O governo do presidente russo, Vladimir Putin, culpou os Estados Unidos pelo "ataque bárbaro" contra a cidade de Sebastopol, às margens do Mar Negro, na península anexada da Crimeia, e acusou Washington de "matar crianças russas". "É evidente que a participação dos Estados Unidos nos combates, a sua participação direta, que leva à morte de cidadãos russos, tem que ter consequências", declarou o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov. O assessor de Putin pediu aos jornalistas presentes na entrevista coletiva para que perguntassem à Europa e aos EUA "por que seus governos matam crianças russas". A Rússia afirma que cinco mísseis foram disparados, pelas forças ucranianas, a partir do sistema de lançamento norte-americano ATACMS, no domingo (23/6). O quinto míssil teria explodido sobre a praia, matando quatro pessoas, entre elas duas crianças, e ferindo mais de 151 — das quais 82 foram hospitalizadas.
De acordo com o Ministério da Defesa da Rússia, o artefato desviou de sua rota depois de ser atingido pelo sistema de defesa aérea de Moscou. As autoridades russas asseguram que a Ucrânia não consegue realizar, sozinha, ataques com mísseis de longo alcance ATACMS. Por isso, sustentam que o ataque teria sido realizado com a participação de especialistas, de tecnologia e de dados da inteligência norte-americana. Até a noite desta segunda-feira (24), a Casa Branca não tinha comentado as acusações do Kremlin.
Os Estados Unidos e países-membros da União Europeia avalizaram o uso de armas ocidentais, por parte da Ucrânia, em ataques de alvos militares russos utilizados para bombardear o território ucraniano. A resposta de Putin veio na mesma moeda: ele ameaçou, no começo do mês, fornecer armamentos equivalentes a inimigos das potências ocidentais, para que alcancem seus interesses em outras regiões do mundo.
A primeira retaliação russa veio no campo diplomático: o Ministério das Relações Exteriores da Rússia convocou Lynne Tracy, embaixadora americana em Moscou, para informá-la sobre "medidas de represália". "Comunicou-se à embaixadora que tais ações de Washington autorizando ataques dentro do território russo não ficariam impunes", afirma o comunicado.
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev), lembrou ao Correio que a Rússia não é mais uma potência equivalente aos EUA. "Moscou não pode desafiar diretamente Washington, pois Putin sabe o tipo de resposta devastadora que seu país sofrerá, tanto militar quanto econômica. Por exemplo, os Estados Unidos podem suspender por completo o comércio de petróleo, gasolina e gás com a Rússia. Além disso, vários destróieres da Marinha norte-americana podem lançar mais mísseis cruzeiros de alta precisão do que a frota russa inteira e destruí-la. Portanto, o Kremlin nem mesmo tentará provocar um ataque direto aos EUA", afirmou.
Para Burkovsky, a Rússia poderá retaliar o bombardeio em Sebastopol usando ataques cibernéticos ou fornecendo equipamento a aliados, como o Irã e a Coreia do Norte. "O Kremlin poderia enviar a Teerã e a Pyongyang ouro e tecnologia bélica. Mas, descarto uma ofensiva militar direta. Putin foi, e continua sendo, um covarde", ironizou. Ele aposta que o líder russo tentará encontrar meios de apoiar o republicano Donald Trump nas eleições de 5 de novembro, a fim de retaliar o presidente Joe Biden. "Além disso, o que é relevante para os EUA e para a América do Sul, o Kremlin poderá enviar criminosos para países da América do Sul, os quais receberam treinamento, na Venezuela e da Nicarágua, do Grupo Wagner (do mercenário Yevgeny Prigozhin, morto em acidente aéreo em agosto de 2023). Eles teriam o objetivo de cometer ataques violentos massivos em território norte-americano, para forçar uma crise interna que pudesse prejudicar Biden", disse.
Professor de política comparada da Universidade de Kiyv-Mohyla, Olexiy Haran ressaltou ao Correio que Sebastopol não faz parte do território russo, apesar de as forças de Moscou terem anunciado a anexação da região em 2014. "Nós chegamos a utilizar nossos próprios mísseis (de fabricação ucraniana) contra alvos russos na Crimeia. A Rússia não pode culpar um país por defender seu território. Isso é simplesmente estúpido e cínico", criticou.
"Putin defintivamente usará 'ferramentas híbridas', como interferência na campanha eleitoral dos EUA e a proliferação de armas nucleares de mísseis intercontinentais em países como o Irã. Ele estava planejando fazer isso, de qualquer maneira. Agora, apenas achou uma 'desculpa'."
Petro Burkovsky, analista da Fundação de Iniciativas Democráticas Ilko Kucheriv (em Kiev)
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.