22 de Novembro de 2024

Pátria dos direitos humanos? A expulsão em massa de sem-teto das ruas de Paris antes dos Jogos Olímpicos


O presidente francês, Emmanuel Macron, prometeu que os Jogos Olímpicos de Paris colocariam em destaque a grandiosidade da França.

Mas a "pátria dos direitos humanos" — como o país é conhecido por ter feito a primeira declaração nesse tema durante a Revolução Francesa — também expulsou milhares de moradores de rua para “embelezar” a cidade, como ocorreu em Olimpíadas em outros países, criticam associações.

"As autoridades fizeram a promessa de que um dos legados dos Jogos de Paris seria o de uma sociedade mais inclusiva. Mas Paris não será uma exceção na tendência de esconder os pobres nas Olimpíadas”, disse à BBC News Brasil Théodore Malgrain, porta-voz da ONG O Reverso da Medalha, que reúne uma centena de associações que atuam na área de assistência social.

Para a Olimpíada de Paris, segundo a ONG, mais de 12,5 mil pessoas, sobretudo na capital francesa e na Seine-Saint-Denis, região ao norte de Paris onde fica a Vila Olímpica, o centro aquático e outros locais de competição, como o Stade de France, onde haverá provas de atletismo. As remoções foram alvos de protestos.

"Os Jogos Olímpicos e grandes competições, como Copas do Mundo, têm em seu gene a tendência de limpeza social," afirma Malgrain, se referindo à expressão utilizada pelas associações para a remoção de pessoas que vivem nas ruas durante eventos importantes.

O relator especial da Nações Unidas para direito à moradia, Balakrishnan Rajagopal, questionou a França, em abril, sobre a situação dos “grupos marginalizados.”

Ele afirmou, na rede social X, que “as expulsões para embelezar Paris antes dos Jogos são similares ao que a China e outros fizeram antes de grandes eventos. Como a França justifica isso?”, questionou.

As autoridades francesas negam que a retirada dos sem-teto, enviados para abrigos temporários em outras cidades, tenha a ver com os Jogos Olímpicos.

“Não há faxina social”, declarou a ministra dos Esportes e dos Jogos Olímpicos de Paris, Amélie Oudéa-Castéra.

“Há uma política de acomodação de emergência que visa distribuir essas pessoas por todo o país. Operações desse tipo são realizadas regularmente, isso não é ditado pela agenda dos Jogos.”

As associações, no entanto, ressaltam que o acesso de migrantes a acomodações de emergência fora de Paris se tornou repentinamente mais fácil.

São pessoas que vivem em tendas ou sob pontes em algumas áreas de Paris, principalmente no norte da capital, e também às margens do rio Sena. Há muitos migrantes entre os sem-teto que vivem na capital.

Seine-Saint-Denis, onde estão os equipamentos olímpicos, é formada por municípios pobres onde residem muitos imigrantes.

A região foi o epicentro da forte onda de violência que se alastrou pelos subúrbios franceses em 2005.

Nas proximidades da estação de trem e metrô Gare du Nord, área onde há muitos usuários de crack que pedem dinheiro pelo bairro, o 10° distrito de Paris - uma região central onde fica a praça de la République - essa população ficou progressivamente bem menos visível nas últimas semanas.

A secretaria de segurança pública da capital já havia proibido no final do ano passado, por decreto, o reagrupamento de usuários de drogas nas ruas.

Um levantamento realizado por grupos que prestam assistência a moradores de rua, contabilizou quase 3,5 mil sem-teto apenas capital francesa, que tem cerca de 2 milhões de habitantes.

Esse número também é menor do que o total de remoções, porque o levantamento feito sobre as expulsões das ruas leva em conta também as periferias de Paris e as pessoas que estavam em acampamentos e prédios ocupados irregularmente.

A contagem, chamada de “noite de solidariedade” é uma iniciativa da Prefeitura de Paris, que pede a milhares de voluntários para percorrer a cidade, incluindo estacionamentos, metrôs e parques.

No entanto, há quem viva nos subterrâneos da cidade e sem-teto que se recusam a participar da contagem por receio de ser fichados pela polícia ou alvo de outras medidas de autoridades.

"Calcula-se que o número de sem-teto seja, na verdade, o dobro", diz o porta-voz do Reverso da Medalha.

Segundo Malgrain, as técnicas para retirar pessoas que vivem nas ruas - geralmente em barracas, que alguns casos formam grandes acampamentos com centenas de pessoas - e também em prédios abandonados ocupados ilegalmente são semelhantes às utilizadas em outras cidades que sediaram Jogos.

Nos cálculos da O Reverso da Medalha, 1,5 milhão de pessoas foram retiradas das ruas nos Jogos de Pequim, em 2022, e 77 mil nos do Rio de Janeiro, em 2016.

Como em Paris, são populações que viviam em áreas próximas aos locais de competição e de zonas turísticas da cidade.

No Rio, a Vila Autódromo, comunidade criada nos anos 1970 onde viviam quase 600 famílias, foi desapropriada para facilitar o acesso ao principal local das competições.

A Prefeitura afirmou na época que as remoções só ocorreram em comum acordo com os moradores.

Malgrain aponta que, inicialmente, há uma criminalização desse público com operações policiais que visam pequenos delitos.

Depois começam as expulsões em massa de pessoas que vivem em acampamentos que se formam com barracas e também em prédios abandonados.

Decisões da Prefeitura e da Secretaria de segurança pública de Paris e de localidades vizinhas ordenaram o fechamento desses lugares motivos de segurança, como riscos de incêndio e insalubridade.

Na quarta-feira (17/7), a oito dias da cerimônia de abertura das Olimpíadas que será realizada no rio Sena, a polícia desmantelou dois campos de migrantes no norte da capital onde viviam cerca de 230 pessoas, segundo a ONG Médicos do Mundo.

Um dia antes foi desmontado um acampamento com mais de 200 pessoas no canal de l’Ourcq, no norte de Paris, área onde regularmente há barracas de imigrantes.

O local fica perto do parque de la Villette, onde serão instalados, durante a Olimpíada, comitês nacionais estrangeiros, as “casas” dos países, entre elas a do Brasil, que realizarão ali eventos culturais.

As autoridades informaram que moradores de rua no Canal de l’Ourcq poderiam viajar por cinco horas até Besançon, no leste da França, ou ir para um abrigo nas proximidades de Paris.

"Esses acampamentos são muito visíveis. Todos eles, com 200 pessoas ou mais, já foram desmantelados. Mas eles acabam sendo formados de novo e desmontados novamente na sequência”, diz Malgrain.

Christophe Noël du Payrat, diretor de gabinete do secretário de segurança pública da região Île-de-France, que engloba Paris e periferias próximas, repetiu à imprensa francesa que a evacuação de acampamentos não tem relação alguma com as Olimpíadas e que esses locais representam problemas de insalubridade.

“Não consigo entender essa crítica de limpeza social porque nós oferecemos abrigos às pessoas”, afirma.

Com o desmonte dos acampamentos pela polícia, os sem-teto são enviados de ônibus sob ordens das autoridades de segurança pública para várias regiões da França.

O ministério do Interior pediu aos secretários de segurança pública para criar “centros regionais de hospedagem temporária” para aliviar a falta de vagas em Paris em locais especializados que acolhem moradores de rua.

Em Orléans, na região do Vale do Loire, a 120 quilômetros ao sul de Paris, o prefeito, Serge Grouard, foi um dos primeiros a denunciar, no final de março, a chegada de moradores de rua e migrantes de Paris "às escondidas", sem que ele tivesse sido informado.

Algumas centenas de pessoas foram enviadas à cidade desde o ano passado, segundo o prefeito. Ele afirmou à imprensa francesa que os abrigos de emergência em Orléans já estavam saturados e que elas foram encaminhadas para hotéis.

A Prefeitura de Paris informou ao canal de TV France 24 que as hospedagens de emergência em outras regiões da França para onde são enviados os moradores de rua são de competência do governo francês, que planeja e organiza as operações de evacuação dos sem-teto e outras pessoas que vivem nas ruas da capital francesa.

Normalmente, as pessoas por até três semanas nas dezenas de centros regionais de acomodação temporária criados para receber a população de rua expulsa de Paris e seus arredores.

O plano das autoridades é que elas devem depois ser encaminhadas para uma nova região para uma solução de moradia permanente.

"As regiões não têm meios financeiros, e rapidamente essas pessoas são novamente colocadas nas ruas, mas em uma cidade que elas não conhecem e sem os contatos sociais que elas tinham", ressalta Malgrain, acrescentando a dispersão dos moradores de rua da capital por todo o país os deixa em uma situação ainda mais precária.

Muitos acabam voltando para Paris ou a periferia da capital onde viviam, afirma Malgrain.

Fonte: correiobraziliense

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