Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv, trocou o escritório em Kiev pelas trincheiras, na região de Donbass, no leste da Ucrânia. A decisão de se alistar veio em dezembro. "Na condição de marido e pai, não vejo outra forma de proteger minha família. Nenhum de meus antepassados fugiu. Vivemos nessa terra por mais de mil anos e sobrevivemos a todos os invasores, do leste e do oeste. Não me vejo como emigrante, nem como mendigo refugiado. E não quero esse destino para meus filhos", afirmou ao Correio, por meio do WhatsApp. "Como cidadão nas forças armadas, espero matar o maior número possível de soldados russos. Nós os chamamos de 'orcs'. Também espero sobreviver. Eventualmente, isso significará a derrota da Rússia, devido aos esforços comuns de todos os ucranianos."
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O cientista político que pegou em armas encarna a determinação dos compatriotas em expulsar as tropas de Vladimir Putin de seu território. Depois de 816 dias de combates, a guerra entre Rússia e Ucrânia entra em semanas decisivas. As forças de Moscou assediam Kharkiv, a segunda maior cidade do país, na região leste do país.
Na última sexta-feira, os soldados russos começaram a arrasar a cidade de Vovchansk e avançaram a nordeste de Kharkiv. "A guerra tem sido muito complicada desde o início. Com 450 mil homens, o Exército russo é maior e mais bem equipado do que o nosso. Sozinha, a Ucrânia conseguiu destruir armas e veículos. Isso ocorreu sem que tivéssemos superioridade aérea, humana e de combate. O desequilíbrio ainda está aqui. Por isso, a Rússia continua progredindo", disse Burkovsky.
Natalia Kurdiukova, chefe do Centro de Mídia de Kharkiv, explicou ao Correio que as tentativas da Rússia de atacar a região não a surpreendem. "Dados de inteligência da Ucrânia e de aliados apontavam para essa tendência. O inimigo não abandonou essas tentativas. A cidade de Kharkiv se situa perto da zona de batalha, por isso, entendemos os riscos envolvidos. Cada um de nós toma decisões com base na situação atual."
De acordo com ela, até a sexta-feira passada, cerca de 9 mil pessoas tinham sido removidas de vilarejos, em um esforço conjunto de voluntários do Centro de Coordenação Humanitária, da Polícia Nacional, da Sociedade da Cruz Vermelha ucraniana e de outras entidades. "Nós temos evidências de que os russos usam os civis como escudos hianos. As autoridades investigam denúncias de que 40 civis são mantidos em cativeiro pelos russos, e que os ocupantes usam armas contra os moradores", relatou Kurdiukova. "Também temos informações sobre o funcionamento de um campo de 'filtração', onde ucranianos são submetidos a interrogatórios sob tortura."
Kurdiukova disse que a intensidade dos combates aumentou nas áreas fronteiriças, na parte norte de Kharkiv, e na cidade de Vovchansk. "As Forças Armadas da Ucrânia não permitiram que o inimigo avançasse, ainda que os russos controlem algumas vias ao norte de Vovchansk", contou. Na noite de 10 de maio, soldados de Putin tentaram atravessar a fronteira com a Ucrânia em grupos de três a 10 pessoas, algumas vezes com o apoio de tanques e de blindados.
Diretora do Centro pelas Liberdades Civis, ONG em Kiev laureada com o Nobel da Paz, em 2022, a advogada e ativista ucraniana Oleksandra Matviichuk reclama da demora da ajuda militar ao presidente Volodymyr Zelensky. "Os países europeus começaram a entender algo muito simples: esta não é uma guerra entre dois Estados. Se não conseguirmos parar Putin na Ucrânia, ele irá adiante. Políticos russos têm discutido, de forma aberta, sobre o próximo país a ser atacado: Estônia ou Polônia. Por isso, países democráticos apoiam a Ucrânia na resistência à agressão russa", admitiu ao Correio, por telefone.
A ativista e advogada ucraniana externou a gratidão pela ajuda prometida pelo Ocidente e ressaltou que, além de ser uma potência militar, a Rússia possui armas nucleares e imensas reservas de petróleo e de gás. Também goza do poder de veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas. "Para ajudar o meu país, é preciso que os países coloquem como meta a ambição de conduzirem a Ucrânia à vitória", acrescentou Oleksandra.
Olexiy Haran, professor de política compartiva da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, reconheceu que Putin tenta mudar o panorama da guerra, com a ofensiva sobre Kharkiv. "Muitos especialistas militares veem isso como uma tentativa do Kremlin de desviar a atenção dos ucranianos para o que ocorre no leste, na região de Donbass", afirmou à reportagem. Ele acredita que haverá outros momentos decisivos na batalha pela Ucrânia.
Haran avalia como sensível o fato de a ajuda militar prometida pelos Estados Unidos ainda não ter chegado à região. "Para a Rússia, isso é um 'vento de oportunidade'. Eles querem usar os próximos meses para mudar a situação, estrategicamente, no front. Moscou obteve alguns sucessos táticos, mas não estratégicos. Esse momento da guerra é importante", acrescentou.
"O perigo de uma derrota nunca sai de nossas mentes. Metade da nação será executada, como na cidade de Bucha. Os que sobreviverem serão alistados no Exército russo para conquistarem a Polônia, a Hungria e os Países Bálticos. Esse perigo nunca deixou de existir desde 2022."
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), hoje soldado em Donbass
"Nossa cidade tem estado sob constantes bombardeios desde 2022. Os russos atacam Kharkiv com vários armamentos, e usaram bombas guiadas, drones Shahev e vários tipos de mísseis balísticos. O inimigo não foi capaz de se aproximar diretamente de Kharkiv. Então, não vemos risco de ocupação da cidade por agora."
Natalia Kurdiukova, chefe do Centro de Mídia de Kharkiv (leste)
"Nós ainda esperamos por assistência militar. Os russos aproveitaram a situação para capturarem o maior número possível de pequenos territórios, no leste. É difícil para a Ucrânia combatê-los, se nossos soldados permanecerem de mãos vazias. Isso tem provocado inúmeras mortes de ucranianos no front."
Oleksandra Matviichuk, diretora do Centro pelas Liberdades Civis, ONG em Kiev laureada com o Nobel da Paz, em 2022
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