Em 30 de junho de 1994, mais de 940 milhões de cédulas e 688 milhões de moedas foram distribuídas no Brasil, de acordo com as informações do Banco Central. Depois de mais de um ano de transição, finalmente, o brasileiro podia segurar no dinheiro real.
O fim de 1994 ainda enfrentou a inflação de 916% no acumulado de 12 meses, mas o controle econômico acompanhou os próximos anos e, já em 1995, o percentual era de 22%. Somente quem viveu a inflação desenfreada no Brasil pode perceber a diferença.
Durante a transição do Cruzeiro Real para o Real, foi lançada a Unidade Real de Valor (URV), uma moeda contábil que pavimentou o caminho para a introdução do real, moeda que permanece até hoje. Esse processo transformou a alta inflação, mais de 80% ao mês, que atormentava a vida dos brasileiros em uma lembrança do passado. As gerações nascidas após o início da estabilidade econômica não conseguem imaginar como era viver em um país com hiperinflação.
Em 1992, a recém-casada Silvana Oliveira, 48 anos, recorda que, mesmo no final do período crítico da hiperinflação, o cenário era 'caótico' para um jovem casal. "Quando casei, em meados de 92, senti drasticamente o cenário caótico que o Brasil atravessava. Todo o mês, os preços subiam e era uma luta constante para ajustar o orçamento familiar. O cenário por si só me tirava um pouco da esperança que tinha no Brasil: eu e meu ex-marido, dois jovens começando a vida, com sonhos que pareciam muito difíceis de concretizar".
Oliveira lembra, no entanto, que a chegada de 1994 trouxe um alívio para vida dos brasileiros que começaram a ter esperança na nova moeda. "Quando o Plano Real foi lançado, parecia que um milagre tinha acontecido. A inflação estava fora de controle e, de repente, com a nova moeda, tudo começou a estabilizar", recorda.
Durante o governo do ex-presidente Fernando Collor, o Brasil enfrentou um dos momentos mais traumáticos de sua história econômica, quando em 1990, o presidente confiscou poupanças e bloqueou contas bancárias como parte de um plano para conter a hiperinflação. Esse confisco repentino deixou milhões de brasileiros sem acesso ao seu próprio dinheiro, ou forçando as vítimas do golpe a negociar metade do valor de volta, agravando a crise financeira e semeando desconfiança no sistema bancário, enquanto o país já lutava contra preços que subiam diariamente e uma economia em colapso.
O empresário Edimar Mothe, 65, relembra o impacto da medida, que marcou sua vida pessoal e profissional. "Eu me lembro de assistir à notícia na televisão praticamente hipnotizado, e fiquei assim durante uns dois dias. Eu me lembro, com exatidão, de ouvir aquilo sem saber o que fazer. Eu tinha contas para pagar e, de todo o dinheiro que nós tínhamos no banco, para as empresas, suprir compromissos, folha de pagamento, aluguel, fornecedores, sobraram 50 mil. Aquilo impactou muito. Foi uma loucura. Eu procurava entender aquele Plano Collor".
Para Edimar, o confisco foi um golpe quase fatal. "O governo, com o tempo, foi criando a condição de poder pagar impostos com o dinheiro que foi congelado. Se você tinha dinheiro no banco, perdia cerca de 20% a 30%. As empresas que tinham impostos para pagar, pagavam 70% e ficavam com o crédito, o dinheiro congelado, para pagar impostos. Todo mundo perdeu, na melhor das hipóteses, uns 30% do seu capital. Isso para quem conseguiu descongelar, pois muita gente não conseguiu", conta.
O então bancário, Nicolas Bonvakiades, 56, relembra como os bancos eram sempre cheios de pessoas tentando pagar as contas sem os juros. Hoje assessor de imprensa, ele conta que viveu a hiperinflação de duas formas. "Pelo fato de ser bancário, eu via a agonia das pessoas que não conseguiam pagar os juros enormes do cheque especial, enquanto eu também passava por uma situação semelhante".
O assessor recorda que viveu uma situação "inusitada" durante os congelamentos no governo Collor, mas que o tirou de um débito grande. "Eu tinha uma dívida de cheque especial e, de repente, para liberar dinheiro, começou a poder fazer a transferência da dívida para quem teve as contas congeladas. Você vendia a dívida para quem queria descongelar o dinheiro e a sua dívida era paga por essa pessoa. Uma coisa completamente absurda".
Entre aqueles que se moldaram ao sistema da época, está o fotógrafo Jorge de Medeiros, 64, que viveu o começo de sua carreira profissional em um país onde os preços mudavam diariamente. "Viver em um país com hiperinflação foi muito desagradável. Principalmente para os mais pobres. Não tinha certeza se o que ganhavam era o suficiente para bancar as despesas". Para ele, que trabalhava como autônomo, a situação era ainda mais complicada. "Eu não era assalariado, já que vivia como autônomo fotografando. Por isso, os serviços que eu pegava vinham com valores atualizados de acordo com a inflação. Eu ia corrigindo. A inflação gerou muita insegurança para a população".
O comerciante Cláudio Damaceno, 51, viveu dificuldades antes da estabilização econômica trazida pelo Plano Real, que forçava os trabalhadores a lidarem com dinheiro em espécie, mas não possibilitava comprar o básico. "Cartão de crédito era só para a burguesia. Naquela época, andávamos com um salário mínimo dentro da carteira. Recebia do patrão o dinheiro em espécie e já saia com a carteira recheada na rua. Quando chegava no mercado, o pagamento ficava lá", recordou.
"Comprávamos o básico, por exemplo, um kg de carne levava 1/3 do salário. As coisas eram mais difíceis, o preço não nos deixava ter. Carne era só uma vez por semana. O pobre comia ovos", contou. A hiperinflação reduzia drasticamente o poder de compra e limitava o acesso a alimentos, obrigando famílias a adotarem dietas restritas.
Houve um processo de adaptação à nova moeda e a estabilização dos preços. "Os primeiros anos do real foram complicados. As coisas começaram a melhorar depois de uns sete anos", disse Cláudio.
O contador Adão Passos, 60, relembra os tempos difíceis da hiperinflação no Brasil, quando os preços subiam várias vezes ao dia, tornando o planejamento financeiro impossível e obrigando os brasileiros a correrem para estocar alimentos. Com a moeda desvalorizada e produtos básicos desaparecendo das prateleiras, os brasileiros transformavam seus salários em alimentos para o mês inteiro.
"O salário era corroído diariamente na compra de produtos e serviços. Os preços eram remarcados de manhã, de tarde e de noite. Não era possível um planejamento familiar, nem tampouco financeiro. Era muito curioso você ir ao supermercado correndo nas prateleiras para pegar o produto com o preço do início da manhã, pois já tinha o cara com a maquininha fazendo a remarcação dos preços. Estocar comida era necessário", comenta, lembrando que a renda do brasileiro não era capaz de proporcionar compras no dia a dia. Ele recorda ainda que até produtos faltavam nos supermercados. "Nossa moeda não tinha nenhum valor", completa.
A introdução do Plano Real se tornou um ponto de virada na economia. Permitindo que os brasileiros finalmente se libertassem da constante alta de preços. "Possibilitou fazer planejamento financeiro e familiar. Acabou a correria no supermercado para comprar produtos sem alterar o preço do dia para a noite. Acabou a necessidade de estocar comida. O salário passou a ter poder de compra. Nada de comprar comida para o mês todo. O preço estabilizou. Na época, eu nem sonhava em ter um carro, uma casa ou, até mesmo, acesso a produtos e serviços de lazer. Hoje, reservando uma quantia por mês, tenho acesso a todas as opções que eu quero", concluiu o contador.
Para a professora de idiomas, Gianna Xavier, 66, o drama era o mesmo. Mãe de três crianças pequenas na época, a professora conta que precisava levar cheque para todas as lojas porque não sabia quanto ia gastar no dia. "A gente andava com cheque para absolutamente tudo, para ir na padaria tinha que ser com cheque. Não sabia quanto de dinheiro tinha que levar, um dia era um saquinho, no outro já eram dois saquinhos. A gente chamava de 'pataca' a moeda da época, porque vivia mudando".
Xavier lembra que a família não podia se dar ao luxo de comprar algumas marcas, já que a ida ao mercado era sempre uma surpresa dos valores. "Quando recebia o salário, a gente corria para o supermercado para fazer estoque, muito leite em caixinha e em pó, mas tudo que pudesse estocar, a gente estocava. Os produtos eram sempre de marca branca que eram um pouco mais barato".
Para a geração que nasceu no período do real, alguns hábitos podem parecer desnecessários, mas muito comuns para os familiares mais velhos. O gerente de projetos e estudante de economia, Paulo Zhara, de 27 anos, conta que quando criança os pais e os avós sempre faziam compras de mês. "Aquelas compras muito grandes no supermercado, com vários pacotes de arroz, de feijão, muitos produtos enlatados eram muito comuns na minha família".
Mesmo depois de 30 anos do Plano Real, Paulo diz que a hiperinflação não o assusta, mas questiona a forma como os governos vêm lidando com as crises econômicas. "Se for parar para pensar, o Brasil não mudou tanto a maneira de fazer política e de fazer políticas econômicas. Ainda é muito baseada no controle da inflação por meio da determinação da taxa de juros. Eu vejo que esse cenário da hiperinflação pode acontecer no médio ao longo prazo".
*Estagiárias sob a supervisão de Edla Lula
Utilizamos cookies próprios e de terceiros para o correto funcionamento e visualização do site pelo utilizador, bem como para a recolha de estatísticas sobre a sua utilização.