O número de companhias que pediram recuperação judicial no Brasil cresceu 80% nos quatro primeiros meses do ano, frente ao mesmo período do ano anterior. Dados do Indicador de Falências e Recuperação Judicial, da Serasa Experian, mostram que foram registrados 685 pedidos nos quatro primeiros meses, contra 382 no intervalo anterior. No ano passado, os pedidos já haviam acelerado 68,7% ante 2022.
As empresas de serviços, setor mais representativo no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, foram as que mais entraram com pedidos na Justiça este ano, seguidas do comércio, indústria e setor primário.
Polishop, Coteminas, Casas Bahia, Gol, Subway, Grupo Petrópolis e a rede de supermercados Dia, essas são só algumas das grandes companhias que entraram com pedido de recuperação judicial neste ano e ilustram um cenário que está longe de terminar.
A ferramenta é utilizada por empresas para evitar que sejam levadas à falência. O processo permite que companhias suspendam e renegociem parte das dívidas acumuladas em um período de crise, evitando o encerramento das atividades, demissões e falta de pagamentos.
Segundo o economista da Serasa Experian Luiz Rabi, o número de recuperações judiciais reflete o ambiente de dificuldade financeira que as empresas estão vivendo atualmente, "ainda refletindo as taxas de juros no país que, embora tenham sido reduzidas, impactam os caixas das empresas, que se veem em dificuldade para se reorganizar financeiramente".
Um levantamento recente do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Cemec-Fipe), com dados de 2023, aponta que o endividamento das empresas fechou o ano em 35,9% do PIB, nível próximo ao registrado durante a crise econômica de 2015, quando essa relação estava em 36,1%. O cenário mostra que as companhias brasileiras continuam com dificuldades para cumprir com seus compromissos financeiros, mesmo após os cortes na taxa básica de juros (Selic), que aliviam o custo das dívidas das empresas.
"Enquanto a inadimplência em geral não cair, o que envolve negociações com credores e a implementação de estratégias para aumentar a receita e cumprir com pagamentos, as recuperações judiciais continuarão subindo", acrescenta Rabi.
Inúmeros fatores se combinam para que uma empresa precise recorrer a esse instrumento de proteção empresarial, é o que afirma Carlos Gomes, co-fundador da Vennx e especialista em GRC (Governança, Riscos e Compliance). "A fórmula do insucesso (dessas empresas) foi muito parecida", avalia Gomes, que destaca fatores mercadológicos e administrativos.
"As recuperações judiciais resolvem o problema? Não necessariamente", diz o especialista. "Em geral, os planos de recuperação apresentados pelas empresas a seus credores se resumem a ações de corte de custos e à proposição de um cronograma alongado de pagamento. Raramente são apresentadas estratégias de transformação empresarial, de incremento de vendas, de eficiência tecnológica ou outras medidas mais contundentes", afirma.
Segundo Gomes, a temporada de balanços das companhias aponta para outros resultados preocupantes. "Carrefour, Braskem e Marisa são outras três empresas que seguem em linha similar", comenta.
Chama a atenção a crise enfrentada pelo varejo brasileiro, que passa por uma transformação digital. Para Eduardo Bazani, sócio-diretor da Nordex Consultoria Empresarial, a pandemia remodelou o mercado e para enfrentar esse cenário a reestruturação empresarial é fundamental.
"Nesse sentido, o melhor dos cenários é implementar medidas e ações para prevenir a crise, ou seja, adotar a reestruturação empresarial como papel estratégico para promover a modernização do negócio, proporcionar eficiência na gestão e no mercado de atuação, visando aumentar lucros e diminuir gastos", sugere. "Enfim, é uma estratégia para reorganizar a empresa, aplicar medidas preventivas e corretivas, a fim de causar melhorias em todos os setores, evitando crises que levem ao regime de recuperação judicial", acrescenta.
A demanda por recuperações judiciais entre empresas ligadas ao agronegócio também registrou um salto no ano passado, de acordo com a Serasa Experian. Ao todo, foram realizados 321 pedidos por empresas de produtos e serviços relacionados ao agro em 2023. O resultado representa um salto de 82,4% em comparação com as 176 recuperações judiciais solicitadas em 2022.
O setor representou 22,8% de todos os pedidos no ano passado. As empresas observadas incluem revendedores e indústrias de insumos, agroindústrias e comércios atacadistas de produtos agropecuários, serviços de apoio à agropecuária, bem como indústrias e revendedores de máquinas agrícolas.
"Embora os pedidos de recuperação judicial tenham registrado aumento em 2023, é importante ressaltar que isso não configura uma crise generalizada no agronegócio brasileiro, já que a maior parte do setor segue operando normalmente, sem necessidade do recurso", disse o head de agronegócio da Serasa, Marcelo Pimenta.
Entre os fatores apontados como agravantes para essas empresas, de acordo com especialistas, estão as complexas consequências das alterações causadas pelas mudanças climáticas, que são um risco adicional para o quadro de endividamento, no caso de produções afetadas.
De acordo com o professor de direito empresarial da Faculdade Presbiteriana Mackenzie Rio Irineu Soares, os segmentos que passam por esse tipo de problema podem adotar diferentes medidas. "A recuperação extrajudicial tem o mesmo objetivo da recuperação judicial, só que a configuração é diferente. Enquanto na recuperação judicial vai direto para o Judiciário, na extrajudicial, existe uma negociação prévia entre o devedor e os credores. Após a conciliação, o plano de recuperação pode ser levado a juízo para homologação", explica Soares.
Ele ressalta que a recuperação judicial e a extrajudicial apresentam características em comum, como a tentativa de manter a empresa funcionando. "O objetivo é o mesmo em ambas as medidas. Elas têm o intuito de encontrar a superação da crise econômico-financeira do devedor. Nesse caso, se a sociedade empresária está com dívidas, ela tem esse instrumento em mãos, que é o pedido de recuperação extrajudicial. Essa decisão permitirá que a fonte produtora mantenha as atividades no mercado", esclarece.
Soares destaca ainda a importância da cooperação das empresas parceiras ao aceitarem o acordo de recuperação extrajudicial. "Vale ressaltar que o pedido de homologação da recuperação judicial é uma faculdade do devedor e dos credores. Eles podem requerer essa homologação. Após a solicitação da medida, a empresa apresentará a justificativa da solicitação, bem como os detalhes do plano de recuperação extrajudicial com os termos, condições e a assinatura dos credores que aderiram ao plano", finaliza.
Os pedidos de falência também estão crescendo. Segundo a Serasa, em abril foram 90, alta de 69,8% frente ao mesmo mês do ano passado.
Está parada no Senado uma proposta que reformula a chamada Lei de Falências, com o objetivo de simplificar e dar maior segurança jurídica, aumentando o poder decisório dos credores no processo. Entre outros pontos, o texto, de autoria do Executivo, trata da formulação do plano de falência, da figura do gestor fiduciário, da desburocratização da venda dos bens da massa falida, do mandato do administrador judicial e sua remuneração e uso de créditos de precatórios.
Especialistas do Ministério da Fazenda acreditam que a reforma tem o potencial de diminuir pela metade o tempo de tramitação das falências e aumentar significativamente o índice de recuperação dos créditos. "Adicionalmente, ainda que nenhuma regra da recuperação judicial seja alterada, há expectativa de que ela também seja beneficiada com melhores escolhas pelos credores, já que, atualmente, muitos planos são aprovados em razão da baixa perspectiva de pagamento na falência", avalia o advogado Leonardo Ribeiro Dias, da Marcos Martins Advogados.
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