22 de Novembro de 2024

30 anos do Plano Real: Política fiscal é um buraco sem fundo


As projeções não negam que a perna fiscal do tripé macroeconômico, criado em 1999 para dar sustentabilidade ao Plano Real, segue manca e sem um sinal claro de melhoria. Pelos cálculos atualizados da Instituição Fiscal Independente (IFI), o governo federal não conseguirá entregar superavit primário até 2034, último ano das projeções da entidade, ligada ao Senado Federal. Segundo o economista Alexandre Andrade, diretor da IFI, a indexação dos benefícios previdenciários ao salário mínimo e a falta de um limite para aumento de despesas de Saúde e de Educação vinculadas à receita podem fazer a despesa obrigatória chegar a 100% da receita até 2027.

“Esse foi um exercício que fizemos para mostrar o que acontece com a regra fiscal, dada essa atual trajetória de crescimento das despesas. Se nada for feito, então, claro, tudo depende de outros parâmetros, entre os quais o crescimento da economia e o cenário de arrecadação”, explica. “A nova meta fiscal já estava comprometida mesmo antes da mudança, porque a nova regra é muito difícil de ficar em pé”, frisa.

Pelas estimativas da IFI, a dívida pública bruta continuará crescendo e chegará a 100% do PIB, em 2028, no cenário pessimista, e, em 2034, no cenário base, conforme mostra o quadro ao lado. “A trajetória do resultado primário piorou devido ao aumento das despesas. Atualizamos alguns parâmetros também, e por isso, a previsão para as contas públicas piorou. Antes, na última revisão, a dívida começava a estabilizar, mas, agora, não vemos essa possibilidade. No cenário base, por exemplo, o governo não conseguirá entregar superavit primário até 2034”, alerta o economista da IFI.

Desequilíbrio

De acordo com Andrade, os números atuais comprovam o maior desequilíbrio na perna fiscal do tripé macroeconômico, porque a nova regra fiscal está fundamentada em cima do crescimento da arrecadação, mas o governo não conseguirá aumentar tributos para ampliar a receita. “Basta ver essa última medida provisória que foi devolvida e que compensaria a desoneração. Portanto, fica mais difícil para o governo equilibrar as contas públicas, porque existe uma resistência em aumento de tributo por parte da sociedade, mas também há uma vontade política de aumentar a despesa”, alerta.

E, como o dólar andou subindo mais nos últimos dias, ficando em torno de R$ 5,50, o que pressiona a inflação, aumenta o risco de o cenário pessimista ser mais factível do que o cenário base, reconhece Andrade. “Ainda não sabemos qual vai ser o nível em que esse câmbio vai se estabilizar. Mas se o dólar se mantiver nesse nível mais alto por algum tempo, isso vai bater na inflação, e, aí, o nosso cenário também ficará defasado”, explica.

Apesar da recente desvalorização do real frente ao dólar e das mudanças na meta de inflação, Sergio Vale, economistachefe da MB Associados acredita que o câmbio flutuante e o sistema de metas de inflação seguem firmes. “Acho que a mentalidade hoje de não intervir na taxa de câmbio ou intervir em situações muito esporádicas para diminuir volatilidade, está entranhado e virou uma constante ao longo dos últimos anos. Já a questão da meta de inflação também tem tido aperfeiçoamentos nos últimos anos, especialmente, e finalmente a gente chegar a uma meta de 3% e ter um horizonte imóvel agora”, destaca.

“O quadro fiscal teve saldos positivos ao longo dos 30 anos do plano real, mas foram momentos duradouros. Sempre vimos, em vários momentos, interferências políticas que desmontaram o cenário fiscal positivo. Isso ocorreu a partir do segundo mandato do Lula e, depois, no governo Dilma inteiro, a gente teve no final do governo Bolsonaro. E agora de novo acontecendo no governo Lula”, explica. “Portanto, temos um tripé manco, de fato, porque a perna fiscal não consegue ajudar na política econômica como deveria. E a consequência disso é que a meta de inflação fica sempre mais difícil de ser atingida e a taxa de câmbio também acaba ficando mais volátil e pressionada”, alerta. “Dos três elementos do tripé, o mais importante de todos, que é o fiscal, a gente ainda não conseguiu encaminhar de uma forma condizente. E eu tenho a impressão de que, nesses próximos anos, isso também não vai acontecer. Espera-se, talvez, em 2027, em um novo governo e, quem sabe, o país consiga encaminhar isso de uma forma mais adequada”, acrescenta.

Rombo previdenciário

O rombo da Previdência Social, que somou R$ 153,3 bilhões de janeiro a maio deste ano, disparou, em termos reais (descontada a inflação) quase 30% em comparação ao mesmo período de 2023, enquanto a receita líquida e as despesas cresceram, respectivamente, 9% e 13%, na mesma base de comparação. Esse impulso tem como um dos fatores, o ganho real do salário mínimo, que é utilizado como indexador das pensões e aposentadorias pagas pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

Nova reforma

Na avaliação do diretor da IFI, por conta desse descompasso, será preciso fazer uma nova reforma da Previdência em breve, além de uma completa revisão de despesas. “Não adianta o governo só querer cortar desperdício e não rever alguns benefícios. Será preciso fazer uma reavaliação completa do Orçamento. Essas medidas anunciadas pelo Ministério do Planejamento e Orçamento, com a mudança da meta, têm impacto muito pequeno”, explica. “Depois de 30 anos, esse problema fiscal continua existindo, porque é difícil de equacionar e não está sendo enfrentado como deveria”, frisa Andrade.

Na avaliação de Gabriel Leal de Barros, economista-chefe da ARX Investimentos, apesar dos notáveis avanços ao longo dos 30 anos, o Plano Real ainda segue incompleto, em grande medida, devido à instabilidade fiscal. “Esse é um desafio que não foi endereçado até os dias de hoje. O novo arcabouço fiscal, por exemplo, que substituiu o antigo teto de gastos não resolveu a questão. E, na realidade, agudizou a matemática em razão do retorno das vinculações e indexações dos gastos com saúde e educação à arrecadação”, afirma.

De acordo com Barros, a inovação do novo regime fiscal ter um piso para os investimentos públicos, “adicional ao efeito colateral negativo do retorno da política de valorização do salário mínimo, que produz um aumento automático e inercial da despesa, também contribuíram para manter a matemática fiscal desfavorável”. “O governo está contratando um avanço mínimo do gasto de 2% ao ano, ou seja, o arcabouço criou um piso para os gastos e, na tentativa de reduzir o deficit, há uma corrida para medidas pelo lado da receita como forma de fechar a conta. A estratégia tem limites, tanto do ponto de vista político, que dá sinais de fadiga, quanto do ponto de vista econômico, em razão do efeito inflacionário e sobre as empresas e o ambiente de negócios. Não há atalhos e, sem atacar de forma efetiva o lado da despesa, haverá uma crise de confiança sobre a condução da política econômica travada pela percepção de risco sobre a evolução das contas públicas, com efeitos negativos sobre a curva de juros, câmbio e inflação”, explica.

Por mais que a política monetária tenha potência e seja capaz de fazer preço no curto prazo, a trajetória de médio prazo é determinada pela política fiscal, ressalta Barros. “Sem um plano de consolidação fiscal sólido e crível, a estabilização econômica seguirá incompleta”, frisa.

Barros ainda reforça que a recente desvalorização do real frente ao dólar foi um efeito colateral dessa piora do quadro fiscal. Na avaliação de Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central e um dos pais do Plano Real, o momento agora, as críticas do presidente Lula ao Banco Central são desnecessárias e só contribuem para piorar o quadro. “Com o Banco Central independente, agora, o presidente da República não pode demitir o presidente do BC, e, na verdade, o chefe do Executivo fica livre para criticar publicamente a política monetária. O que é uma perda de tempo, sabe. Em outros países que têm esse mesmo tipo de arranjo, os presidentes se controlam porque não há ganho absolutamente nenhum”, afirma o sócio-fundador da Rio Bravo Investimentos.

Ajuste duro

De acordo com os analistas, como o presidente Lula sabe que essa bomba fiscal vai estourar a qualquer momento, ele vem buscando encontrar um culpado para esse quadro nada animador e que fará com que o país continue crescendo pouco mesmo com os estímulos fiscais recentes do governo: o Banco Central.

O economista José Ronaldo de Castro Souza Jr, professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec), Souza Jr., ressalta que não adianta criticar a política monetária, porque não é ela que promove o crescimento. “A política monetária bem feita é a base de estabilidade da economia, que é uma condição necessária para o país crescer. Mas a política monetária, em si, não tem o objetivo de fazer o país crescer. Ela pode ajudar em política contracíclica de curto prazo, mas a política monetária, efeito de longo prazo dela, é ajudar a manter o país estável para ter condições de crescimento, mas não promover crescimento”, explica.

Impasse

Souza Jr. destaca ainda que o grande desafio do governo será o ajuste fiscal daqui para frente. “O país tem uma série de questões que são difíceis politicamente. Todo governo se depara e fica assustado com os valores, mas aumentou muito ali no governo Dilma, principalmente, houve um aumento muito grande. Depois a gente não conseguiu conter mais. Essa é a questão, a eficiência é um negócio e para você fazer esse tipo de ajuste, você vai desagradar alguns. E os beneficiados, que são a população em geral, são dispersos, não são um grupo organizado, porque é a sociedade em geral, então são pautas difíceis de se tocar”, frisa Souza Jr.

“É difícil cortar gastos. É muito complicado, porque sempre vai ter alguém afetado. E como eu falei, o beneficiário não tem voz, porque é o povo geral”, acrescenta. Ele lembra que o governo tem tecnologia para fazer avaliação de políticas públicas, mas isso não tem resultado em decisões de corte de políticas públicas ineficientes. “Então, aí tem um problema. Porque, por exemplo, o abono salarial é eficiente? Não. E ele é cortado? Não. Então, eu só estou dando um exemplo”, afirma.

De acordo com o ex-presidente do Banco Central, Gustavo Franco, o país vive um momento de esgotamento de ilusões quanto à ideia de que é possível equilibrar as contas facilmente. Não é. “Outro dia, eu vi que levaram ao presidente a lista de renúncias fiscais tal como a Receita Federal as concebe e aí, apareceu um número absurdo. Eles dizem que, por exemplo, existe uma renúncia fiscal pelo fato de que o imposto das grandes fortunas não é aplicado e põe lá um número totalmente fantasioso sobre quanto seria factível captar”, destaca um dos pais do Plano Real.

Na avaliação de Franco é “fantasioso” dizer que o Simples é uma renúncia fiscal, porque, “na essência, se você fosse aplicar às empresas do Simples, as disposições tributárias do complicado, do sistema tributário comum, a maior parte dessas empresas não ia existir”. “Então, não existe renúncia fiscal. Tem é um o extermínio de empresas se remover essa legislação dessas empresas”, frisa Franco, que faz um alerta de que e será inevitável a revisão das despesas obrigatórias.

 

Fonte: correiobraziliense

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