Lisboa e Brasília — A extrema direita deu um grande passo nas eleições para o Parlamento Europeu, a ponto de provocar um terremoto político na França, onde o presidente Emmanuel Macron foi obrigado a dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas. A coligação liderada pelo líder francês tomou uma sova do Reunião Nacional (RN), legenda liderada pela ultradireitista Marine Le Pen. Na Alemanha, a AfD, que tem posições nazistas, ficou em segundo lugar, puxada, sobretudo, pelos eleitores mais jovens. Na Itália, o partido da atual primeira-ministra, Giorgia Meloni, também radical de direita, garantiu a liderança na disputa.
Apesar desse avanço, os conservadores moderados, reunidos no Partido Popular Europeu (PPE) garantiram a maioria dos assentos no Parlamento, devendo eleger 189 deputados, segundo projeções de especialistas. Os socialistas e sociais-democratas devem encolher, mas, ainda assim conquistarem 135 postos, seguidos pelo Renovação da Europa, que reúne os liberais apoiados por Macron, com 82 parlamentares. Os radicais de direita, divididos em duas bancadas, devem somar 130 representantes, mas podem chegar a 149 se somados a outros radicais, como o partido AfD, cujo desempenho enfraquece o chanceler Olaf Scholz. O Partido Social Democrata, de Scholz, amargou uma terceira colocação no pleito. No total, o Parlamento Europeu terá 720 deputados.
Se esse quadro se confirmar, as apostas são de que Ursula von der Leyen deve ser reeleita para a presidência da Comissão Europeia e Roberta Metsola reconduzida à chefia do Parlamento. Em pronunciamento, Von der Leyen destacou que irá negociar apoio a ela com os socialistas e os liberais. Por sua vez, Metsola assinalou estar pronta para garantir um acordo em torno da manutenção da estabilidade na Europa. A missão das duas líderes é criar um cordão sanitário que isole os radicais de direita.
Ao anunciar a dissolução da Assembleia Nacional, Macron afirmou que o resultado das eleições não foi bom para os partidos que defendem a Europa. "Partidos de ultradireita, que se opuseram nos últimos anos a tantos dos avanços possibilitados pela nossa Europa, estão ganhando terreno pelo continente. Não poderia, no fim deste dia (domingo), agir como se nada estivesse acontecendo", disse ele, em pronunciamento à nação. As novas eleições legislativas na França vão ocorrer em 30 de junho, primeiro turno, e em 7 de julho, segundo.
Em resposta ao presidente francês, Marine Le Pen disparou: "O povo francês mandou uma mensagem clara ao poder macronista, que está se desintegrando, pois não querem uma construção europeia tecnocrática que nega a sua história, despreza as suas prerrogativas fundamentais e que resulta na perda de influência, identidade e liberdade". Tão logo saíram as primeiras projeções da votação, com o partido de Le Pen com 31% e a aliança de Macron com 15%, o principal candidato do Reunião Nacional ao Parlamento Europeu, Jordan Bardella, pediu a dissolução da Assembleia e a convocação de novas eleições. Ele destacou que "um vento de esperança surgiu na França, e está apenas começando".
"A extrema direita certamente se tornou mais forte, ao passo que os liberais e os Verdes perderam muitos assentos. É um fenômeno muito preocupante na Europa central. Na França e na Alemanha, a direita radical ficou bem forte", disse ao Correio Pawel Zerka, analista do Conselho Europeu para as Relações Internacionais (ECFR, pela sigla em inglês), em Paris. Segundo ele, uma Europa mais conservadora emerge das eleições com ganhos para todos os três grupos da direita — os Conservadores e Reformistas Europeus (ECR), a Identidade e Democracia (I&D) e Partido Popular Europeu (EPP). Zerka interpreta a decisão de Macron de dissolver o Parlamento e antecipar eleições como "uma manobra inesperada e arriscada". "É uma tentativa de evitar que ele se torne um 'pato manco' (um líder figurativo e sem poder), que, também, pode levar a uma coabitação entre Macron e Marine Le Pen, líder da Reunião Nacional.
Jacob Kirkegaard, especialista do Instituto Peterson de Economia Internacional (PIIE), não acredita em um terremoto político massivo nas eleições europeias, ao sublinhar que os ganhos da extrema direita não foram imensos. "Eles conquistaram talvez entre 15 e 20 assentos de um total de 720, enquanto a maioria centrista persiste. Haverá um pouco mais de dificuldade em encontrar uma maioria para eleger o próximo presidente da Comissão Europeia, mas ainda é provável que seja Ursula von der Leyen", afirmou ao Correio. Ele admite que o avanço da AfD, na Alemanha, enfraquece ainda mais Scholz. "Além disso, a Polônia se afastou do passado populista, enquanto a premiê italiana, Giorgia Meloni, obteve sólida vitória e manteve a estabilidade política em Roma", acrescentou Kirkegaard.
Po sua vez, Alberto Alemanno, professor de direito da União Europeia na Escola de Altos Estudos Comerciais de Paris (HEC Paris), admitiu à reportagem que a política na Europa está mais fragmentada e menos inteligível do que nunca. "O período pós-eleitoral será singularmente complicado e impulsionado tanto por fatores endógenos, (por exemplo, eleições francesas e formação do governo holandês), como exógenos (guerra na Ucrânia e eleições presidenciais nos EUA)." Ele aposta que as eleições antecipadas francesas afetarão a formação de grupos parlamentares, com Le Pen e Bardella centrados na França e não na UE.
Portugal
As eleições europeias duraram quatro dias. Mais de 370 milhões de cidadãos estavam habilitados a irem às urnas, mas menos da metade cumpriu o dever cívico, conforme estimativas dos institutos de pesquisas. Em Portugal, que tem garantidos 21 assentos no Parlamento Europeu, os eleitores optaram por dar pouco mais de 32,1% ao Partido Socialista, que fez oito deputados, e 31,1% à Aliança Democrática (AD) — a frente de centro direita, que comanda o governo, garantiu sete assentos.
O ultradireitista Chega conseguiu eleger dois parlamentares, frustrando os planos do presidente do partido, André Ventura, que havia garantido vitória durante a campanha. A legenda acabou desidratada em relação ao resultado obtido nas eleições legislativas de abril último, quando conquistou 50 assentos na Assembleia da República. A Iniciativa Liberal também fez dois deputados e o Bloco de Esquerda e a CDU um representante cada. Ao analisar os resultados, Nuno Melo, que integra a Aliança Democrática, disse que, ao contrário do que ocorreu em várias partes da Europa, Portugal continua sendo um espaço de moderação.
Muitos portugueses foram cedo às urnas. "Votar é muito importante, pois esse ato está na base da democracia", afirmou João Felipe dos Santos Mota, 27 anos. Para ele, é triste ver o crescimento da extrema direita na Europa. "Esse movimento tem a ver com o aumento da pobreza e da piora na qualidade de vida das pessoas. A ultradireita é oportunista nesse sentido, incentivando que uns se virem contra os outros. Infelizmente, as pessoas vão nessa conversa, pois estão zangadas com as suas vidas. Mas o mais importante neste momento é preservar a democracia. E isso se dá pelo voto", reforçou.
A mesma avaliação foi feita pelo aposentado Joaquim José, 70. "Eu nasci durante a ditadura e sei muito bem o que isso representa. Tinha 20 anos quando, finalmente, a democracia foi restabelecida. Por isso, exerci o meu direito ao voto", disse. O primeiro-ministro de Portugal, Luís Montenegro, frisou que o resultado das votações no país garantiram a normalidade democrática, ainda que a extrema direita tenha feito dois deputados no Parlamento Europeu.
Um sistema eletrônico foi implantado para que todos os eleitores europeus pudessem votar de onde estivessem. Bastava procurar uma seção de votação e apresentar o cartão cidadão. "Esse sistema permitiu a mobilidade. Em nossa seção, por exemplo, teve gente de Braga, no Norte de Portugal, votando em Almada, que fica ao lado de Lisboa", explicou Manoel Batista, vogal da União das Freguesias de Almada. No momento em que a reportagem do Correio estava em um dos locais de votação, o sistema eletrônico caiu, provocando uma certa irritação nos eleitores, pois tiveram de enfrentar filas. "Mas tudo acabou se resolvendo sem muita demora", destacou Batista. Para João Marques, 32, a espera inesperada não foi um grande transtorno. "O importante é que votarmos, pois acreditamos na democracia", emendou.
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