O tratamento hormonal usado para câncer de mama pode reduzir, mais tarde, o risco de Alzheimer e demências relacionadas, segundo um estudo publicado na revista Jama Network Open. Os pesquisadores, da Universidade de Pittsburgh, nos Estados Unidos, analisaram dados de 18.808 pacientes e afirmam que se trata de um dos maiores estudos sobre o tema. O resultado coincide com pesquisas anteriores, mas os autores destacam que mais estudos são necessários antes de a descoberta ser adicionada à prática clínica.
Na pesquisa, foram estudadas informações de um banco de dados federal sobre mulheres acima de 65 anos que fizeram algum tipo de terapia hormonal para o câncer de mama. Os três tipos mais comuns da abordagem são moduladores seletivos do receptor de estrogênio, inibidores da aromatase e degradadores seletivos de estrogênio. Todos são medicamentos e só podem ser prescritos por médicos.
Os pesquisadores buscaram, no banco de dados, mulheres com câncer de mama entre 2007 e 2009, sem o diagnóstico prévio de Alzheimer e outras demências, nem histórico de terapia hormonal antes de descobrirem o tumor maligno. Dos milhares de pacientes que se encaixavam no perfil, 66% haviam recebido tratamento com hormônios dentro de três anos da detecção das doenças neurodegenerativas, contra 34% que não fizeram uso dos medicamentos.
Ao longo de 12 anos de acompanhamento, 24% das usuárias de terapia hormonal e 28% das não-usuárias desenvolveram algum tipo de demência, incluindo Alzheimer. Isso significa um risco 7% menor. O percentual de proteção variou de acordo com idade e etnia: mulheres negras entre 65 anos e 74 anos foram as mais beneficiadas, mostra o estudo.
Segundo Francesmary Modugno, professora de obstetrícia, ginecologia e ciências reprodutivas na Universidade de Pittsburgh, cerca de dois terços dos pacientes com câncer de mama têm tumores com receptores hormonais positivos, o que significa que a doença aumenta em resposta ao estrogênio ou à progesterona. Nesses casos, a terapia hormonal pode impedir o crescimento tumoral, bloqueando a ligação dos hormônios a esses receptores.
"Embora o uso da terapia hormonal esteja associada ao aumento da sobrevida, há evidências conflitantes sobre se ele aumenta ou diminui o risco de desenvolver a doença de Alzheimer e demências relacionadas", destaca Modugno. Em 2020, um estudo também publicado na revista Jama, com dados de 57.843 pacientes de câncer de mama, encontrou uma relação entre menor incidência de demência entre as usuárias da terapia hormonal. No ano passado, porém, uma pesquisa com 55 mil mulheres divulgada no British Medical Journal descobriu uma associação contrária, com maior risco em pacientes que fizeram algum tratamento à base de progesterona ou estrogênio.
Agora, para melhorar a compreensão sobre terapia hormonal e Alzheimer, os pesquisadores de Pittsburgh trabalharam em colaboração com a faculdade de Farmácia da Universidade da Carolina do Sul. De forma geral, nas pacientes de câncer de mama que usaram moduladores seletivos do receptor de estrogênio, inibidores da aromatase e degradadores seletivos de estrogênio, o efeito foi protetor, especialmente entre os 65 anos e os 69 anos, diminuindo com a idade. "Notavelmente, quando os pacientes tinham mais de 80 anos, houve um risco aumentado", observa Chao Cai, professor da Universidade da Carolina do Sul e coautor do artigo.
Segundo Cai, o estudo sugere que mulheres mais jovens podem se beneficiar mais das terapias hormonais em termos de risco de demência. "Os benefícios diminuíram para mulheres com 75 anos ou mais, especialmente naquelas que se identificaram como brancas. Isso sugere que o momento do início da terapia é crucial, e os planos de tratamento devem ser adaptados à idade do paciente."
Outra constatação dos pesquisadores é que mulheres negras foram as mais beneficiadas, com 24% de redução de risco até os 74 anos, caindo para 19% após os 75. A incidência de demência foi 11% menor, comparado às pacientes brancas que fizeram tratamento hormonal para câncer de mama. "Não conhecemos os mecanismos por trás dessa disparidade, é preciso investigar mais", destaca Francesmary Modugno, da Universidade de Pittsburgh.
Também não é possível dizer exatamente por que a hormonoterapia parece proteger pacientes de câncer de mama contra Alzheimer e outras demências. Um palpite é que o tratamento afete a produção da proteína beta-amiloide e a estabilidade de proteína tau, ambas relacionadas à fisiopatologia da neurodegeneração. "É uma relação complexa e influenciada por múltiplos fatores. São necessárias pesquisas contínuas para compreender melhor os mecanismos e fornecer orientações mais claras", diz Chao Cai.
O ginecologista Igor Padovesi, associado à Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), esclarece que as terapias à base de hormônio são seguras e associadas a diversos benefícios — no caso da menopausa, por exemplo, combate os principais sintomas e previne a perda óssea. Porém, o médico lembra que qualquer tratamento do tipo deve ser personalizado. "Quando o assunto é terapia hormonal não há como generalizar. O segredo está na individualização e em uma avaliação adequada."
Esse é o estudo mais relevante publicado até agora relatando que a terapia hormonal para o câncer de mama não tem efeitos adversos no risco de demência e que, dependendo da idade e da etnia, pode ser um fator benéfico, além de aumentar a sobrevivência ao câncer. Para a prática clínica, porém, o estudo não terá muito impacto, pois a indicação do uso ou não da terapia hormonal é estabelecida por protocolo e está ligada à melhora da sobrevida. Se o tratamento também tiver um impacto positivo na memória, tanto melhor. Nas mulheres com mais de 75 anos, em que parece não ser benéfico para a demência, não creio que o tratamento seja evitado devido aos dados deste estudo. Portanto, mais estudos são necessários.
*Pluvio Coronado, professor de ginecologia da Universidade Compluense de Madri, membro da Associação Espanhola para o Estudo da Menopausa
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