposentada por invalidez e toma diversas precauções para não se machucar – já que qualquer lesão pode levar à calcificação da área atingida aumentando a limitação dos movimentos.

“Moro com minha mãe em um sítio e preciso de auxílio para tarefas diárias que não consigo fazer, como me trocar. Busco aproveitar o hoje, porque eu não sei como vai ser o dia de amanhã”, diz.

“É como se eu vivesse presa no meu corpo”.

A Fibrodisplasia Ossificante Progressiva é uma doença genética rara que atinge cerca de um a cada um milhão de pessoas no mundo. No Brasil, estima-se que há cerca de 100 pacientes com a doença.

A FOP se origina por uma alteração no gene ALK2/ACVR1, que faz com que qualquer tipo de trauma, por menor que seja, gere processos inflamatórios nos músculos ou tendões, causando a morte da fibra fazendo com que um osso surja na região.

“Os músculos, tendões e articulações vão enrijecendo e o corpo deixa de ter movimento. Qualquer batida no corpo, machucado, injeção ou vacina pode fazer com que calcifique a área atingida fazendo com que o paciente fique cada vez mais debilitado”, explica Diogo Domiciano, reumatologista do Hospital das Clínicas da USP e integrante dos Núcleos Avançados de Reumatologia e de Saúde Óssea do Hospital Sírio-Libanês.

A FOP não tem cura nem tratamento específico, o que se faz é apenas amenizar as dores e inflamações provocadas por ela.

A médica Patrícia Delai, especialista em FOP e membro do Conselho Clínico Internacional sobre a doença, explica que o diagnóstico precoce é essencial para a qualidade de vida do paciente.

Uma característica presente em 98% dos pacientes com a doença genética é uma malformação nos pés, o que deve ser o primeiro sinal de alerta para os médicos e pais.

“Os bebês com FOP nascem com o dedão do pé menor que os demais e virado para dentro. Esse é o primeiro sinal de alerta de que aquele paciente precisa ser acompanhado. Porém, como é uma doença muito rara, acaba passando despercebido esse sinal”, diz Delai.

Em caso de suspeita da doença, é preciso suspender todos os procedimentos cirúrgicos, injeções e vacinas intramusculares daquele paciente, já que qualquer trauma no músculo pode desencadear a formação de um novo osso, e consequentemente, gerar a perda de movimento na região.

“Os exames de imagem como raio x e tomografia ajudam a confirmar a FOP, assim como o exame genético”, acrescenta a médica.

A doença pode atingir todas as áreas do corpo, inclusive a mandíbula, fazendo com que o paciente tenha dificuldade de se alimentar.

“Temos casos em que a mandíbula do paciente se calcificou com dois milímetros de abertura dificultando a alimentação e a fala. Nesses casos, os pacientes passam a se alimentar através de sonda”, diz Domiciano.

“É uma doença extremamente incapacitante e deixa muitos pacientes acamados”, acrescenta o médico.

Atualmente o Projeto de Lei 5.090/20, que está em tramitação, busca tornar obrigatório o exame clínico para identificar a FOP em recém-nascidos, na triagem neonatal da rede pública e privada.

O objetivo é que os médicos tenham conhecimento sobre a doença e caso haja má formação nos dedos dos pés dos recém-nascidos, isso seja acrescentado no protocolo de exames, fazendo com que o bebê seja encaminhado para exames específicos logo após o nascimento.

Fonte: correiobraziliense

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