22 de Novembro de 2024

Vida nos centros urbanos: um desafio à saúde mental


A vida nas cidades, dizia o naturalista norte-americano Henry David Thoreau, consiste em milhões de pessoas sendo sozinhas, juntas. Desde quando ele afirmou isso, no século 19, os centros urbanos passaram por transformações, como saneamento e iluminação pública, que tornaram a experiência menos penosa para os que sentem falta do acolhimento interiorano. Porém, estudos mostram que viver na urbe ainda é um desafio à saúde mental. 

Segundo a startup norte-americana Centro para o Desenho Urbano e a Saúde Mental (UD/MH), moradores de grandes cidades têm um risco quase 40% mais elevado de depressão, 20% maior de ansiedade e o dobro de chance de serem diagnosticados com esquizofrenia, comparado aos habitantes do interior. Uma preocupação de especialistas é com o impacto futuro sobre os jovens: o Fundo das Nações Unidas para a Infância estima que, em 2050, 70% dos adolescentes do mundo viverão em centros urbanos. 

"No momento, vivemos com a maior população de adolescentes da história do mundo. Investir nos jovens é um investimento no seu bem-estar presente e no seu potencial futuro, e é um investimento na próxima geração — nos filhos que eles irão gerar", destaca Pamela Collins, presidente do Departamento de Saúde Mental da Universidade de Jonhs Hopkins, nos Estados Unidos. Ela é autora principal de um estudo publicado na revista Nature que identificou as características que as cidades devem ter para favorecerem a saúde mental dos jovens. A equipe ouviu mais de 400 pessoas, incluindo 327 com idades entre 14 anos e 25 anos, de 53 países para o estudo — Colômbia e Argentina representam a América do Sul. 

"Os transtornos mentais são as principais causas de incapacidade entre jovens de 10 a 24 anos em todo o mundo", alerta Collins. "A exposição à desigualdade urbana, à violência, à falta de espaços verdes e ao medo do deslocamento afeta desproporcionalmente os grupos marginalizados, aumentando o risco de problemas de saúde mental entre os jovens urbanos", destaca. 

Desigualdade

A psicóloga clínica e escolar Tanize Viçosa Cardoso, de Goiás, destaca a forma diferente que o ambiente urbano afeta seus moradores. "Temos que pensar que a classe social, o poder aquisitivo, vão influenciar a forma que as pessoas vivenciam as cidades", diz. "O que vai afetar a saúde mental de uma pessoa que mora, por exemplo, na Asa Norte e trabalha em home office, pode ser diferente do que vai influenciar a saúde mental de uma pessoa que mora em Taguatinga e precisa trabalhar todos os dias no Plano Piloto, gastando, em média, duas horas de deslocamento", diz. 

No estudo, os pesquisadores usaram um modelo baseado em seis níveis — pessoal, interpessoal, comunidade, organização, política e meio ambiente — para categorizar uma cidade amigável do ponto de vista da saúde mental. Dentro desses domínios, as características se basearam no impacto imediato na saúde mental dos jovens. 

As conclusões indicam que a criação de uma cidade que favoreça a saúde mental dos jovens requer investimentos em múltiplos setores interligados, como transportes, habitação, emprego, saúde e planejamento urbano, com um foco central na equidade social e econômica. Os participantes do estudo também exigem políticas de planejamento sustentável, sem ampliar os privilégios existentes. "Uma cidade que respeita a saúde mental tem baixos níveis de discriminação e favorece a equidade. Nesse e em outros estudos semelhantes, se destaca a importância dos espaços verdes, que não proporcionam apenas uma vida mais saudável, mas também oportunidades para uma socialização mais saudável", opina Filka Sekulova, pesquisadora de Ciências Sociais da Universidade Aberta da Catalunha, na Espanha, que não participou do estudo. 

Aos 31 anos, Heloí Fernandes, moradora da Área Octogonal, em Brasília, concorda que o planejamento das cidades influencia a saúde mental. "Nós somos animais sociáveis por natureza, e uma das necessidades mais básicas é a interação com outras pessoas. Então é muito importante que uma cidade forneça isso, seja com parques, museus, locais que possam ser feitos eventos culturais, ou mesmo uma cidade que visualmente seja acolhedora", acredita. "Concordo que a presença de área verde na cidade como um todo, e não só em parques, é um elemento importante para a saúde mental. Uma cidade de concreto traz muitos problemas, como calor excessivo, enchentes, e, consequentemente, afeta a vida diária das pessoas."

 

 

De que forma o urbanismo se relaciona com a saúde mental?

Se formos pensar que o tempo em que vivemos em cidade é relativamente novo para o ser humano, a sociedade passou muito mais tempo em contato direto com a natureza. Ao viver em cidade, onde vimos mais concreto, poluição e menos verde, tornamos o habitar algo opressor e nossa saúde mental é diretamente afetada pelo ambiente habitado, com isso, a sociedade tem uma forte tendência a voltar a lugares mais arborizados para amenizar seu dia a dia dentro das cidades.

Pensar não só na funcionalidade e na beleza de uma cidade, mas investir também em estratégias de bem-estar é um conceito novo no urbanismo?

Creio que temos uma grande tendência de pensar hoje no bem-estar das pessoas, sim, como uma prioridade geral, tanto do urbanismo quanto na arquitetura. Uma cidade planejada para carros e não para os seres que a habitam não está funcionando, mas ainda acho que temos um longo desafio pela frente, que deve ser cobrado por nós, sociedade.

De forma geral, considera que o planejamento urbano de Brasília favorece o bem-estar mental de seus moradores?

Quando se fala em Brasília, uma cidade que foi planejada, temos um bom urbanismo que não foi pensado no futuro que a cidade poderia se tornar. Esse é o dilema que temos ao continuar a planejá-la, limitando o bem-estar a pequenas áreas verdes entre os prédios, que são os respiros da cidade. Nas regiões administrativas, temos grandes faltas de planejamento urbano. 

 

Fonte: correiobraziliense

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