Um palestino, seu filho de seis anos, a mulher grávida de sete meses e a sogra idosa foram impedidos de entrar no Brasil pela Polícia Federal e foram obrigados pela Justiça a retornar à Malásia, onde residem, no domingo (23/6).
O motivo da recusa seria uma suposta ligação de Muslim M. A Abuumar, de 37 anos com o Hamas, grupo palestino acusado de ser uma organização terrorista por países como Estados Unidos, Reino Unido e Israel. Já o Brasil segue a posição da Organização das Nações Unidas (ONU) e não classifica o grupo como terrorista.
A defesa nega que Abuumar integre o Hamas e diz que ele e sua família vieram ao Brasil para visitar seu irmão, Habib Omar, palestino que mora em São Paulo.
O palestino barrado, que trabalha em um instituto de pesquisa sobre o Oriente Médio na Malásia, tinha visto para entrar no país como turista e já havia visitado o irmão em janeiro de 2023. O filho, a esposa e a sogra de 69 anos são cidadãos da Malásia e não precisavam de visto para ingressar no Brasil.
O Instituto Brasil-Palestina, por sua vez, emitiu numa nota em que acusa a PF de atuar "a serviço de governos estrangeiros", por ter impedido a entrada Abuumar com base em uma lista de pessoas suspeitas de ligação com grupos terroristas produzida pelos Estados Unidos.
A defesa de Abuumar ressalta que a lista é alvo de controvérsia dentro dos Estados Unidos, devido à inclusão de pessoas sem envolvimento comprovado com terrorismo.
Em dezembro de 2023, oito congressistas democratas, incluindo os senadores Elizabeth Warren e Bernie Sanders, enviaram um pedido de informações para diversos órgãos do governo de Joe Biden, como o Departamento de Justiça e o FBI, em que manifestaram "preocupações constantes sobre a confiabilidade da lista e até que ponto o devido processo legal e os princípios dos direitos civis são respeitados no decurso da colocação e retenção de indivíduos na lista".
Os parlamentares também questionaram as medidas que estavam sendo adotadas "para lidar com a discriminação anti-muçulmana" decorrente da lista.
Procurada pela BBC News Brasil, a assessoria de imprensa da embaixada dos EUA no Brasil não quis comentar o caso.
"Por questões de política interna, não comentamos sobre decisões judiciais brasileiras. Ressaltamos que as agências de aplicação da lei dos EUA têm um longo histórico de colaboração com as autoridades federais e estaduais brasileiras em uma variedade de tópicos investigativos que beneficiam e protegem tanto o público brasileiro quanto o norte-americano", afirmou a embaixada americana.
Entenda melhor a seguir os argumentos da PF – e o que diz a defesa.
Abuumar e sua família chegaram ao Brasil na noite de sexta-feira (21/6) e foram impedidos de passar pela imigração pela Polícia Federal. Um advogado contratado pela família conseguiu, inicialmente, uma decisão liminar da Justiça Federal de São Paulo impedindo sua repatriação, até que a PF prestasse informações sobre o caso.
No entanto, após a manifestação da Polícia Federal e do Ministério Público Federal contra a entrada da família, a juíza plantonista Millena Cunha decidiu revogar sua liminar e autorizar a repatriação do grupo.
O caso está sob sigilo. Segundo apuração da BBC News Brasil, a PF argumentou que o nome de Abuumar está em uma lista do governo americano, conhecida como Terrorist Screening Center, que incluiria pessoas com "comprovado envolvimento com terrorismo" ou sobre as quais recaiam "fundadas suspeitas".
A PF também alegou que buscas em fontes abertas teriam detectado referências a Abuumar como integrante do Hamas, caso de uma publicação no portal de uma instituição baseada em Washington focada em notícias do Oriente Médio (Menri, na sigla em inglês).
Com isso, disse a instituição à Justiça, o nome do palestino foi incluído no Sistema de Alertas e Restrições da Polícia Federal, para que ficasse impedido de entrar no país, assim como as pessoas que o acompanhassem.
Outro argumento usado pela PF é que, devido a mulher de Abuumar estar grávida, haveria indícios de que eles pretendiam ter o filho no país, para facilitar, depois, a obtenção da naturalidade brasileira pela família — algo também refutado pela defesa.
Questionada pela BBC News Brasil sobre os argumentos apresentados, a PF disse apenas que "a Justiça Federal da 3ª Região entendeu legítimos os motivos de impedimento, conforme acordos e convenções internacionais, e autorizou a repatriação".
"O processo de impedimento seguiu estritamente os acordos e tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário para combater ameaças terroristas", disse ainda a PF.
O advogado de Abuumar, Bruno Henrique de Moura, nega que seu cliente integre o Hamas e questiona a legalidade da lista do governo americano.
Ele também afirma que conteúdos encontrados pela PF na internet identificando seu cliente como integrante da organização foram produzidos por sites ligados a forças israelenses.
"A pesquisa pelo nome dele na Interpol [banco de dados que reúne pessoas foragidas da Justiça] mostra que não tem absolutamente nada contra ele. Não mostraram [na justificativa da PF] que ele praticou qualquer ato terrorista, seja financiar, seja como mentor intelectual, seja colocando em prática", afirmou Moura à reportagem.
"Ele me disse várias vezes que não é do Hamas. Mas, ainda que ele fosse, o Hamas não é considerado pelo Brasil uma organização terrorista", acrescentou Moura.
À BBC News Brasil, o irmão de Abuumar, Habib Omar, disse que "Muslim está sendo perseguido por seu ativismo pela Palestina" e suas críticas "contra o genocídio de Israel na faixa de Gaza".
Ele contesta a suspeita levantada pela Polícia Federal de que seu irmão e esposa tivessem intenção de ter o filho no Brasil.
"Se quisesse ficar no Brasil, ele poderia ter solicitado o status de refugiado. Ele não quis. Meu irmão é uma figura pública, que tem relações muito boas com autoridades na Malásia, na Indonésia", afirmou à reportagem.
"O que nos deixa irritado, e a mim ofendido como brasileiro, em relação ao que ocorreu, é que, infelizmente, a lei e a política [do Brasil] podem ser distorcidas e usadas por nações estrangeiras", disse ainda.
Habib Omar reclamou ainda de não ter podido encontrar o irmão no aeroporto de Guarulhos, onde ele ficou retido, e disse que a experiência foi muito traumática para a esposa grávida.
"Eu vim ao Brasil com esperança de viver com liberdade e dignidade. Esse acontecimento veio para nos lembrar que, mesmo quando vamos para bem longe da Palestina, Israel vem atrás de nós. E não estamos fazendo nada de ilegal. É uma loucura", reclama.
Já o Instituto Brasil-Palestina disse que "o caso é absurdo em todos os sentidos"
"A Polícia Federal está atuando para aplicar determinações do governo norte-americano no Brasil. A lista do TSC (Terrorist Screening Center) não tem amparo na legislação brasileira. Ao utilizá-la como critério para impedir a entrada de um cidadão palestino no Brasil, a PF está atuando como sucursal do FBI", criticou em nota.
Solicitada a analisar o caso pela BBC News Brasil, a advogada Ana Flávia Velloso, professora de direito internacional do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa), afirma que a Polícia Federal tem poder para impedir que uma pessoa entre no Brasil, mesmo que tenha obtido visto previamente, em algumas situações previstas na lei de Migração, de 2017.
Entre os motivos previstos no artigo 45 está a inclusão do nome "em lista de restrições por ordem judicial ou por compromisso assumido pelo Brasil perante organismo internacional".
Por isso, na visão de Velloso, a decisão da PF parece bem fundamentada. Apesar disso, ela vê espaço para questionamentos legais à decisão no caso de Abuumar ter sido incluído na lista americana sem uma ordem judicial.
"Em princípio, não me pareceu um ato arbitrário. O ato de repatriação é um ato discricionário da PF, e eles não se apresentaram como refugiados", ressaltou.
Fonte: correiobraziliense
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