Em sua participação na conferência anual da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, na Suíça, nesta quinta-feira (13/6) o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez uma defesa ferrenha da distribuição de renda e afirmou que a "mão invisível do mercado" agrava a desigualdade.
O chefe de Estado brasileiro foi orador principal no fórum da Coalizão Global pela Justiça Social, uma iniciativa multilateral impulsionada pelo diretor-geral da OIT, Gilbert Houngbo.
Lula defendeu, como previsto, a proposta impulsionada pelo Brasil no G20 de taxação de super-ricos e pareceu fazer uma referência ao empresário Elon Musk, fundador da SpaceX e dono do X (antigo Twitter).
“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrar um planeta melhor do que a Terra para não ficar no meio dos trabalhadores, que são responsáveis pela riqueza deles”, disse.
Em declarações à imprensa, o presidente brasileiro comentou as crises que enfrenta no Brasil — com o indiciamento do ministro das Comunicações, Juscelino Filho, e a pressão crescente sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
O chefe de Estado brasileiro também sugeriu que a falta de diálogo entre as autoridades da Ucrânia e da Rússia sinaliza que eles "estão gostando da guerra".
"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontra uma solução pacífica", afirmou o presidente brasileiro, que recusou convite para participar de uma cúpula para discussão da paz ucraniana que será realizada na Suíça no final de semana.
O evento não contará com a presença da Rússia e foi visto pelo Brasil como unilateral. O país deve mandar apenas um embaixador para a reunião.
Lula foi a principal autoridade a marcar presença na cúpula em Genebra - além do brasileiro, o único outro chefe de Estado que discursou foi o presidente do Nepal, Ramchandra Paudel.
Sua presença na reunião deslocou um amplo aparato de segurança e foi motivo de atenção. No Palácio das Nações, a sede europeia das Nações Unidas, o presidente foi recebido por gritos de “Ole Ole Ola Lula, Lula”, repetidos também durante sua participação no fórum pela justiça social.
O presidente já deixou Genebra e segue para Apúlia, Itália, onde participará da cúpula do G7, grupo de sete dos países mais ricos do mundo, neste fim de semana.
Confira, a seguir, alguns dos destaques da participação do presidente no evento em Genebra.
Lula foi questionado por jornalistas sobre assuntos domésticos, como o caso envolvendo o ministro das Comunicações, Juscelino Filho.
Ele foi indiciado pela Polícia Federal (PF), suspeito de uso indevido de recursos públicos para a pavimentação de estradas que dão acesso a propriedades de sua família na cidade de Vitorino Freire, no Maranhão.
Lula disse que ainda não tem uma decisão tomada sobre a permanência do ministro na pasta.
“O fato de o cara estar indiciado não significa que ele cometeu o erro, significa que alguém está acusando e a acusação foi aceita. Agora, é preciso que prove que é inocentes e ele tem esse direito", disse. “Eu não conversei com ele ainda, vou conversar hoje e tomar uma decisão sobre esse assunto”, acrescentou.
Mais tarde, o presidente foi questionado sobre uma “pressão” sobre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad acerca de sua capacidade para concretizar a agenda econômica do governo.
Nesta semana, o Congresso Nacional devolver uma medida provisória que limitava créditos tributários para empresas, numa tentativa do Ministério da Fazenda de compensar perdas de receitas com a desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra e dos municípios.
A medida era considerada fundamental dentro do esforço para equilibrar as contas federais e sua devolução expôs a fragilidade do governo no Congresso.
Para Lula, Haddad tentou "ajudar os empresários" propondo a desoneração. "Nem deveria ter sido o Haddad para assumir essa responsabilidade, mas o Haddad assumiu, fez uma proposta. Os mesmos empresários não quiseram", disse o presidente.
"Todo ministro da Fazenda, desde que eu me conheço por gente, ele vira o centro dos debates, quando a coisa dá certo, quando a coisa não dá certo", declarou.
O líder brasileiro também foi questionado sobre a expectativa de votação na Câmara de uma proposta para equiparar a interrupção de gestação após 22 semanas ao crime de homicídio, mesmo em casos de aborto legal, como gravidez decorrente de estupro. Lula disse simplesmente que precisava voltar ao Brasil e “tomar pé da situação” antes de comentar o tema.
A maior parte do discurso de Lula na OIT foi dedicado à discussão da justiça social e da promoção do trabalho dignos, temas principais da conferência e do fórum da Coalizão Global pela Justiça Social.
“O bem-estar de cada um depende do bem-estar de todos. Como afirmou o papa Francisco, não há democracia com fome, nem desenvolvimento com pobreza e nem justiça na desigualdade”, disse.
Ainda segundo Lula, a "mão invisível do mercado" agrava a desigualdade.
Na quarta-feira (12), Lula já tinha mencionado o mercado financeiro em outra declaração, no Rio de Janeiro, quando argumentou que o "mercado era uma entidade abstrata, apartada da política e da sociedade".
Em seu discurso em Genebra, o presidente também tratou da desigualdade de gênero e de como as mulheres são, em todo o mundo, “um dos elos mais vulneráveis” da cadeia de trabalho.
Ainda segundo Lula, as guerras em Gaza, na Ucrânia e outros conflitos “esquecidos” prejudicam ainda mais a busca pela justiça social e pelo trabalho digno.
O líder brasileiro também defendeu, como previsto, a proposta impulsionada pelo Brasil no G20 de taxação de super-ricos. “Nunca antes o mundo teve tantos bilionários. Estamos falando de 3 mil pessoas que detém quase 15 trilhões de dólares. Isso representa a soma do Japão, da Alemanha, da Índia e do Reino Unido”, disse.
Lula ainda fez comentários sobre bilionários que possuem seus próprios programas de exploração espacial, o que pareceu uma referência ao sul-africano Elon Musk, fundador da SpaceX.
Segundo a revista Forbes, Musk é a segunda pessoa mais rica do mundo, com US$ 201,4 bilhões.
“A concentração de renda é tão absurda que alguns indivíduos possuem seus próprios programas espaciais. Certamente tentando encontrar um planeta melhor do que a Terra para não ficar no meio dos trabalhadores, que são responsáveis pela riqueza deles”, disse Lula.
“Não precisamos buscar soluções em Marte. É a Terra que precisa do nosso cuidado.”
Lula aproveitou o momento para defender um projeto de inteligência artificial (AI) dos países em desenvolvimento.
Segundo o presidente, os países ricos tentam manipular o restante da humanidade com a tecnologia e reforçam “vieses e hierarquias geopolíticas, culturais, sociais e de gênero”.
“A OIT tem obrigação de trabalhar junto com a ONU e com os países para que a gente construa um projeto de inteligência artificial que seja do sul global, para que a gente possa competir com os países mais ricos, que ao criar a IA, tentam manipular o restante da humanidade”, disse no plenário da sede da ONU em Genebra.
“A IA nada mais é do que a esperteza de algumas empresas que acumulam dados de todos os seres humanos e, sem pagar um centavo de dólar paro o povo, conseguem fazer o que estão fazendo hoje. É uma tarefa revolucionária a gente tentar mudar esse quadro.”
A decisão de Lula de não participar da cúpula pela paz entre Rússia e Ucrânia, que será realizada entre os dias 15 e 16 de junho, na Suíça, foi destaque durante a primeira parte de sua passagem pela Europa.
O evento não conta com a presença da Rússia e, portanto, é visto pelo Brasil como unilateral. O país deve mandar apenas um embaixador para a reunião.
O tema foi abordado pela presidente da Confederação Suíça, Viola Amherd, durante uma reunião bilateral com o líder brasileiro no início da tarde desta quinta.
O governo suíço teria pressionado o Brasil pela presença de uma autoridade mais destacada na cúpula. Mas segundo o planalto, o presidente manteve a posição.
Em declaração à imprensa, Lula afirmou ainda que não faz “defesa do Putin”, em referência ao presidente russo. “O Brasil foi o primeiro país a criticar a Rússia pela invasão do país. O que eu não faço é ter lado. O meu lado é a paz", disse.
O presidente ainda sugeriu que, se os presidentes Volodymyr Zelensky, da Ucrânia, e Vladimir Putin, da Rússia, não dialogam, é porque eles "estão gostando da guerra".
"Tem que ter um acordo. Agora, se o Zelensky diz que não tem conversa com Putin, e o Putin diz que não tem conversa com Zelensky, é porque eles estão gostando da guerra. Porque senão, já tinham sentado para conversar e tentar encontrar uma solução pacífica", afirmou o presidente brasileiro.
O presidente também abordou brevemente o atual conflito na Faixa de Gaza. No final de seu discurso no plenário da ONU em Genebra, Lula pediu o “fim do massacre” no enclave palestino.
Logo em sua chegada a Genebra, o presidente ainda falou aos jornalistas sobre o avanço da direita radical nas eleições para o Parlamento Europeu realizadas no último fim de semana.
Segundo ele, a democracia como é conhecida atualmente está sob risco. “O negacionista nega as instituições, nega aquilo que é o Parlamento, aquilo que é a Suprema Corte, aquilo que é o Poder Judiciário, aquilo que é o próprio Congresso. Ou seja, são pessoas que vivem na base da construção de mentiras”, disse.
O tema também foi mencionado na ONU, onde Lula apontou para a ameaça representada por “aventureiros que espalham mentiras e ódios”.
“Não é mera coincidência que o meu país foi investigado por violar normas dessa organização durante o governo anterior”, disse. “A contestação da ordem vigente não pode ser privilégio da extrema-direita.”
Fonte: correiobraziliense
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