Milhares de ucranianos deixaram suas casas no nordeste do país depois que as tropas da Rússia cruzaram a fronteira, tomando pelo menos nove vilarejos e ameaçando a cidade de Vovchansk.
A Ucrânia retirou suas tropas destes vilarejos na região de Kharkiv, a segunda maior cidade do país, que Kiev conseguiu recuperar no outono de 2022.
Os soldados ucranianos foram suplantados pelo poder de fogo inimigo e deslocaram-se para "posições mais favoráveis" em duas áreas da região nordeste, disse um porta-voz militar — o que indica uma retirada.
O presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, cancelou suas viagens ao exterior, enquanto as tropas do país lutam para conter a nova incursão pela fronteira, com várias cidades e vilarejos sob forte artilharia.
Zelensky ordenou o adiamento de "todos os eventos internacionais previstos para os próximos dias" e o agendamento de novas datas, segundo seu secretário de imprensa, Sergiy Nykyforov.
Em paralelo, o secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, reafirmou na quarta-feira (15/05) em Kiev o apoio do seu governo à Ucrânia, ao final de uma visita de dois dias.
Blinken também anunciou um pacote adicional de US$ 2 bilhões em financiamento militar para a Ucrânia, que vai ajudar o país a reforçar sua defesa em um momento que classificou como "crítico".
A ofensiva nos arredores de Kharkiv é considerada um dos ataques terrestres mais significativos desde o início da invasão russa da Ucrânia em 2022.
E isso acontece mais de um ano e meio depois de as tropas ucranianas terem recuperado o controle desta região, que havia sido tomada pelos russos.
As autoridades de Kiev e muitos especialistas estavam prevendo esta ofensiva, o que leva à seguinte pergunta: por que o Exército russo conseguiu avançar com tanta facilidade?
As tropas russas lançaram sua ofensiva na sexta-feira (10/5), atravessando a fronteira no nordeste da Ucrânia e espalhando-se em várias direções.
Nos dias que se seguiram, capturaram vilarejos, e o Exército russo avançou entre cinco e seis quilômetros no território ucraniano, em uma linha de fronteira de 100 quilômetros de extensão, segundo o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps.
Já o Exército ucraniano afirmou que havia "repelido o inimigo" dos arredores da cidade de Vovchansk e mencionou alguns "sucessos táticos".
Em comunicado divulgado na noite de segunda-feira (13/5), disse que a Rússia havia perdido mais de 100 soldados só naquele dia.
De acordo com David Gendelman, especialista militar israelense, o objetivo do Exército russo era criar uma "zona de segurança" contínua ao longo da fronteira com a Ucrânia.
O presidente russo, Vladimir Putin, havia mencionado o conceito de "zona tampão" durante um discurso em março, e a imprensa ocidental havia especulado nos últimos dois meses sobre um possível ataque na região, por isso não foi algo inesperado.
Também em março, o comandante-chefe das Forças Armadas da Ucrânia, Oleksandr Syrskyi, disse à agência de notícias nacional do país que suas tropas tinham um histórico de sucesso no que diz respeito à defesa de Kharkiv.
"Se os russos voltarem para lá, Kharkiv se tornará uma cidade fatal para eles", advertiu, na ocasião.
No entanto, alguns oficiais militares explicaram que quando o ataque ocorreu, a primeira linha de defesa (entre 1,5 e 6 quilômetros da fronteira russa) não estava adequadamente fortificada.
Segundo eles, os campos minados, as trincheiras antitanque e os "dentes de dragão" — barreiras de concreto à prova de veículos blindados — deveriam ter retardado a movimentação do inimigo.
O general Oleksandr Yakovets, chefe do Serviço Especial de Transporte do Estado, explicou que os bombardeios constantes tornaram impossível reforçar a linha de frente.
Ele acrescentou que quando a nova ofensiva começou, os combatentes ucranianos foram forçados a recuar vários quilômetros, o que permitiu à Rússia ocupar os vilarejos na fronteira.
Nos últimos dias, também houve uma mudança de comando, o que alguns interpretam como um sinal de que a defesa da região de Kharkiv não estava preparada.
O general Mykhailo Drapatyi foi nomeado como novo comandante responsável pela região, no lugar de Yuriy Halushkin.
"Eles não mudam de comandante sem mais nem menos", avalia o especialista militar israelense David Gendelman.
"Isso significa que havia deficiências."
A Ucrânia tem pedido armas e ajuda militar aos seus aliados globais há meses.
"Realmente parece que o mundo cochilou desta vez", afirmou o secretário de Defesa do Reino Unido, Grant Shapps.
Ele acrescentou que "isso iria acontecer por causa dos atrasos na obtenção do que precisavam".
Agora, a situação começou a mudar. Em abril, após um ano de debate político, os Estados Unidos aprovaram um pacote de ajuda militar de US$ 61 bilhões (R$ 310 bilhões) que o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, descreveu como "vital".
Em fevereiro, a União Europeia anunciou um acordo para liberar 50 bilhões de euros (R$ 280 bilhões) para a Ucrânia, depois de a Hungria ter suspendido o veto à medida.
Entre fevereiro de 2022 e fevereiro de 2024, a Alemanha forneceu armas e equipamentos no valor de R$ 55 bilhões à Ucrânia, enquanto o Reino Unido enviou o equivalente a R$ 29 bilhões em ajuda militar.
Especialistas acreditam que este ataque colocou em evidência que a Ucrânia está "na defensiva", lutando por uma região que já havia recuperado, enquanto esgota ainda mais seus recursos.
O general britânico Richard Shirreff, ex-subcomandante da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acredita que é hora de uma "mudança fundamental na estratégia".
Ele afirma que a atual estratégia do Ocidente de fornecer à Ucrânia apenas recursos "suficientes" para se defender, a impediu de ser bem-sucedida.
"Não se pode travar uma guerra com uma mão amarrada nas costas. A melhor forma de defesa é o ataque, e a Ucrânia não vai recuperar território a menos que seja capaz de desenvolver uma capacidade ofensiva significativa, e isso leva tempo", avalia.
"O que a Ucrânia precisa mais do que qualquer outra coisa é de tempo; e o que os russos estão tentando fazer é negar tempo à Ucrânia."
Shapps ecoou este pensamento, afirmando que avanços poderiam ser feitos se "todos dessem as caras e fornecessem à Ucrânia o que ela precisava" em termos de pacotes de ajuda.
"É uma questão de vontade política, e a minha simples mensagem para o mundo, e em particular para os Estados Unidos, é que é muito mais barato se defender, e assim dissuadir Putin aqui e agora, do que permitir a ele vencer."
A inteligência ucraniana acredita que há cerca de 30 mil soldados russos na região de Kharkiv.
A maioria dos analistas militares acha que o número é demasiado pequeno para que uma operação em grande escala ataque ou cerque esta cidade, onde vivem cerca de um milhão de pessoas.
Gendelman acredita que há uma "névoa" na guerra, e que as intenções da Rússia não estão claras, mas pode ser que seja capturar a cidade de Vovchansk, na fronteira nordeste do país.
O Exército russo está bombardeando ativamente as pontes da região, tentando acabar com as rotas de abastecimento das tropas ucranianas e isolar a zona de combate.
As autoridades russas não deram qualquer declaração sobre a abertura de uma nova frente.
No entanto, em 11 de maio, em sua atualização diária, o Ministério da Defesa russo disse que havia "libertado" — ou seja, ocupado — cinco povoados na região de Kharkiv.
O historiador e especialista militar Mikhail Zhirokhov acredita que a recente nomeação do general Mykhailo Drapatyi para comandar a região de Kharkiv, também pode representar uma mudança na abordagem de defesa na área.
Ele observou que várias novas brigadas ucranianas foram designadas para a região — e que algumas unidades anunciaram publicamente seu envio para lá.
Mas advertiu:
"Transferir ainda mais reservas operacionais para esta direção pode ser arriscado."
Fonte: correiobraziliense
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