Ela surge naturalmente no seu café matinal e na xícara de chá. Ou é adicionada artificialmente, na sua bebida energética favorita e em muitos refrigerantes populares.
A cafeína pode oferecer ao corpo e à mente de muitos de nós aquele impulso tão necessário, quando sentimos um pouco de preguiça.
Mas, recentemente, uma marca de limonada à venda nos Estados Unidos foi retirada do mercado, em meio a acusações de que seu alto teor de cafeína era perigoso – embora ela estivesse dentro da ingestão diária recomendada para adultos no país, segundo seu fornecedor.
O incidente levantou questões sobre qual a quantidade de cafeína considerada excessiva e se faz diferença qual bebida nós tomamos para ingerir a substância.
Existem inúmeros estudos demonstrando que certas bebidas cafeinadas trazem benefícios à saúde. Ainda assim, permanece certo grau de incerteza sobre qual a forma adequada de consumo.
O nosso corpo desempenha muitas funções cruciais todo o tempo. Elas incluem os batimentos cardíacos, o fluxo sanguíneo e os ciclos de sono e vigília.
Muitas dessas funções são afetadas pela adenosina, uma substância naturalmente presente no corpo humano. Seu trabalho é nos deixar cansados no final do dia.
"A adenosina é uma das substâncias produzidas naturalmente pelo corpo para causar redução da atividade de diversos órgãos que estão sob tensão, ou que necessitam reduzir sua demanda de energia", explica o chefe da seção de reconhecimento molecular do Instituto Nacional de Diabetes e Doenças Renais e Digestivas dos Estados Unidos, Kenneth Jacobson.
Os receptores de adenosina são encontrados sobre a superfície externa de muitas células do corpo, segundo Jacobson. Eles reagem aos níveis variáveis de adenosina perto da célula, para enviar um comando para o interior da célula, a fim de reduzir seu nível de atividade.
Este processo promove o sono no coração, rins, sistema imunológico e em outros tecidos do corpo.
Já a cafeína que consumimos é rapidamente absorvida pelo nosso fluxo sanguíneo. Lá, ela derrota a adenosina, evitando que ela se conecte aos receptores para fazer o seu trabalho. É por isso que a cafeína nos deixa mais acordados e em estado de alerta.
A cafeína também pode aumentar os níveis de outros neurotransmissores, como a dopamina e a adrenalina. Este efeito pode nos fazer sentir mais estimulados, segundo o professor de fisiologia Damian Bailey, da Universidade do Sul do País de Gales, no Reino Unido.
"O cérebro é como um grande músculo", explica o professor. "Ele precisa realizar as ações e é estimulado pela dopamina, adrenalina e cafeína."
Existe um sem-número de evidências dos efeitos da cafeína sobre a saúde humana – particularmente do café, que é uma das maiores fontes de cafeína na alimentação da maioria das pessoas.
Um estudo de mais de 200 meta-análises em 2017 concluiu que beber três a quatro xícaras de café por dia apresenta relação mais frequente com benefícios do que com danos à saúde. E os estudos que encontraram associações prejudiciais podem ser explicados pela alta proporção de consumidores de café que também fumam.
Mas uma área em que tudo começa a se complicar é a saúde cardíaca.
Um estudo populacional com quase 19 mil pessoas encontrou relação entre o consumo de mais de duas xícaras de café por dia e o maior risco de morrer de doenças cardíacas entre pessoas que já sofrem de hipertensão arterial – mas não entre pessoas com pressão sanguínea saudável.
E, em uma análise de evidências, cientistas afirmam que o consumo moderado de café pode reduzir o risco de morte, hipertensão arterial e parada cardíaca, mas não foi encontrado efeito claro sobre o risco de doenças cardíacas coronarianas.
Estudos demonstram que o café também pode influenciar a qualidade dos nossos exercícios.
Um estudo entre ciclistas amadores concluiu que o café pode melhorar o desempenho físico em até 1,7%. E a cafeína também foi associada ao menor risco de diversas formas de câncer, doenças cardíacas e diabetes tipo 2.
Os estudos vêm concluindo consistentemente que o café (mas não o chá) protege contra a depressão. E existem ainda evidências de que os antagonistas da adenosina (como a cafeína), que bloqueiam os receptores de adenosina, são benéficos para o envelhecimento do cérebro, segundo Jacobson.
"A própria cafeína e outras moléculas sintéticas mais potentes, similares à cafeína, foram estudadas clinicamente e demonstraram efeito benéfico em seres humanos com doenças neurodegenerativas, incluindo o mal de Alzheimer", afirma ele.
De fato, pesquisas associaram o consumo de cafeína a uma redução de até 60% do risco de desenvolvimento de mal de Alzheimer. Uma explicação é o fato de que a cafeína aumenta o fluxo do sangue para o cérebro, segundo Bailey.
O cérebro queima uma enorme quantidade de combustível, explica o professor. Embora represente apenas cerca de 2% do peso do corpo, o cérebro consome mais de um quarto de toda a nossa energia.
"Mas, embora a capacidade da cafeína de aumentar o fluxo sanguíneo para o cérebro seja algo bom, ela também pode gerar dores de cabeça, de forma que a cafeína é um fator de risco para as pessoas que sofrem de enxaqueca", ressalta Bailey.
O café também foi associado à composição saudável da microbiota intestinal. Isso se deve, em parte, aos seus compostos bioativos alcaloides e polifenóis – entre eles, a cafeína.
Já se determinou que a composição correta da microbiota intestinal pode trazer amplos benefícios à saúde humana.
Vale a pena observar que alguns dos benefícios à saúde associados ao café não se resumem ao seu teor de cafeína.
O ácido clorogênico, por exemplo, é um composto presente no café que pode ser responsável por parte dos seus benefícios à saúde, particularmente sobre a diabetes, segundo a nutricionista Marilyn Cornelis, professora da Escola de Medicina da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos.
"Dados populacionais demonstram claramente que tomar café reduz o diabetes, mas os efeitos também são obtidos com café descafeinado, de forma que provavelmente eles não estão relacionados à cafeína", explica a professora.
Muitas bebidas cafeinadas podem causar efeitos diferentes, devido a outras substâncias nelas contidas. Isso ocorre até mesmo com tipos diferentes de café.
O café torrado, por exemplo, contém compostos bioativos com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios. E, embora o café solúvel contenha mais polifenóis saudáveis que o café coado, ele também contém quantidade maior do carcinogênico acrilamida, segundo a doutoranda em educação em ciências da nutrição Alex Ruani, do University College de Londres.
Também se concluiu que o chá apresenta efeitos anti-inflamatórios similares, devido ao seu teor de flavonol.
O café é mais conhecido pelas propriedades da cafeína, mas o chá é um forte concorrente neste particular.
"Chá verde ou preto forte pode ser bastante potente, em relação ao seu teor de cafeína", afirma Bailey.
Um estudo acompanhou mais de meio milhão de consumidores de café por duas décadas e concluiu que as pessoas que tomam café coado – preparado mais lentamente, utilizando um filtro – apresentaram menor incidência de doenças arteriais e morte, em comparação com as que não tomam café, ou que consomem café não coado.
Os pesquisadores concluíram que este efeito pode se dever à cafeína.
No primeiro estudo conhecido para observar os efeitos da substituição do café pelo chá, os pesquisadores concluíram que a substituição de parte do café por chá pode trazer benefícios à saúde, em comparação com o consumo apenas de café.
A pesquisa indicou que homens que retiram do café um terço até metade do seu consumo diário de cafeína apresentaram menor risco de morte.
Já as mulheres que tomavam apenas café, ou até 40% de chá, apresentaram o menor risco de morte – mas, entre as que consumiam maior quantidade de chá, foi observado risco de morte maior.
Outra tendência, mais recente, é o uso de cafeína em bebidas energéticas – uma definição vaga de bebidas não alcoólicas cafeinadas que contêm outros ingredientes, como açúcar, e outros estimulantes, como guaraná.
Estas sementes contêm cerca de quatro vezes mais cafeína do que os grãos de café – e a combinação de outras substâncias naturais existentes nas sementes de guaraná pode amplificar seus efeitos estimulantes, em relação à cafeína isoladamente.
Estudos demonstram que algumas das bebidas energéticas mais populares nos EUA e no Reino Unido contêm 75 a 160 mg de cafeína, mas algumas chegam a conter até 500 mg da substância.
"As bebidas energéticas contêm outros estimulantes, como vitaminas do complexo B, L-carnitina, L-teanina e glucoronolactona", segundo Ruani.
"Em combinação, tudo isso pode afetar muitos sistemas do corpo, como o cérebro e o coração", explica ela. "Com o passar do tempo, podem surgir danos cardíacos, como hipotensão e arritmia, e distúrbios neurológicos, como ataques de pânico e convulsões."
Quer você consuma cafeína para permanecer alerta durante as reuniões ou para tentar aumentar sua energia na academia, a hora do dia parece ser importante.
"Os níveis de cafeína se acumulam no fluxo sanguíneo depois de 20 minutos e leva cerca de uma hora para atingir o 'pico da cafeína'", explica Bailey.
"A cafeína ajuda os músculos a se contraírem com mais potência e aumenta nossa tolerância à fadiga, de forma que ela pode aumentar muito o desempenho se for tomada uma hora antes do exercício."
Alguns pesquisadores recomendam que, ao acordar de manhã, você espere 90 minutos a duas horas para tomar sua primeira xícara de café.
O raciocínio é que, nas primeiras duas horas depois de acordar, a adenosina ligada aos receptores no lado externo das suas células será gradualmente eliminada, deixando o caminho livre para que a cafeína se ligue com mais eficiência. Mas outros pesquisadores contestam a validade desta ideia, dizendo que existem poucas evidências científicas que a sustentem.
Embora a cafeína chegue ao intestino com muita rapidez, seus efeitos podem levar horas para desaparecer. Os cientistas recomendam tomar sua última 'dose' de cafeína pelo menos 8 horas e 48 minutos antes de ir para a cama.
As orientações nacionais dos EUA e do Reino Unido aconselham limitar o consumo de cafeína a 200 mg por dia durante a gravidez.
Mas, em uma análise de 37 estudos, 32 deles concluíram que a cafeína aumenta significativamente o risco de consequências adversas na gravidez, que podem incluir o desenvolvimento de diabetes gestacional ou pré-eclâmpsia pela mãe, ou ainda o menor crescimento do feto. Isso ocorre porque a cafeína atravessa facilmente a placenta.
Pesquisadores concluíram que existe aumento do risco de aborto instantâneo e natimortos para cada 100 mg de cafeína adicionais – e, para baixa natalidade, 10 mg por dia.
A cafeína também é transmitida pelo leite materno para os bebês em amamentação, segundo o professor Jack James, da Universidade de Reykjavik, na Islândia.
"Embora a concentração de cafeína no sangue dos bebês seja mais baixa que a da mãe, é importante observar que os bebês não conseguem metabolizar cafeína", explica ele. Por isso, expor os bebês à substância desta forma pode causar sintomas de abstinência, segundo James.
"Já se determinou claramente que a cafeína interfere com o sono nos adultos e que seus consumidores regulares ficam fisicamente dependentes, o que é evidenciado por uma ampla série de efeitos prejudiciais de abstinência", segundo o professor.
Ele acrescenta que os sintomas podem surgir até seis horas após a abstinência da cafeína, especialmente entre os consumidores diários da substância. Eles podem incluir dores de cabeça e irritabilidade.
"Embora existam poucos estudos sobre os sintomas da abstinência de cafeína em bebês, podemos considerar que os eventuais efeitos similares aos experimentados pelos adultos provavelmente serão prejudiciais", explica James.
A cafeína não influencia apenas a dificuldade para dormir. Ela pode também afetar a quantidade de sono profundo, segundo Ruani.
Existem também evidências que demonstram que a adenosina possui efeitos anti-inflamatórios contra doenças imunes e inflamatórias.
"Estas podem ser condições em que seria apropriado reduzir a ingestão de cafeína, depois de consultar um profissional médico", aconselha Jacobson.
Não existem orientações específicas no Reino Unido, mas a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla em inglês) aconselha pessoas saudáveis a não ingerir mais de 400 mg de cafeína por dia – e não mais de 200 mg de cada vez.
De forma geral, parece ser consenso que beber 200 a 300 mg de café por dia é melhor do que não beber nada, afirma Bailey. Mas as recomendações podem ser inúteis se não soubermos quanta cafeína existe em cada bebida – e, segundo ele, esse teor é muito variável.
Se considerarmos 100 mg de cafeína por xícara de café, 400 mg correspondem a quatro xícaras de café por dia. Mas Bailey ressalta que quatro xícaras de café espresso estariam muito acima do limite de 400 mg.
Diferentes variedades de grãos, a quantidade de pó utilizada e a própria preparação da bebida podem influenciar o teor de cafeína.
"Os fornecedores não sabem dizer quanta cafeína estão servindo", afirma ele. "Um espresso pode ter de 250 a 700 mg de cafeína e algumas bebidas energéticas podem ter 500 ou 600 mg."
Por isso, Bailey destaca que é fácil consumir doses excessivas da substância. E você saberá dizer quando isso acontece. Você pode começar a sentir náuseas, ansiedade e irritabilidade, sem falar nas dores de cabeça.
Você pode também começar a sentir contrações ventriculares prematuras, que são batimentos cardíacos adicionais. Os marca-passos cardíacos ficam irritáveis, segundo o professor.
Mas a ingestão moderada de cerca de duas a três xícaras de café por dia não foi relacionada a nenhum efeito negativo sério em pessoas saudáveis, segundo Jacobson. E, se as pessoas precisarem suspender subitamente o consumo de cafeína, ele aconselha fazer isso gradualmente ao longo de alguns dias, para evitar os sintomas de abstinência.
Se você tomar constantemente altas quantidades de cafeína ao longo do tempo, terá maior propensão a sentir sintomas de abstinência se interromper o consumo de uma hora para outra. Mas pesquisas indicam que esse sintomas podem também ocorrer com doses diárias baixas, de até 100 mg.
O mecanismo por trás dos sintomas de abstinência é o mesmo que causa os efeitos estimulantes da cafeína, segundo Cornelis.
"As pessoas que consomem muita cafeína por um longo período terão efeito de tolerância acumulada, pois os receptores de adenosina se multiplicam", explica ela. "E, se houver mais receptores, a adenosina terá mais oportunidades de fazer efeito na ausência da cafeína."
Existem pelo menos oito genes associados à ingestão de cafeína. Eles incluem os que influenciam o estímulo neurológico, os efeitos psicoativos do café sobre o cérebro, a rapidez de metabolização do café, a quantidade que conseguimos tolerar e o quanto nós gostamos de café, segundo Alex Ruani.
Podemos levar até duas horas para metabolizar a metade da cafeína que consumimos. Mas, para algumas pessoas, pode levar mais de 12 horas, afirma Cornelis.
Esta diferença se deve, em grande parte, às variantes genéticas da enzima CYP1A2 nos nossos corpos. Elas representam mais de 90% do metabolismo da cafeína, segundo ela.
As pessoas costumam ser divididas em dois grupos: as que reagem à cafeína e as que não reagem. Provavelmente você sabe a qual categoria você pertence.
Os hábitos de consumo de café da maioria das pessoas costumam coincidir com a sua predisposição genética, segundo Cornelis. Isso ocorre porque somos bons em descobrir quantos cafés conseguimos tolerar e nos manter dentro do nosso nível individual de tolerância.
Mas é aqui que os benefícios à saúde associados à cafeína ficam mais complicados.
"As pessoas que metabolizam o café rapidamente podem precisar consumir maior quantidade para ter os benefícios à saúde, pois ele vai embora com muita rapidez", explica Cornelis.
Nossas diferenças genéticas também podem afetar até que ponto o consumo habitual de café pode promover benefícios à saúde.
"Algumas pessoas podem desenvolver hipertensão arterial tomando bebidas cafeinadas e outras não", segundo Ruani. "Alguns se beneficiam das propriedades protetoras do coração da cafeína e outras talvez não."
A pesquisadora explica que estes fatores podem colaborar para algumas das conclusões contraditórias associadas aos benefícios do café à saúde.
A cafeína é uma droga única porque é disponível com muita facilidade. Mas isso também faz com que seja mais importante – e, talvez, mais difícil – consumi-la com moderação.
Damian Bailey indica que dificuldades para relaxar e irritação podem significar que você atingiu seu limite de cafeína. Mas o verdadeiro sinal, segundo ele, é a dificuldade para dormir à noite.
"Sempre recuse o café após o jantar e peça descafeinado", orienta ele. "O sono é importante para o cérebro."
Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.
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