23 de Junho de 2024

O que muda na campanha de vacinação contra covid-19, doença que já matou 3,5 mil brasileiros em 2024


"É como se um avião caísse toda semana."

Essa é a comparação feita pelo médico Renato Kfouri, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), para lembrar que a covid-19 ainda causa cerca de 200 mortes no Brasil a cada sete dias.

Até o final de maio, o país havia registrado mais de 3,5 mil óbitos relacionados à infecção causada pelo Sars-CoV-2, o coronavírus por trás da pandemia.

"É claro que tivemos períodos mais graves, em que chegamos a contabilizar 4 mil mortes em um único dia", pondera Kfouri.

Em 2021, o ano mais grave da crise sanitária, o Brasil teve 424 mil mortes por covid-19. Desde então, esses números caíram de forma dramática: foram 74 mil óbitos em 2022, 14 mil em 2023 e 3,5 mil nesses primeiros cinco meses de 2024.

A queda coincide com a chegada das vacinas a partir de 2021 e o aumento do número de pessoas que tomaram as doses preconizadas.

"A vacinação foi a grande responsável por conseguirmos conter essa doença tão ameaçadora", constata a infectologista Raquel Stucchi, professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

A médica Isabella Ballalai, também da SBIm, concorda: "A vacinação contra a covid-19 no Brasil foi um sucesso e nos tornamos um dos primeiros países a ter mais de 80% da população imunizada. Isso mostra que o brasileiro acredita nas vacinas".

Os dados recém-divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua revelam que, no primeiro trimestre de 2023, 188,3 milhões de brasileiros haviam tomado pelo menos uma dose de vacina contra a covid-19. Isso representa 93,9% da população. Cerca de 11 milhões (ou 5,6% do total) declararam que não se imunizaram.

"Hoje, ainda temos muitas mortes por uma doença para a qual existem doses disponíveis", lamenta Ballalai.

Passados mais de três anos desde que as primeiras doses que protegem contra o coronavírus começaram a chegar aos postos de saúde, muita coisa mudou.

Alguns imunizantes — que foram essenciais para conter a pandemia — acabaram aposentados, por diferentes motivos.

As faixas da população que devem tomar reforços periódicos também sofreram uma série de ajustes.

E ainda há um grande debate sobre quando e como as doses devem ser atualizadas para proteger contra as mais recentes variantes do coronavírus.

A seguir, a BBC News Brasil resume as principais informações sobre a nova campanha de vacinação contra a covid-19, que foi iniciada pelo Ministério da Saúde no final de maio.

Ao longo das campanhas de 2021 a 2023, o Brasil chegou a adotar quatro tipos diferentes de vacinas contra a covid-19: a CoronaVac (Sinovac/Butantan), a Comirnaty (Pfizer), a Vaxzevria (AstraZeneca/FioCruz) e a Jcovden (Janssen).

"Todas foram extremamente importantes naquele momento", avalia Stucchi, que também integra a SBIm.

Mais recentemente, três dessas opções saíram de cena nos postos de saúde brasileiros: as vacinas CoronaVac, da AstraZeneca e da Janssen não são mais aplicadas.

Do grupo "original", restaram as doses fabricadas pela Pfizer — que também passaram por atualizações para proteger contra as variantes do vírus.

Além delas, o país também começará a usar na atual campanha o imunizante Spikevax, produzido pela farmacêutica Moderna.

Pfizer e Moderna usam a tecnologia do mRNA. Isso significa que as doses trazem uma pequena sequência de material genético capaz de instruir as células do nosso próprio corpo a fabricarem a proteína spike, uma estrutura presente na superfície do coronavírus.

Esse material é identificado pelo sistema imunológico, que cria uma resposta para conter uma infecção pelo patógeno e as consequências mais graves da covid-19 no organismo, que estão relacionadas à hospitalização e morte.

Há ainda uma terceira vacina recém-aprovada no Brasil: a Covovax, desenvolvida pelo laboratório Novavax e licenciada no país pela Zalika Farmacêutica.

Ela é uma vacina de subunidade proteica, uma tecnologia também usada nos imunizantes que protegem contra o HPV e a hepatite B.

Neste caso, proteínas do coronavírus são injetadas diretamente no corpo, para que as células de defesa aprendam a identificar e a lidar com essa ameaça.

Por ora, não há previsão de quando a Covovax será utilizada na rede pública de saúde brasileira.

Mas, afinal, o que motivou a "aposentadoria" de algumas vacinas e a "promoção" de outras?

"Hoje, sabemos que as vacinas de mRNA [Pfizer e Moderna] induzem uma resposta imunológica mais robusta e uma maior proteção", explica Stucchi.

Em comparação, os resultados obtidos com a CoronaVac se mostraram inferiores — e, por esse motivo, ela foi deixada de lado conforme os estoques foram se esgotando, embora ainda seja recomendada em algumas situações para as crianças.

Além disso, a experiência de vida real revelou que as vacinas de vetor viral (AstraZeneca e Janssen, entre outras) estão relacionadas a um efeito colateral raro em algumas populações, como as gestantes: a trombose com trombocitopenia.

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) dos Estados Unidos calcula que esse evento adverso afeta 4 pessoas a cada 1 milhão de doses administradas.

"A trombose com trombocitopenia é um efeito colateral raro, mas sério, que provoca coágulos em grandes vasos sanguíneos, além de diminuir as plaquetas", explica o CDC.

Ballalai explica que, em um contexto de pandemia, quando havia um altíssimo número de casos e mortes por covid-19, o uso dos produtos de AstraZeneca ou Janssen era justificado.

"Nesse contexto, essas vacinas continuaram a ser utilizadas, porque a relação risco-benefício era muito grande", explica Ballalai.

Os pesquisadores também colocaram na balança o fato de que a própria infecção pelo coronavírus representa um risco relativamente mais alto de desenvolver quadros de trombose quando comparada à vacinação com essas opções.

"Ou você simplesmente deixava as pessoas morrerem de covid, ou apenas não aplicava essas doses naqueles grupos onde havia mais risco de desenvolver esse evento adverso", destaca a médica.

À época, as autoridades de saúde optaram pela segunda alternativa: as vacinas de AstraZeneca e Janssen seguiram na campanha, mas deixaram de ser utilizadas em mulheres grávidas, por exemplo.

"Com o passar do tempo, passamos a ter mais quantidade de outras vacinas, especialmente da Pfizer. Com isso, as doses de AstraZeneca foram sendo usadas com menor frequência, até que elas deixaram de ser utilizadas nas campanhas", complementa Ballalai.

Esse debate voltou à tona recentemente, quando a AstraZeneca divulgou no início de maio que deixaria de fabricar sua vacina.

A farmacêutica disse que estava "incrivelmente orgulhosa" dos resultados obtidos: "De acordo com estimativas independentes, mais de 6,5 milhões de vidas foram salvas apenas no primeiro ano de vacinação".

"Nossos esforços foram reconhecidos por governos de todo o mundo e são apontados como amplamente decisivos para acabar com a pandemia global", disse o laboratório.

A notícia recente não significa, porém, que a AstraZeneca só reconheceu agora que a vacina está relacionada aos (raros) casos de trombose com trombocitopenia, como sugerem alguns textos com informações falsas compartilhados em sites e redes sociais.

Há documentos divulgados pela farmacêutica desde 2021 que citavam claramente esse evento adverso — e propunham protocolos para minimizar os riscos ou fazer o diagnóstico precoce dos casos.

Se anteriormente os imunizantes contra o coronavírus estavam disponíveis praticamente a todas as idades (com raríssimas exceções), agora eles serão priorizados a alguns públicos-alvo específicos.

Kfouri diz que a definição de grupos prioritários tem a ver com o contexto atual. "A vacinação universal contra a covid não faz mais sentido, pois não estamos diante do mesmo risco que enfrentávamos há quatro anos", avalia o médico.

"Alcançamos uma imunidade populacional, e dificilmente um adulto jovem saudável vai parar no hospital por causa dessa doença agora."

No entanto, existem alguns grupos que continuam altamente vulneráveis, seja porque eles ainda não tiveram contato algum com o Sars-CoV-2 ou porque têm um sistema imunológico mais frágil, que precisa ser lembrado com frequência sobre como combater esse patógeno.

Também há uma diferença na periodicidade de aplicação dos reforços. Alguns grupos precisarão receber uma dose por ano, enquanto outros devem tomar a injeção a cada seis meses.

A campanha de 2024 traçada pelo Ministério da Saúde estabelece o seguinte.

Duas doses por ano, com um intervalo mínimo de seis meses entre elas para:

Os "imunocomprometidos" são pessoas que têm qualquer condição que altera o funcionamento do sistema imunológico, como é o caso de pacientes que fazem tratamento contra o câncer, por exemplo.

Já o grupo das puérperas inclui as mulheres que deram à luz nos últimos 45 a 60 dias.

Uma vacina por ano, com um intervalo mínimo de três meses em relação à última dose aplicada para:

Para quem nunca foi vacinado contra a covid:

"Temos uma preocupação grande com as crianças, porque vemos muitos casos de covid nessa faixa etária que exigem hospitalização e apresentam risco de morte", alerta Ballalai.

"Precisamos aumentar a proteção desse público."

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil aprovam a estratégia adotada pelo Ministério da Saúde contra a covid-19 e observam que ela se assemelha ao que é feito há anos na vacinação contra o influenza, o vírus causador da gripe.

Por fim, o último aspecto da vacinação que passou por uma mudança relevante tem a ver com a atualização das doses, para que garantam um bom nível de proteção contra as variantes do coronavírus que circulam com mais intensidade no momento.

Isso é necessário porque o patógeno sofre mutações genéticas o tempo todo. Algumas dessas mudanças conferem alguma vantagem a ele — como uma facilidade maior para ser transmitido de uma pessoa para outra, por exemplo.

Os imunizantes, portanto, precisam ser capazes de "treinar" células imunes para as ameaças em voga.

A vacina que será ofertada agora no Brasil foi desenhada para fazer frente à cepa XBB.1.5.

Embora já existam outras variantes de preocupação ou em monitoramento, como a JN.1 e a KP.2, as autoridades consideram que essa versão do imunizante em uso (contra a XBB) confere um bom nível de proteção, ao reduzir o risco de hospitalização e morte por covid-19.

No entanto, os médicos entrevistados pela reportagem entendem que esse processo de atualização das vacinas contra o coronavírus precisará passar por ajustes nos próximos anos.

"A Organização Mundial da Saúde recomenda atualmente que as vacinas contra a covid sejam revisadas uma vez ao ano, no mês de junho. Mas essa orientação parece privilegiar o Hemisfério Norte, que terá acesso às doses mais atualizadas durante o inverno em comparação com o Hemisfério Sul", critica Stucchi.

Os especialistas sugerem aqui a adoção do mesmo modelo utilizado na imunização contra o influenza, em que a composição das doses que serão usadas nas campanhas é definida em fevereiro para o Hemisfério Norte e em setembro para o Hemisfério Sul.

Kfouri aponta que ainda é preciso observar o comportamento do coronavírus por mais tempo para entender a sazonalidade dele.

"Com o influenza, temos muitos anos de vigilância, o que nos garante uma previsibilidade das cepas de vírus que vão circular em cada temporada", compara ele.

"Já com o coronavírus, isso ainda não está bem definido. Tivemos picos de casos em pleno janeiro, durante o verão", argumenta o médico.

De acordo com o Ministério da Saúde, a meta da nova campanha de vacinação contra a covid-19 é proteger cerca de 70 milhões de brasileiros.

"A covid-19 não acabou. Ela ainda tem um impacto importante na saúde pública e privada", alerta Stucchi.

"A vacinação é a estratégia que pode mudar a história ao garantir um quadro mais leve para a grande maioria das pessoas."

Fonte: correiobraziliense

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