A humanidade deve gerar 3,8 bilhões de resíduos anuais até 2050, segundo dados do relatório Global Waste Management Outlook 2024. Apesar de algumas pessoas pensarem que o lixo se desintegra após ser jogado fora, como um passe de alquimia, esses materiais levam décadas, séculos e até mais de mil anos para se decompor. Além disso, uma parcela dessa pegada antropológica milenar chega aos oceanos, contaminando a água, piorando a vida de alguns animais e matando outros.
Uma pesquisa brasileira multicêntrica avaliou a poluição por meso e microplásticos ao longo da extensa costa do Brasil, abrangendo mais de 4.600 quilômetros de litoral. Os resultados foram alarmantes: esses resíduos foram detectados em todas as praias analisadas, com uma média de quase 29 itens por quilo de sedimento. Microplásticos, com tamanhos variando de 0,1 a 4,9 milímetros foram os detritos mais comuns.
A análise identificou várias categorias e cores de plásticos, os mais encontrados foram poliestireno expandido, fragmentos e plásticos brancos. A pesquisa sugere que praias próximas a descargas estuarinas e áreas urbanas são particularmente vulneráveis à contaminação por plásticos, com praias turísticas registrando as maiores densidades de detritos.
Tamyris Pegado, pesquisadora do Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo dos Recursos Aquáticos da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coautora do trabalho, narra que foram encontrados dez tipos diferentes de materiais plásticos. "Os principais foram isopor, 45% e fragmentos, 39%, além de filme, filtro de cigarro, filamentos, espuma, borracha, silicone e tecidos."
A especialista afirma que dependendo do tipo e cor do plástico, ele pode ser mais facilmente confundido com as presas de alguns animais, além de que , conforme suas características, se acumulam no sedimento ou são carregados pelas correntes e ventos. "Identificar os tipos também ajuda a compreender a origem desses materiais. "Assim podemos pensar em medidas mais específicas, por exemplo, ações que diminuam o descarte de filtro de cigarro nas praias, isopores, dentre outros."
Os cientistas recomendaram a replicação do estudo a curto e a longo prazo para entender melhor as variações sazonais desse tipo de poluição. Para Pegado, a grande chave para o problema está no conhecimento. "Tenho grande fé na educação, acredito que precisamos investir cada vez mais na educação ambiental. Além de tomar as medidas individuais, baseadas nos três R's da sustentabilidade: reduzir, reutilizar e reciclar, é importante cobrar por mais políticas públicas que englobam essa problemática."
Outro trabalho, realizado na costa do Paraná, revelou a presença de biomídias plásticas nas praias, o que marca um avanço na oceanografia. Esses materiais, também chamados de mídias filtrantes, são pequenas peças perfuradas usadas para transportar biofilme bacteriano e melhorar o tratamento de águas residuais. Essas partículas são empregadas na tecnologia Moving Bed Biofilm Reactor (MBBR), amplamente aplicada em estações de tratamento de águas residuais.
A pesquisa foi liderada por Renata Hanae Nagai, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). A coleta de dados foi realizada entre julho e agosto de 2023. Além de detectar a contaminação por biomídias plásticas, o estudo sugere a necessidade de explorar alternativas compostas por materiais não plásticos para reduzir os impactos ambientais.
Nagai frisa que, assim como os outros tipos de lixo plástico, esses materiais representam um risco potencial para a fauna local. "As partículas que encontramos são feitas de plástico menos denso do que a água do mar e, por isso, flutuam na superfície. Quando chegam na praia, ficam sobre e podem ser confundidas com alimento e acabam sendo ingeridas por engano por diferentes organismos marinhos, principalmente aves, peixes e tartarugas."
A cientista detalha que uma vez no ambiente marinho os itens plásticos tendem a se degradar, podendo se fragmentar e virar microplásticos, facilitando que mais organismos marinhos interajam com eles, incluindo filtradores, como ostras e mexilhões. "Estamos em contato direto com pesquisadores que trabalham na região e sabemos que uma biomídia plástica já foi encontrada no estômago de uma tartaruga marinha. Não é apenas a fauna local que pode ser impactada, o maior problema do plástico é sua persistência no meio ambiente."
A pesquisa enfatiza ainda a importância da conexão entre a comunidade local e a academia, destacando o papel vital dos cidadãos no combate à poluição.
Renata Henae Nagai sublinha que, conforme alguns ensaios, a liberação dessas partículas ocorre de forma acidental. "A nossa sugestão é que autoridades e empresas que fazem a gestão dessas estações atuem de forma combinada, visando, em primeiro lugar, impedir que as biomídias sejam liberadas para o meio ambiente." Conforme a cientista, essas ações devem ser tomadas considerando todas as fases de implementação e funcionamento das estações de tratamento.
Henrique Bezerra dos Santos, bacharel em ecologia e doutorando em ecologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em ecologia recifal e no estudo de populações de invertebrados marinhos, pontua que a poluição dos oceanos, por meio do despejo de esgoto, ilhas de plástico e até mesmo poluição sonora, "é uma das crises ambientais mais graves que enfrentamos atualmente."
Para além do plástico, o esgoto que chega nos mares é extremamente prejudicial, pois contém uma mistura de resíduos humanos, químicos industriais e substâncias tóxicas. "Pode causar a proliferação de doenças, afetando a saúde dos organismos marinhos e humanos que entram em contato com a água contaminada. Além disso, o excesso de matéria orgânico e nutrientes fertilizantes pode levar à eutrofização, uma florescência desproporcional de microalgas e cianobactérias, ou também a "maré vermelha", outra consequência da proliferação de microrganismos", detalhou Bezerra.
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.