22 de Novembro de 2024

Os desafios para lidar com as toneladas de lixo jogadas nos oceanos


A humanidade deve gerar 3,8 bilhões de resíduos anuais até 2050, segundo dados do relatório Global Waste Management Outlook 2024. Apesar de algumas pessoas pensarem que o lixo se desintegra após ser jogado fora, como um passe de alquimia, esses materiais levam décadas, séculos e até mais de mil anos para se decompor. Além disso, uma parcela dessa pegada antropológica milenar chega aos oceanos, contaminando a água, piorando a vida de alguns animais e matando outros.

Uma pesquisa brasileira multicêntrica avaliou a poluição por meso e microplásticos ao longo da extensa costa do Brasil, abrangendo mais de 4.600 quilômetros de litoral. Os resultados foram alarmantes: esses resíduos foram detectados em todas as praias analisadas, com uma média de quase 29 itens por quilo de sedimento. Microplásticos, com tamanhos variando de 0,1 a 4,9 milímetros foram os detritos mais comuns.

A análise identificou várias categorias e cores de plásticos, os mais encontrados foram poliestireno expandido, fragmentos e plásticos brancos. A pesquisa sugere que praias próximas a descargas estuarinas e áreas urbanas são particularmente vulneráveis à contaminação por plásticos, com praias turísticas registrando as maiores densidades de detritos.

Tamyris Pegado, pesquisadora do Laboratório de Biologia Pesqueira e Manejo dos Recursos Aquáticos da Universidade Federal do Pará (UFPA) e coautora do trabalho, narra que foram encontrados dez tipos diferentes de materiais plásticos. "Os principais foram isopor, 45% e fragmentos, 39%, além de filme, filtro de cigarro, filamentos, espuma, borracha, silicone e tecidos."

A especialista afirma que dependendo do tipo e cor do plástico, ele pode ser mais facilmente confundido com as presas de alguns animais, além de que , conforme suas características, se acumulam no sedimento ou são carregados pelas correntes e ventos. "Identificar os tipos também ajuda a compreender a origem desses materiais. "Assim podemos pensar em medidas mais específicas, por exemplo, ações que diminuam o descarte de filtro de cigarro nas praias, isopores, dentre outros."

Os cientistas recomendaram a replicação do estudo a curto e a longo prazo para entender melhor as variações sazonais desse tipo de poluição. Para Pegado, a grande chave para o problema está no conhecimento. "Tenho grande fé na educação, acredito que precisamos investir cada vez mais na educação ambiental. Além de tomar as medidas individuais, baseadas nos três R's da sustentabilidade: reduzir, reutilizar e reciclar, é importante cobrar por mais políticas públicas que englobam essa problemática."

Outro trabalho, realizado na costa do Paraná, revelou a presença de biomídias plásticas nas praias, o que marca um avanço na oceanografia. Esses materiais, também chamados de mídias filtrantes, são pequenas peças perfuradas usadas para transportar biofilme bacteriano e melhorar o tratamento de águas residuais. Essas partículas são empregadas na tecnologia Moving Bed Biofilm Reactor (MBBR), amplamente aplicada em estações de tratamento de águas residuais.

A pesquisa foi liderada por Renata Hanae Nagai, professora do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (IOUSP). A coleta de dados foi realizada entre julho e agosto de 2023. Além de detectar a contaminação por biomídias plásticas, o estudo sugere a necessidade de explorar alternativas compostas por materiais não plásticos para reduzir os impactos ambientais.

Nagai frisa que, assim como os outros tipos de lixo plástico, esses materiais representam um risco potencial para a fauna local. "As partículas que encontramos são feitas de plástico menos denso do que a água do mar e, por isso, flutuam na superfície. Quando chegam na praia, ficam sobre e podem ser confundidas com alimento e acabam sendo ingeridas por engano por diferentes organismos marinhos, principalmente aves, peixes e tartarugas."

A cientista detalha que uma vez no ambiente marinho os itens plásticos tendem a se degradar, podendo se fragmentar e virar microplásticos, facilitando que mais organismos marinhos interajam com eles, incluindo filtradores, como ostras e mexilhões. "Estamos em contato direto com pesquisadores que trabalham na região e sabemos que uma biomídia plástica já foi encontrada no estômago de uma tartaruga marinha. Não é apenas a fauna local que pode ser impactada, o maior problema do plástico é sua persistência no meio ambiente."

A pesquisa enfatiza ainda a importância da conexão entre a comunidade local e a academia, destacando o papel vital dos cidadãos no combate à poluição.

Renata Henae Nagai sublinha que, conforme alguns ensaios, a liberação dessas partículas ocorre de forma acidental. "A nossa sugestão é que autoridades e empresas que fazem a gestão dessas estações atuem de forma combinada, visando, em primeiro lugar, impedir que as biomídias sejam liberadas para o meio ambiente." Conforme a cientista, essas ações devem ser tomadas considerando todas as fases de implementação e funcionamento das estações de tratamento.

Henrique Bezerra dos Santos, bacharel em ecologia e doutorando em ecologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), especialista em ecologia recifal e no estudo de populações de invertebrados marinhos, pontua que a poluição dos oceanos, por meio do despejo de esgoto, ilhas de plástico e até mesmo poluição sonora, "é uma das crises ambientais mais graves que enfrentamos atualmente."

Para além do plástico, o esgoto que chega nos mares é extremamente prejudicial, pois contém uma mistura de resíduos humanos, químicos industriais e substâncias tóxicas. "Pode causar a proliferação de doenças, afetando a saúde dos organismos marinhos e humanos que entram em contato com a água contaminada. Além disso, o excesso de matéria orgânico e nutrientes fertilizantes pode levar à eutrofização, uma florescência desproporcional de microalgas e cianobactérias, ou também a "maré vermelha", outra consequência da proliferação de microrganismos", detalhou Bezerra.

Altos níveis de pellets de PVC — pequenas esferas plásticas, utilizadas na indústria — nos oceanos impedem a formação de estruturas essenciais para animais marinhos, como conchas e notocordas em algumas espécies. Outros bichos não desenvolvem características bilaterais ou interrompem o crescimento após poucas divisões celulares em razão da contaminação, destaca o trabalho realizado por uma equipe internacional liderada pela Stazione Zoologica Anton Dohrn, na Itália, e pela Universidade de Exeter, no Reino Unido.

O estudo ressalta que os níveis de poluição examinados são comparáveis aos vistos quando há derramamento desses materiais no mar. A pesquisa, detalhada na revista Chemosphere, mostra que essas substâncias interferem, principalmente, na morfogênese — formação e diferenciação de tecidos e órgãos — de espécies oceânicas. Esse tipo de contaminação é comum perto de instalações industriais onde são produzidas substâncias químicas a partir de derivados do petróleo ou do gás natural.

Além dos pellets de PVC, o estudo analisou amostras de plástico em praias e concluiu que, embora os efeitos tóxicos fossem menos generalizados, concentrações elevadas afetam o desenvolvimento de várias espécies, incluindo moluscos ouriços-do-mar e estrelas- do-mar.

Os cientistas detalham que os componentes dos plásticos, como o zinco, são liberados lentamente na água, causando anomalias nos animais. Eles enfatizaram a necessidade de medidas para reduzir esse tipo de poluição nos oceanos, prevenindo impactos devastadores na vida marinha, no meio ambiente e, consequentemente, na segurança humana.

A principal autora do trabalho e cientista da Universidade de Exeter, Eva Jimenez-Guri, defendeu a adoção de estratégias de mitigação pelos gestores públicos. "Nossa pesquisa pode informar esses decisores e as indústrias sobre os produtos químicos que são mais prejudiciais para o desenvolvimento dos animais. A mitigação precisa vir deles", disse. "Sejam estratégias para tornar o transporte de plásticos mais seguro, proibindo plásticos de uso único ou buscando outras alternativas." (IA)

"Os microplásticos podem adsorver e fixar na sua superfície, poluentes que não se diluem bem na água, como óleo e pesticidas. Assim eles se tornam uma nova via de transporte e intoxicação para a fauna marinha. Os principais métodos de monitoramento são as coletas por redes na superfície ou amostradores de fundo capazes de coletar sedimentos e com eles os microplásticos. Animais filtradores, como mexilhões e ostras, são muito úteis para monitorar a contaminação marinha. Uma vez que os microplásticos tendem a ser menos densos que a água, eles flutuam e podem ser levados para regiões muito distante de sua origem, carregando com eles outros contaminantes. Os desafios são voltados à redução da utilização de plásticos no dia a dia, descarte adequado, reciclagem e técnicas de tratamento de esgoto e de biodegradação, que incluem biotecnologia."

Camilo Dias Seabra Pereira, Professor Associado do Departamento de Ciências do Mar da Universidade Federal de São Paulo - Instituto do Mar- Campus Baixada Santista

 

Fonte: correiobraziliense

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