22 de Novembro de 2024

Cientistas descobrem mecanismo que enfraquecem superbactérias


Bactérias resistentes a antibióticos são mestras em criar estratégias para não serem eliminadas pelos remédios. Uma delas é a Pseudomonas aeruginosa, naturalmente presente no solo e na água, mas comum em ambientes hospitalares. Diversas cepas de P. aeruginosa encontradas em hospitais são imunes à maioria dos antibióticos existentes. Pensando nisso, uma equipe de pesquisadores da Universidade do Sul da Dinamarca descobriu uma fraqueza no microrganismo, que poderá se tornar um alvo para combatê-la. A pesquisa foi detalhada, na revista Microbiology Spectrum.

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Os cientistas identificaram um mecanismo que reduz a formação de biofilme na superfície da bactéria. Esse material pegajoso e viscoso que cobre o microrganismo é utilizado como forma de proteção contra antibióticos. "Esse biofilme pode ser tão espesso e pegajoso que o antibiótico não consegue penetrar na superfície da célula e atingir seu alvo dentro dela", afirmou, em nota, Clare Kirkpatrick, chefe de pesquisa do Departamento de Bioquímica e Biologia Molecular e líder do estudo. "Talvez um dia possamos estimular farmacologicamente esse mecanismo para reduzir o desenvolvimento de biofilme na superfície de P. aeruginosa", frisou a cientista.

Para o estudo, os pesquisadores investigaram a fundo três genes recém-descobertos em uma cepa de P. aeruginosa, cultivada em laboratório. Quando esses genes foram superexpressos, houve uma grande redução do biofilme.

Conforme a equipe, o sistema afetado pelos genes é parte do genoma central da P. aeruginosa, o que significa que ele é e encontrado em todas as cepas da bactéria sequenciadas até agora.

"Sendo parte do genoma central da P.aeruginosa, esse sistema foi encontrado em todas as cepas investigadas, incluindo uma grande variedade isolada em alguns pacientes. Então, há razão para acreditar que a redução do biofilme por meio desse sistema deve ser eficaz em todas as cepas conhecidas de P. aeruginosa", disse Kirkpatrick.

Segundo Moacyr Silva, infectologista do Hospital Israelita Albert Einstein, as Pseudomonas são uma das principais bactérias causadoras de infecções relacionadas à assistência à saúde no mundo, inclusive no Brasil. "Ela tem uma alta endemicidade no país, é uma bactéria com predileção por UTI porque tem muitos ventiladores mecânicos, é aquática e tem essa preferência por água de ventilador mecânico. Pensar em formas de enfraquecer bactérias é sempre bem-vindo. A gente usa antibiótico que destrói a bactéria, no caso desse estudo seria outra forma de enfraquecer o microrganismo. Isso vai ajudar muito a humanidade."

Cada cepa das bactérias pode evoluir de maneira individual e sofrer mutações rápidas e constantes quando estão sob pressão. Não é raro que pacientes infectados por P. aeruginosa respondam bem ao início do tratamento com antibióticos, mas depois enfrentem a resistência desenvolvida pelo microrganismo. As cepas sofrem mutação, mas seu genoma central comum não muda.

Stefan Cunha Ujvari, infectologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, frisa que para tratar Pseudomonas é preciso acertar o antibiótico no início. "A nossa dificuldade muitas vezes é escolher um antibiótico que destrua aquela bactéria, jogamos com probabilidades. Quanto mais resistência bacteriana, maior a chance de errar o antibiótico. Bactérias como essa produzem substâncias que destroem o remédio. Então a nossa estratégia é administrar alguns antibióticos junto a outras drogas, que vão inativar aquela substância que a bactéria produz para destruir o medicamento principal."

Durante os experimentos, os cientistas ativaram o sistema de redução de biofilme por meio da superexpressão de genes. No entanto, eles também descobriram que o sistema é naturalmente estimulado pelo estresse da parede celular. "Portanto, se estressamos a parede celular, isso pode levar naturalmente a uma redução do biofilme, facilitando a penetração do antibiótico na parede celular. Atualmente, medicamentos direcionados à parede celular não são amplamente utilizados contra P. aeruginosa, mas talvez possam começar a ser usados como aditivos para reduzir a produção de biofilme e melhorar o acesso dos antibióticos existentes às células, detalhou Kirkpatrick.

A patologista clínica do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein e membro da Sociedade Brasileira de Patologia Clínica e Medicina Laboratorial (SBPC/ML), Maria Maluf, reforça que a resistência bacteriana aos antimicrobianos é um problema crescente de saúde pública. "O uso indiscriminado de antibióticos contribui para o surgimento de novos mecanismos de resistência, que ao se disseminarem, ameaçam a capacidade médica de tratar as doenças infecciosas. Quanto mais resistência, menos opções terapêuticas restam para combater essas infecções, que possuem altas taxas de mortalidade. Dessa forma, novas descobertas para auxiliar o tratamento dessas infecções multirresistentes serão sempre muito importantes e úteis."

André Bon, infectologista do Hospital Brasília, diz que, pela quantidade de possibilidades de mecanismos de resistência, é fundamental investir no desenvolvimento de novas drogas. "Aquelas que atuem especificamente em mecanismos de resistência identificados nas Pseudomonas e outros não-fermentadores, o que vai ampliar as opções terapêuticas e evitar a mortalidade e morbidade dos pacientes internados nos hospitais."

"Contornar a resistência bacteriana é um problema de saúde pública mundial. Organismos nacionais e internacionais chamam atenção ao problema que está crescendo muito nos últimos anos, principalmente pela pressão seletiva do uso inadequado de antimicrobianos. Quanto mais a gente usa, maior é o desenvolvimento da resistência. Existe a necessidade de implementação de programas de controle de antimicrobianos, não só em humanos mas também na veterinária e na agricultura, para que a gente possa mitigar esse problema."

Thaís Guimarães, infectologista e coordenadora da Comissão de Controle de Infecção Hospitalar do Hospital do Servidor Público Estadual (HSPE) e diretora da Sociedade Paulista de Infectologia (SPI).

"Pesquisas recentes descobriram que o estresse na parede celular faz com que a produção de biofilme seja reduzida, é possível que, usando drogas que atinjam a parede celular da bactéria, a produção de biofilme seja reduzida. Assim os antibióticos podem agir e matar bactérias como a P. aeruginosa. De acordo com a Organização Mundial da Saúde, a resistência antimicrobiana ameaça a prevenção e o tratamento eficazes de uma gama crescente de infecções causadas por bactérias, parasitas, vírus e fungos. Sem antibióticos eficazes, o sucesso das grandes cirurgias e da quimioterapia contra o câncer ficaria comprometido. O custo dos cuidados de saúde para pacientes com infecções resistentes é mais elevado."

Silvia Fonseca, infectologista, pediatra e professora universitária do grupo Ydqus (IDOMED)

 

Fonte: correiobraziliense

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