O aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, anunciou o início do processo sucessório no país persa por volta das 14h desta segunda-feira (7h30 em Brasília). "Em concordância com o artigo 131 da Constituição, senhor (Mohammad) Mokhber, será o chefe do Executivo e está obrigado a cooperar com os chefes do Legislativo e do Judiciário para facilitar a eleição de um novo presidente dentro de, no máximo, 50 dias", escreveu na rede social X. Ao confirmar o "martírio" do presidente Ebrahim Raisi, do chanceler Hossein Amirabdollahian e de mais sete pessoas, incluindo dois pilotos, na queda de uma helicóptero, perto da fronteira com o Azerbaijão, Khamenei declarou "cinco dias de luto público". A televisão estatal iraniana divulgou que líderes do Poder Judiciário, do governo e do Parlamento aprovaram, em reunião, o calendário eleitoral. "Segundo o acordo inicial do Conselho de Guardiães, decidiu-se que a 14ª eleição presidencial será realizada em 28 de junho", afirmou.
Procissões fúnebres em homenagem a Raisi, morto aos 63 anos, serão realizadas em várias cidades. A partir desta terça-feira, o corpo será recebido na cidade de Tabriz, próximo ao local do acidente. Nesta quarta-feira (22/5), será a vez de Teerã despedir-se do líder ultraconservador, que será sepultado na quinta-feira, em Mashhad, sua cidade natal. "A nação iraniana perdeu um servo sincero e valioso", declarou Khamenei, de quem Raisi era considerado um potencial sucessor. O helicóptero Bell 212 perdeu contato no início da tarde de domingo (19), quando atravessava uma área montanhosa, próximo à fronteira com o Azerbaijão, em meio a muita neblina e chuva. Os destroços do aparelho somente foram encontrados cerca de 16 horas depois. O Irã instaurou um inquérito para determinar as causas e as responsabilidades pelo acidente.
Vários chefes de Estado e de governo prestaram condolências a Teerã. O papa Francisco transmitiu seus pêsames a Khamenei e reafirmou sua "proximidade espiritual" com o Irã. "Confiando as almas dos falecidos à misericórdia do Todo Poderoso, e com as orações por aqueles que choram sua perda, especialmente suas famílias, transmito a garantia da proximidade espiritual à nação nesses momentos difíceis", declarou, em telegrama enviado ao líder supremo. O líder russo, Vladimir Putin, chamou Raisi de "político notável" e lembrou que ele deu uma "contribuição pessoal inestimável para o desenvolvimento das relações" entre os dois países. O brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva contou que soube da confirmação da morte do iraniano "com pesar". "Minhas condolências aos familiares de todas as vítima, ao governo e ao povo iraniano", escreveu no X.
A reação mais polêmica veio dos Estados Unidos. O porta-voz da Casa Branca, John Kirby, destacou que Raisi "era um homem com as mãos manchadas de sangue" e responsável por abusos "atrozes" dos direitos humanos no Irã. Ao mesmo tempo, o Departamento de Estado americano enviou mensagem de "condolências oficiais", em um comunicado protocolar. Washington e Teerã mantêm uma inimizade há 55 anos. Raisi, inclusive, estava em uma lista de sancionados pelos EUA. O governo de Joe Biden confirmou um pedido de ajuda do Irã para encontrar o helicóptero, no domingo. "Enquanto o Irã elege um novo presidente, reafirmamos o nosso apoio ao povo iraniano e à sua luta pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais", afirmou a chancelaria, por meio de nota.
Mahjoob Zweiri, professor de política contemporânea do Oriente Médio da Universidade do Catar, afirmou ao Correio que Raisi era um "líder peso-pesado" no sistema político iraniano. "Ele foi o chefe do Judiciário e era um dos principais nomes para suceder Khamenei. Era bastante proeminente na elite política do país. A morte de Raisi significa muito para o regime, especialmente em um tempo onde são poucos os potenciais candidatos do front conservador para as eleições", disse. "Sua morte não afetará a estrutura do regime. A Constituição determina, de acordo com os artigos 131 a 1324, que o vice-presidente assuma interinamente e eleições sejam realizadas em 50 dias. Basicamente, as coisas seguirão o rumo normal. No entanto, o Irã acaba de escolher um novo Parlamento, que assumirá suas funções em 27 de maio, e isso pode contribuir com algum grau de incerteza regional."
Segundo Zweiri, a personalidade política mais cotada para ser eleita presidente, em 28 de junho, é Ali Larijani, ex-líder do Parlamento iraniano. "Larijani faz parte da ala conservadora. De qualquer forma, o sucessor de Raisi representará o continuísmo. Será preciso aguardar para vermos que postulará a candidatura", comentou.
Por sua vez, Ali Alfoneh — analista do Instituto dos Estados Árabes do Golfo (em Washington) — aposta que o aiatolá Ali Khamenei tentará encontrar alguém "tão maleável, ineficiente e dócil quanto Raisi". "Muitas figuras do establishment podem tentar sua sorte, agora que tudo está em jogo. A lista inclui soldados políticos, como o pragmático e bon vivant Mohammad Bagher Ghalibaf, ex-presidente do Parlamento, ou o próprio Larijani. Também fazem parte dela os ex-presidentes Mahmud Ahmadinejad e Hassan Rouhani", explicou ao Correio.
Para Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard, a queda do helicóptero de Raisi marcou um "momento histórico no Irã". Além de ter provocado a morte sem precedentes de um presidente iraniano em exercício, o desastre repercute em todo o Oriente Médio e no mundo, ante a influência dos indivíduos envolvidos. "O evento ocorre em um momento de considerável tensão na região e na dinâmica política interna. A elevação de Mokhber à presidência deve garantir a continuidade da governança, mas também sublinha a influência do aiatolá na estrutura política do Irã, onde até provisões constitucionais estão sujeitas à sua aprovação", lembrou à reportagem. Além de Larijani e de Ahmadinejad, Rafizadeh aponta Mohsen Rezaee — comandante-chefe da Guarda Revolucionária Islâmica, entre 1981 e 1997 — e Saeed Jalili, secretário do Conselho Supremo de Segurança Nacional, entre 2007 e 2013, como prováveis candidatos.
No domingo (19), horas depois do desastre aéreo, as autoridades reforçaram a segurança nas principais cidades do Irã. O jornalista Taghi Rahmani, 64, marido da ativista e prisioneira política Narges Mohammadi — a segunda iraniana a ganhar o Prêmio Nobel da Paz — disse ao Correio que o risco de protestos nas ruas do país é "muito baixo". "É algo complicado de prever. Com certeza, vocês devem ter visto os fogos de artifício e a alegria do povo iraniano."
"O nome de Ebrahim Raisi era muito mencionado para ser o próximo aiatolá. Não acredito que os nomes para substituir Ali Khamenei sejam importantes nesse momento. A escolha de um sucessor será dominada e influenciada pelas circunstâncias do regime. Será preciso avaliar o quanto o regime estará isolado ou estável. Isso determinará quem será o futuro Líder Supremo."
Mahjoob Zweiri, professor de política contemporânea do Oriente Médio da Universidade do Catar
"Raisi fazia parte da Velayet Faghi, a tutela do sistema jurídico islâmico do regime. Antes de ser presidente, foi chefe do Judiciário. Sob seu reinado sangrento, ele executou milhares de prisioneiros políticos. No entanto, sua morte em nada mudará as políticas doméstica ou externa do Irã."
Taghi Rahmani, 64 anos, jornalista iraniano, marido de Narges Mohammadi, ativista laureada com o Nobel da Paz em 2023
"Não haverá impacto sobre as relações diplomáticas ou o programa nuclear iraniano. Temas estratégicos são dirigidos pelo Conselho Supremo de Segurança Nacional (SNSC). Uma vez que o órgão chega à decisão, a apresenta ao aiatolá Ali Khamenei. O fator que impactará o programa nuclear de Teerã será as eleições presidenciais nos EUA, em novembro."
Ali Alfoneh, analista do Instituto dos Estados Árabes do Golfo (em Washington)
"O legado de Raisi é de violência, repressão e abusos sistemáticos de direitos humanos. Sua morte em uma queda de helicóptero encerra um capítulo sombrio na história do Irã, mas também oferece um momento de reflexão e de mudança potencial. A comunidade internacional deve aproveitar a oportunidade para apoiar o povo iraniano e exigir responsabilização por atrocidades."
Majid Rafizadeh, cientista político iraniano-americano e professor da Universidade de Harvard
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