À medida que os Estados Unidos avançavam na industrialização, muitos dos seus trabalhadores urbanos eram alimentados com algo que hoje é uma iguaria: ostras.
Mas como esse marisco passou do fast food ao luxo?
No meio de uma conversa com Matthew Booker, percebo que, quando era adolescente, menti para um grande número de turistas.
Por favor, perdoem-me, visitantes do Museu Histórico do Condado de El Dorado: eu estava errada sobre as ostras.
Booker, que é historiador na Universidade Estadual da Carolina do Norte, é especialista nesses moluscos que se alimentam filtrando a água.
E um dos pontos mais importantes que ele gostaria de destacar sobre as ostras é que, nos séculos 18 e 19, na Europa e na América do Norte, elas eram incrivelmente comuns.
"As ostras eram amplamente consumidas como alimento básico", conta o historiador.
É verdade que o marisco era uma entrada presente em qualquer banquete sofisticado, mas também era uma proteína barata que qualquer um podia comprar — consumida em ensopados e assada em pães.
As ostras funcionavam um pouco como os ovos hoje: uma proteína barata.
Na verdade, eram muito facilmente acessíveis porque, no século 19, eram cultivadas nas cidades americanas.
É claro que ostras selvagens eram consumidas desde tempos imemoriais, como atestam monturos pré-históricos — ou lixões — cheios de conchas.
O tamanho e a quantidade de ostras selvagens norte-americanas surpreenderam os primeiros colonizadores europeus: o inglês George Percy, que desembarcou na baía de Chesapeake em 1607, disse que elas eram “tão grossas quanto pedras”.
Até existia uma espécie de ostra europeia, diz Booker.
"Mas essa ostra já havia se tornado um alimento de elite; era escassa. A classe trabalhadora de Londres não a comia mais."
A produção de ostras em ritmo industrial nos EUA começa em meados para o fim do século 18.
Foi nessa época que os produtores profissionais geravam essas criaturas em massa, espalhando ostras "bebês" no fundo das baías e estuários.
"Havia empreendedores especializados na colheita de sementes", relata Booker.
As "sementes" de ostras podiam ser transportadas de trem para todo o país, antes de serem colocadas na água para crescer.
Em 1855, o Estado de Nova York começou a arrendar partes do fundo do mar a produtores individuais para que pudessem ser usadas para o cultivo de ostras.
Elas eram produzidas com tal intensidade que só a cidade de Nova York cultivou 700 milhões de ostras em 1880.
“Por um tempo”, escreveu o escritor Joseph Mitchell em 1951, “os principais produtores foram os homens mais ricos de Staten Island. Eles investiram seu dinheiro em imóveis à beira-mar, deram nomes a ruas e construíram grandes e vistosas mansões de madeira... Meia dúzia dessas mansões ainda estão de pé."
Mas, então, o pânico relacionado às ostras chegou.
"Suas claraboias estão rompidas, suas venezianas estão quebradas e seus quintais são um emaranhado de ervas daninhas", continuou Mitchell, ao escrever sobre a decadência desses produtores.
Já era sabido que as ostras podiam trazer males à saúde: os ricos tentavam se proteger comprando ostras de comerciantes que prometiam cultivo em água limpa, e os pobres, cozinhando suas ostras.
Em 1854, os editores do jornal The New York Times desprezaram presunçosamente as pessoas que estavam evitando comer ostras por conta de uma sequência de mortes misteriosas.
"É um momento solene, quando os homens se recusam a comer ostras a convite", escreveram, acrescentando que, apesar de terem comido ostras recentemente, estavam bem.
A verdade é, porém, que uma ostra cultivada em águas onde estão dejetos humanos — e esse era o caso do cultivo urbano de ostras no século 19 — pode facilmente pegar bactérias letais.
Booker menciona um caso trágico em que uma refeição com ostras na universidade de Wesleyan College, em Connecticut, deixou cerca de 22 pessoas com febre tifoide; seis jovens morreram.
Na ocasião, um professor de biologia realizou uma investigação e logo ficou claro que as ostras eram as culpadas.
Em 1924, uma epidemia de febre tifoide adoeceu 1.500 americanos em Chicago, Nova York e Washington; o surto foi atribuído às ostras.
Cento e cinquenta pessoas morreram, tornando-se o surto de origem alimentar mais mortal da história dos EUA, de acordo com o periódico Food Safety News.
As águas estavam mais poluídas do que no passado, mas também os métodos de investigação forense eram melhores. Ficou claro que as ostras urbanas eram um problema de saúde pública.
“O pico das ostras ocorreu por volta de 1910”, aponta Booker.
A partir daí, foi tudo por ladeira abaixo.
As ostras estão agora longe de ser um alimento do homem comum.
E quando eu era uma adolescente educadora no museu histórico do meu condado, contando uma história local sobre um mineiro de ouro que ficou rico, entrou em um café e pediu a refeição mais cara que ele poderia imaginar — ovos, bacon e ostras —, eu disse aos visitantes que as ostras eram um alimento muito caro.
Para mim, esses mariscos pareciam estranhos, bizarros — a última coisa que você encontraria em uma cidade empoeirada a quilômetros do oceano.
Mas Booker diz que, na década de 1850, elas não eram tão raras. Na verdade, os ovos e o bacon é que provavelmente eram bastante caros.
Agora que a água está mais limpa em várias partes dos EUA, graças às leis e políticas do século 20, será que as ostras poderiam voltar a ser cultivadas nas cidades? Poderiam voltar a ser uma fonte de proteína relativamente sustentável para a população?
Existem alguns esforços para revitalizar os recifes de ostras como fonte de alimento, particularmente devido aos benefícios que trazem aos habitats costeiros.
Booker não acredita que as pessoas possam ser convencidas a imaginar as águas urbanas como uma fonte limpa de alimento, mas ele adora essa ideia.
Com regulamentação adequada e uma gestão criteriosa, a abundância das ostras nas grandes cidades "pode muito bem voltar", defende.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
Fonte: correiobraziliense
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.