Derretimento de calotas polares, elevação do nível do mar, calor excessivo, aumento na ocorrência de desastres naturais… Agora, a alteração na rotação da Terra soma-se à extensa lista de anomalias associadas às mudanças climáticas. Em dois estudos publicados nesta segunda-feira (15/7) nas revistas Nature Geoscience e Pnas, cientistas descrevem como os atuais padrões de temperatura e precipitação literalmente tiraram o planeta do eixo, com implicações para a duração dos dias.
Com o avanço do derretimento nos dois polos da Terra — Groenlândia e Antártida —, a água antes congelada agora se espalham pelos oceanos, em especial, na região equatorial. Assim, há uma mudança na distribuição da massa do planeta, o que afeta a rotação. Benedikt Soja, autor do estudo da Pnas e professor de geodésia espacial do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, compara com a pirueta de uma patinadora: "Primeiro, ela mantém os braços próximos ao corpo e, depois, os estica".
Quando as massas de gelo são mantidas congeladas nos pólos — o exemplo da patinadora, com os braços junto ao corpo —, a rotação da Terra é rápida. Porém, à medida que a água do degelo se afasta do eixo, o movimento fica mais lento. O mesmo ocorre quando a atleta estica os membros superiores, enquanto gira.
Física
Trata-se de uma lei da física, a de conservação do momento angular: quanto mais próxima do eixo de rotação está a massa, menor é a inércia e, assim, o corpo ganha mais velocidade angular. Como esse preceito também rege o planeta, o fato de a água degelada dos polos migrar para outros pontos da Terra faz com que ela se movimente mais lentamente. Assim, mesmo que de forma quase imperceptível, pode-se dizer que as mudanças climáticas alternam a duração dos dias — por enquanto, em milissegundos, conforme os pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
A rotação mais lenta também impacta o atrito das marés, um fenômeno desencadeado pela Lua. Os estudos mostram que, no ritmo atual das emissões de gases de efeito estufa, as mudanças climáticas influenciarão mais o evento do que o próprio satélite natural que, durante oito bilhões de anos, definiu a duração dos dias. "Nós, humanos, temos um impacto maior no nosso planeta do que imaginamos, e isso naturalmente coloca sobre nós uma grande responsabilidade pelo futuro do planeta", diz Soja.
Além da duração dos dias, as mudanças na massa que circula na superfície e no interior da Terra alteram o eixo de rotação. No artigo publicado na revista Nature Geoscience, os cientistas afirmam que o deslocamento pode chegar a 10m em cada 100 anos. Além do derretimento do gelo na Antártida e na Groenlândia, o fenômeno observado se relaciona com os movimentos nas profundezas do manto terrestre.
Modelo
No interior do planeta, a rocha torna-se viscosa, devido à alta pressão, causando deslocamentos de massa por longos períodos. A influência também é dos fluxos de calor do metal liquefeito do núcleo externo, responsáveis por gerar o campo magnético e causar mudanças na quantidade de matéria dentro da Terra.
A equipe de Benedikt Soja fez um modelo mostrando como o movimento polar está associado aos processos individuais no núcleo e no manto da Terra, assim como no clima da superfície. "Pela primeira vez, apresentamos uma explicação completa para as causas do movimento polar de longo período", diz, em nota, Mostafa Kiani Shahvandi, um dos estudantes de doutorado de Soja e principal autor do estudo da Nature Geoscience. "Em outras palavras, agora sabemos por que e como o eixo de rotação da Terra se move em relação à crosta terrestre."
O estudo dos movimentos polares usou a abordagem da inteligência artificial (IA), aplicando as leis da física para desenvolver algoritmos de aprendizado de máquina. Segundo Shahvandi, essa é a primeira vez que se registraram os diferentes efeitos individuais (no núcleo, no manto e no clima superficial) do planeta em um modelo sobre interações. O pesquisador nota que, pelos cálculos, é possível saber como os polos de rotação da Terra se moveram desde os anos 1900, valores que, segundo eles, estão de acordo com dados reais obtidos por observações astronômicas e satélites. Isso significa que a modelagem pode fazer previsões com acurácia.
Mesmo que a rotação da Terra esteja mudando lentamente, o efeito pode ser mais sentido quando se navega no espaço — por exemplo, quando se envia uma sonda espacial para aterrar em outro planeta. Nesses casos, ainda que o desvio seja de apenas 1cm, ele pode evoluir para centenas de metros nas enormes distâncias envolvidas. "Se isso ocorrer, não será possível pousar em uma cratera específica de Marte", exemplifica Benedikt Soja, autor do estudo da Pnas e professor de geodésia espacial do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique.
Autor de um estudo publicado na edição de ontem da revista Nature Geoscience sobre mudanças climáticas e rotação da Terra, Mostafa Kiani Shahvandi, do Istituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, destaca que, como os demais processos na Terra, os efeitos estão interligados a outros fenômenos planetários. "As alterações climáticas estão fazendo com que o eixo de rotação da Terra se mova e parece que, em retorno, o movimento angular (dos eixos) também alteraram a dinâmica do núcleo da Terra", explica.
O cientista ressalta que, ao influenciar as profundezas do planeta, a ação das alterações nos padrões de temperatura e precipitação tem alcance maior do que se imaginava. Porém, Shahvandi garante que, por enquanto, "há poucos motivos para preocupação".
Ki-Weon Seo, geofísico da Universidade Nacional de Seul, na Coreia do Sul, que não participou dos estudos divulgados ontem, concorda que a humanidade está afetando a rotação da Terra pelo excesso de bombeamento de água para fora do solo. Segundo um cálculo que Seo publicou no ano passado na revista Geophysical Research Letters, o deslocamento da massa líquida por atividades humanas alterou a inclinação do planeta em 80cm para o leste, apenas entre 1993 e 2010.
O cientista explica que é preciso continuar o monitoramento, inclusive buscando dados mais precisos sobre o passado. "Os dados do movimento polar estão disponíveis desde o fim do século 19. Podemos utilizá-los para compreender as variações do armazenamento de água continental durante os últimos 100 anos. Houve alguma mudança no regime hidrológico resultante do aquecimento do clima? O movimento polar pode conter a resposta." (PO)
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