23 de Novembro de 2024

Os reais motivos por que tubarões atacam humanos


A água cristalina que estava sob de Hannah Mighall, de 13 anos, escureceu por um momento.

Ela estava sentada na prancha de surfe, aproveitando o calor do sol enquanto aguardava, junto ao primo, a próxima onda na idílica Baía do Fogo, na Tasmânia.

Atrás deles, a praia de areia branca e brilhante estava praticamente deserta. Tudo ia bem até aquele momento.

A sombra repentina que apareceu debaixo d'água fez com que Mighall levantasse instintivamente os pés: bolas de algas se chocavam com frequência contra as rochas, ficando à deriva no mar.

"Elas são muito viscosas, odiava tocar nelas", explica.

Mas, então, algo se apoderou da sua perna.

"A princípio, não senti dor, era como se algo tivesse me pegado gentilmente e, quando vi, estava na água."

Para aqueles que testemunharam a cena, no entanto, não teve nada de "gentil".

A água ao redor de Mighall se agitou violentamente quando um tubarão-branco de cinco metros de comprimento enganchou na sua perna direita, a levantou da prancha de surfe e a sacudiu no ar antes de desaparecer debaixo d'água.

"Demorei alguns segundos para perceber que era um tubarão", conta.

"Quando voltei para a superfície, estava de costas, mas minha perna estava na boca dele. Só conseguia ver minha perna com a roupa de mergulho preta, seus dentes, as gengivas rosadas e a parte escura debaixo do nariz. Pensei que estava tendo um pesadelo e continuei tentando abrir os olhos."

O primo de Mighall, Syb Mundy, de 33 anos, estava sentado em sua própria prancha a poucos metros de distância. Ele nadou em direção a ela e começou a bater na lateral da cabeça do tubarão.

O animal se afastou e, quando submergiu, soltou Mighall, avançando na prancha de surfe, que ainda estava amarrada por uma corda à perna dela.

Com a prancha na boca, o tubarão arrastou Mighall debaixo d'água pela segunda vez. Momentos depois, apareceu novamente na superfície com a prancha mordida.

Mundy colocou a prima nas costas e remou freneticamente até a praia.

"O tubarão ficava nos rodeando debaixo d'água", conta Mighall.

"Então, veio uma onda e Syb disse: 'Temos que pegar essa onda, vai salvar nossas vidas.' Eu só conseguia bater na água porque estava aterrorizada, mas ele remou, e a onda nos levou para a praia."

"O tubarão fez o trajeto todo com a gente até a praia. Podíamos ver sua barbatana enquanto surfávamos a mesma onda."

Para sorte de Mighall, entre as poucas pessoas na praia que testemunharam o ocorrido, estavam um médico e uma enfermeira. Ela recebeu os primeiros socorros no local, enquanto aguardava a chegada de uma ambulância.

Mais de 10 anos depois, ele ainda tem cicatrizes profundas na perna que mostram o contorno da boca do tubarão, e sua perna direita é mais fraca que a esquerda.

Mighall foi uma das 83 pessoas em todo o mundo, no ano de 2009, atacadas por tubarões sem que os tivessem provocado. Uma estatística que tem se mantido estável na última década.

O número médio de ataques de tubarão sem provocação entre 2013-2017, por exemplo, foi de 84. Mas pesquisas recentes indicam que os ataques em algumas partes do mundo parecem estar aumentando.

No leste dos Estados Unidos e no sul da Austrália, os números de ataque de tubarões quase dobraram nos últimos 20 anos, enquanto o Havaí também registrou um aumento acentuado. Mas por quê?

"As mordidas de tubarão estão fortemente correlacionadas com o número de pessoas e a quantidade de tubarões na água ao mesmo tempo", diz Gavin Naylor, diretor do Programa de Pesquisa de Tubarões da Flórida, que mantém o Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões.

"Quanto mais tubarões e pessoas estiverem no mesmo lugar, maiores são as chances de se encontrarem."

Parece óbvio, mas os lugares onde os ataques estão ocorrendo podem dar algumas pistas sobre os motivos.

A alta densidade demográfica ao longo da costa sul da Austrália e na costa leste dos EUA indica que há um grande número de pessoas que gostam de tomar banho de mar nesses lugares.

No sul da Austrália, no entanto, o número de leões marinhos na área costeira também aumentou, e eles são a presa favorita dos tubarões-brancos na região.

Da mesma forma, as populações de focas de Cape Cod, na costa de Massachusetts, nos EUA, se restabeleceram nos últimos anos, em grande parte graças à proteção da Lei de Mamíferos Marinhos, criada em 1972.

Isso também levou a um aumento no número de tubarões-brancos na região, durante os meses quentes de verão, que chegam para se alimentar das focas que chegam às praias.

No ano passado, Massachusetts registrou seu primeiro ataque mortífero em 82 anos - enquanto a frequência de fechamento de praias por aparições de tubarões tem crescido.

Não há evidências, no entanto, de que os tubarões estejam ativamente caçando humanos, de acordo com os cientistas.

Os tubarões-brancos no Atlântico Norte, por exemplo, apresentam padrões sazonais de deslocamento, migrando milhares de quilômetros até águas mais quentes ao sul durante o inverno.

Alguns tubarões adultos se aventuram no mar aberto ao longo de meses, percorrendo milhares de quilômetros e mergulhando a profundidades de até mil metros em busca de presas.

"Somos como pequenas salsichas indefesas flutuando na água", diz Naylor.

Mas apesar de sermos uma refeição fácil, os tubarões não estão de fato interessados em caçar humanos.

"Eles geralmente ignoram as pessoas. Acho que se as pessoas soubessem a frequência com que estão na água com tubarões, provavelmente ficariam surpresas."

No entanto, Naylor acredita que as estatísticas oficiais sobre ataques de tubarão são provavelmente subestimadas.

A maioria das notificações vem de países desenvolvidos com populações grandes e meios de comunicação bastante ativos.

Os ataques em ilhas remotas ou comunidades menos desenvolvidas provavelmente não são reportados.

Uma análise mais aprofundada das estatísticas sobre ataques de tubarões pode revelar algumas tendências fascinantes. Em 2022, ocorreram 57 ataques não provocados confirmados, abaixo da média recente de cinco anos, que é de 70 incidentes anuais, sendo esse o nível mais baixo em 10 anos.

Cinco desses ataques em 2022 foram fatais, de acordo com o Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões. Outro banco de dados, o Global Shark Attack File, registrou 10 mortes no mesmo ano. Em 2023, o Global Shark Attack File registrou 13 mortes por ataques não provocados, comparado com as 10 mortes registradas pelo Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões. Nos primeiros três meses de 2024, o Arquivo Global de Ataques de Tubarões registrou oito ataques não provocados, incluindo dois no Havaí.

Em 24 de junho de 2024, foi confirmado que o surfista profissional e ator Tamayo Perry, que atuou em "Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas", "Lost" e "Hawaii Five-0", morreu após ser atacado por um tubarão no Havaí. Perry também era salva-vidas na ilha de North Shore, em Oahu, e estava surfando na costa perto de Laie quando o ataque aconteceu.

Embora as mordidas de tubarão no Havaí variem de ano para ano, houve um pequeno aumento no número médio de ataques em 2023, com oito incidentes, incluindo um fatal. O Arquivo Internacional de Ataques de Tubarões afirmou que monitorará de perto as estatísticas no Havaí em busca de sinais que possam indicar mudanças nos encontros humanos com tubarões.

Há dezenas de espécies diferentes responsáveis pelos ataques, cada uma com seu próprio comportamento, estratégias de caça, presas e habitat preferido, mas em muitos casos, as espécies podem ser erroneamente identificadas ou simplesmente não-identificadas.

A maioria dos ataques a humanos em que a espécie é identificada inclui três autores principais: os tubarões-brancos, tigre e touro (também conhecido como tubarão-de-cabeça-chata).

No entanto, os tubarões-brancos, espécie demonizada após o lançamento do filme Tubarão, não são apenas uma espécie diferente, mas pertencem a uma categoria taxonômica completamente distinta das outras duas.

Em 2023, foram observados 16 casos de mordidas de tubarão nos Estados Unidos, representando 44% do total de casos no país e 23% de todas as mordidas não provocadas no mundo. A tendência global, quando analisada por década, mostra um número crescente de ataques, segundo dados do International Shark Attack File. De acordo com Naylor, esse aumento pode refletir o crescimento da população em áreas costeiras habitadas por tubarões e o maior número de relatos devido às redes sociais e às notícias online.

Nos últimos anos, o número de mordidas não provocadas de tubarões variou consideravelmente e, até recentemente, parecia estar em declínio. Em 2020, foram registrados 57 ataques não provocados em todo o mundo e, em 2021, 73. Em 2015, esse número era de 98.

O recente aumento nos ataques contraria a tendência geral dos últimos 10 anos, atribuída a um declínio acentuado no número de tubarões de pontas pretas. Esses tubarões, responsáveis por muitas das mordidas no sudeste dos EUA, migram pela costa da Flórida devido ao aumento da temperatura do mar, que dispersou suas presas.

Essas estatísticas destacam um dos principais desafios para compreender por que os tubarões mordem os humanos. Existem dezenas de espécies diferentes responsáveis pelas mordidas, cada uma com seu comportamento único, estratégias de caça, presas e habitat preferido – embora, em muitos casos, as espécies possam ser mal identificadas ou nem sequer identificadas.

A maioria dos ataques não provocados a humanos onde uma espécie é identificada envolve três grandes culpados: os grandes tubarões-brancos, tubarões-tigre e tubarões-touro.

No entanto, os grandes tubarões-brancos – a espécie retratada no filme "Tubarão" e demonizada por Hollywood desde então – não são apenas uma espécie distinta, mas pertencem a uma ordem taxonômica completamente diferente das outras duas.

"Há 350 espécies de tubarões diferentes e muita diversidade. Você não pode simplesmente agrupá-las", diz Blake Chapman, biólogo marinho que estudou sistemas sensoriais de tubarões e escreveu recentemente um livro sobre ataques de tubarão a humanos.

Os tubarões-touro, por exemplo, tendem a caçar em águas rasas e turvas, onde dependem menos da visão e mais do olfato e da eletrorrecepção, que permite detectar minúsculos campos elétricos produzidos por suas presas.

"Os tubarões-brancos, que costumam caçar em águas muito claras, usam a visão muito mais, e sua visão é muito melhor", diz Chapman.

Ele acredita que pode haver um conjunto complexo de razões pelas quais os ataques a humanos parecem ter aumentado nas últimas décadas.

Além do aumento da densidade demográfica ao longo das costas, a destruição do habitat natural das espécies, a alteração na qualidade da água, a mudança climática e as variações na distribuição das presas estão levando os tubarões a se concentrarem mais em certos pontos críticos ao redor do planeta.

Em 1992, por exemplo, houve uma série repentina de ataques de tubarão na costa da capital de Pernambuco, Recife, região que não havia registrado ataques sem provocação prévia ao longo da década anterior.

Chapman acredita que a construção de um porto comercial na região danificou grandes áreas de arrecifes e manguezais, deslocando possivelmente espécies como os tubarões-touro, que se mudaram para novas áreas, como Recife, em busca de presas.

Skomal e seus colegas estão usando agora novos dispositivos identificadores de alta resolução que podem fornecer aos pesquisadores dados minuto a minuto e segundo a segundo sobre o que os tubarões estão fazendo.

A expectativa é que isso ajude a responder questões sobre o comportamento desses animais, assim como onde e como eles se reproduzem.

Em última análise, também poderiam ajudar a dizer algo sobre as razões dos ataques a humanos.

Alguns pesquisadores estão recorrendo a métodos forenses para tentar desvendar os motivos por trás dos ataques, desenvolvendo técnicas para usar DNA e padrões de marcas de mordida para identificar as espécies.

Outros estão examinando vídeos de ataques e comparando com as lesões para entender melhor o que aconteceu.

Mas, independentemente das razões para os ataques a humanos, os riscos ainda são muito pequenos.

Na Austrália, a incidência de ataques de tubarão é da ordem de 0,5 por milhão de pessoas, enquanto nos EUA são menos de 0,2 ataques por milhão de pessoas.

Em 2018, as ocorrências caíram para cerca de 0,08 ataques por milhão de pessoas nos EUA, enquanto na Austrália aumentaram para 0,8 ataques por milhão de pessoas.

Esses dados não levam em conta comparativamente o número muito menor de pessoas que realmente mergulham no mar, e o número ainda menor de pessoas nadando em águas habitadas por tubarões perigosos.

Essas estatísticas, por mais ínfimas ou reconfortantes que pareçam, não ajudam muito a diminuir nosso medo de tubarões.

Mas para aqueles que estão com medo e querem saber como se proteger de um tubarão, alguns aconselham golpear os animais nas guelras ou nos olhos quando estiver mordendo alguém.

Nadar em grupos e ficar perto da costa são algumas dicas para reduzir o risco de ataques. Usar roupas escuras e evitar joias também pode ajudar a diminuir a chance de atrair a atenção de um tubarão.

Leia a versão original desta reportagem (em inglês) no site BBC Future.

Fonte: correiobraziliense

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